No ano de 1972 eu tinha 9 anos de idade e morava com minha avó Lourdes em Barretos numa casinha branca tão pequena e distante da cidade que parecia ter o silencio eterno. Só perturbado pela passagem dos trens na linha férrea há alguns 100 metros de nossa casa, e pelos cavalos do jóquei quando relinchavam em seu palco de corridas pertinho dali. A água de poço era tão cristalina quanto difícil de se retirar, “teimosa que só ela”. Energia... Apenas dos nossos corpos e de todos aqueles amigos bichos, não tinha nada que pudesse significar algum conforto, mas tudo nos dava muita alegria e movimentava nossos corpos e mentes além de ser muito divertido!
Minha avó era muito rígida comigo (á moda das pessoas rústicas e honestas como antigamente), também uma polivalente pois cuidava da casa, cuidava de um mercadinho, criava galinhas e o melhor de tudo... Era a única parteira da cidade, além de fazer caridade em trabalho social para sua Igreja. Não preciso nem dizer que eu participava de tudo isto de forma direta ou indireta.
É nesse cenário e contexto que vem a história a seguir:
Um dos meus melhores amigos era um amigo bicho cão chamado Kaiser (nada a ver com a cerveja), minha Avó era fã de um general que tinha esse nome, daí ela achou que homenagearia o coitado do amigo cão... Valeu a intenção.
Se Kaiser fosse gente com certeza seria meu irmão, pois quantas vezes nos dias de frio eu o colocava debaixo do cobertor sem minha Avó perceber e ali ele ficava por muito tempo pela manhã. mas algumas vezes não era assim que funcionava.
Como já disse em outras historias, minha Avó era uma exímia criadora de galinhas, acho que devíamos por volta de umas 50 galinhas, fazendo dupla, de criador, com ela estava o fiel... Kaiser! Um exímio cão pegador de galinhas, acho que estava cursando ultimo ano da faculdade de pegar galinhas... Então, aos domingos pela manhã sempre as sete horas em ponto... Oh senhor! Maldita pontualidade! Quando as galinhas se ajuntavam para comer, era “o circo no seu ápice do espetáculo” .
Minha Avó como uma sirene de bombeiro. chamava o Kaiser, eu já acordava me lembrando de que pelo barulho e estardalhaço deveria ser domingo! Eu torcia para que ela não chamasse o Kaiser por mais de 3 vezes porque se isso acontecesse era a fatídica comprovação de que ele tinha se mandado pra dar umas voltas, (acho que ele usava relógio), se isso acontecesse, minha avó carinhosamente me acordava aos solavancos dizendo: “Aquele cão mardito sumiu de novo! Vamo! Levanta que tem umas 10 galinha pa pegá depois oçê dorme dinovo!” Realmente, acho que o Kaiser usava relógio, aquilo pra mim era o mais indesejado desjejum matinal , mas como sempre eu obedecia e lá ia eu correndo feito louco em campo aberto, ás vezes me embrenhando pelo mato, subindo até em árvores, e ai de mim se não pegasse todas as galinha que minha avó apontasse... Já nas últimas galinhas, eu já exausto recebia o elogio fatal da adorável vovó: “Vai muleque lerdo, larga de ser mole, vo cuspir no chão, antes de secar quero essas galinha na minha mão senão çe sabe, te dou uma surra.”
Depois destas doces palavras como não ia me reanimar? Minha avó deveria ser psicóloga! Ela mexia com minha cabeça... Eu pensava: Hehhhh Kaiser, eu pego as galinhas, mas eu também vou te pegar!
Mas como sempre, eu tinha um plano!
Resolvi que aos sábados á noite eu iria prender o Kaiser, e no domingo lá pelas 6:30 hs antes do horário fatídico que era as 7:00 horas eu o soltaria e voltaria a dormir, perfeito não?
Sabe que isso funcionou bem. Mas como tudo tem um fim isso foi apenas por um tempo, pois eu comecei a não acordar em tempo de soltar o Kaiser.
Resultado? Uma surra fatal.
Daí então eu desisti desse plano e parti para outra estratégia, levantava as 6:00 horas procurava o Kaiser colocava-o debaixo do cobertor para depois soltá-lo logo que minha Avó acordasse!
Outro plano perfeito que resultou em outra surra (acho que eu fazia coleção de surras!), pois muitas vezes eu esquecia de colocá-lo para fora do cobertor.
Só me restou me conformar com aquela vida de corredor, pegador, sei lá como se chamava aquilo, só sei que com tudo isto eu era bem magrinho, ágil e bem esperto!
Terminado estes shows de domingo, o Kaiser chegava com aquela cara de “não sei de nada” e eu bem cansado mas bem mais faminto o perdoava como sempre e ia com o Kaiser para o pomar, e lá eu colhia algumas frutas, pouca coisa como 20 laranjas, pitangas, uns maracujás do mato, seriguelas e tudo que visse já maduro e levava para cima da árvore e em seguida içava o Kaiser lá pra cima com um invento que meu Avô arrumou e ficávamos por horas lá em cima. Sabe que o bichinho danado até gostava da árvore? Malandro...
Apenas por momentos eu tentava descobrir o porque de tudo aquilo, talvez aquilo fosse um acordo entre o Kaiser e as galinhas? Uma trama dos vizinhos se vingando dos pães amassados? (Isso é uma outra história), talvez uma louca experiência da minha Avó ? Ou então seria o meu dia a dia mesmo...
Eu logo esquecia de tudo porque desde esses dias eu aprendia que Deus sabia de tudo e se Ele sabia então estava tudo bem. Aprendi que em tudo ele me amava.
Assim eu seguia cumprindo os meus dias repletos de muita emoção, mas de pensamentos simples e na beleza da inocência de menino.
Abraços a todos vocês
Crisógono Júnior.