Quanto baga, brimo?
Você sabia que os árabes fizeram parte da formação gastronômica brasileira, desde a chegada dos primeiros europeus no Brasil?
Como? — você deve estar retrucando aí na sua mente. — Esse André deve estar maluco! Como assim se o primeiro árabe chegou oficialmente no nosso país só em 1878?
Calma que eu explico...
A Europa sofreu forte influência dos árabes. Primeiro pelo comércio, depois pela dominação política e depois pela miscigenação que restou do império Turco-Otomano.
Os árabes vendiam alimentos e temperos, indianos, africanos e especiárias orientais, através das rotas comerciais, que ligavam o Oriente e a África, à Europa.
Depois, com o avanço do império Turco-Otomano, após a queda de Constantinopla em 1453, a alimentação dos países europeus — principalmente dos países mediterrâneos — foi invadida pela culinária árabe.
Azeite, iogurte, coalhada, cominho, grão-de-bico, lentilha, gergelim, salsinha, hortelã, carne de cordeiro, frutas secas, pimenta-do-reino, pães sem fermento, kafta, e modos de preparo, foram algumas das contribuições dos árabes nesse período de império.
Não que todos esses produtos sejam originalmente árabes, mas faziam parte de sua alimentação. Com a expansão de seu império e comércio, acabaram assimilando tudo isso em sua gastronomia e passaram para frente, fazendo assim uma grande corrente cultural e gastronômica.
Então — provando minha lucidez — os árabes contribuíram para a formação da culinária brasileira, principalmente da Paulistânia, mesmo antes da chegada dos primeiros "brimos", por aqui.
Eles começaram a chegar em 1878, e em sua maioria eram sírios e libaneses. Como estavam sobre o dominio do império Turco-Otomano lá em sua terra natal, aqui foram chamados simplesmente de "turcos."
Os árabes logo se enturmaram muito bem na sociedade brasileira. Hábeis comerciantes, carismáticos e expansivos, eles se estabeleceram na área urbana das pequenas cidades do interior do Paraná, São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.
Por dificuldade de comunicação, trouxeram um sotaque muito peculiar à nossa gente — influenciando bastante jeito de falar do paulistano.
Chamando a todos de brimos (pois eles trocam o P pelo B), ficaram também conhecidos assim.
Todo mundo era primo deles e eles eram primos de todo mundo.
Com a chegada deles, muitos produtos que já existiam em nossa culinária, mas que eram timidamente usados, ganharam grande importância.
O trigo cru, usado em saladas, e em preparos com iogurte e coalhadas.
A carne moída, de boi e de cordeiro usada nas esfirras, kibes e kaftas.
A salsinha, agora usada como parte dos pratos e não só como enfeite.
O hortelã, o gergelim, o grão-de-bico e suas várias formas de apresentação.
E talvez o mais usado! O azeite, que veio para ser opção às gorduras de origem animal e que rapidamente virou essencial em nossa cozinha.
Doces feitos com massa folhada, nozes, castanhas e mel, além de doces à base de goma — aqueles coloridos, que invadiram os bares e mercadinhos do Brasil — também ganharam um espaço dentro do nosso coração.
Esses pratos não competiram com os que já existiam aqui, pelo contrário, eles se adaptaram à nossa base culinária.
Por isso, não é raro vermos em uma mesma mesa — em várias festas por aí — coxinha, esfirra, coalhada seca, homus, caponata de beringela, espetinhos de carne bovina, torresmo, saladas variadas, tabule, queijos finos, queijos da Serra da Canastra, polenta frita, almondegas, medalhões de frango, linguiça frita, preparos com iogurte, pães sem fermento, pães gratinados, tomates secos e mais uma infinidade de combinações e delicias.
Uma vez, eu falei para a minha esposa:
— Hoje você vai comer um doce mais gostoso que chocolate.
— Isso não existe! — ela respondeu quase gargalhando da minha cara.
Então eu dei pra ela um pedaço de Halawi, o melhor doce do mundo!
Memória afetiva — então, por favor não me venha falar que não gosta.
Ela mordeu um pedaço e no mesmo instante parecia que estava comendo um doce feito no céu!
— Olha — ela falou quase assustada — não sei se é melhor que chocolate, mas que é muito bom... Isso é...