Reunione na cossina!
O dia começava cedo na fazenda.
Era época de colheita de café.
Os homens da colônia acordavam cedo, tomavam café pingado com leite, comiam bolo de fubá, queijo, biscoitos de polvilho e ovos mexidos.
Muitos, antes de irem trabalhar na colheita, tratavam primeiro de seus porcos, de suas galinhas e tiravam leite de suas vaquinhas e aguavam as suas hortas.
O patrão — dono da fazenda — permitia que cada colono tivesse alguma coisa para chamar de sua.
Naturalmente, que uma parte desses produtos, acabava na despensa da casa-grande. Nessa divisão específica, os colonos eram chamados de "meeiros"— pois cultivavam suas hortaliças e verduras, criavam seus animais e dividiam tudo com o patrão.
Era uma forma de incentivo para os colonos, que ganhavam pouco, e trabalhavam muito.
Os galos, desde a madrugada, desafiavam os sapos e os primeiros pássaros, numa cantoria sem fim.
Um coachava daqui, outro cantava dali e o outro se esganiçava em seu altíssimo cocoricóóóóóóó, que era o despertador da natureza.
Na casa-grande, o fogão à lenha soltava a fumaça tranquila pela chaminé — o que já dizia, que a cozinheira da família, a negra, filha de escravos, Maria das Dores, chamada carinhosamente de Das Dor, já tinha o café da manhã posto à mesa.
— Quinzinho, — disse Das Dor, colocando o bolo de fubá, na frente do patrãozinho, Joaquim, filho mais velho de seu Tonico Junqueira, dono da fazenda —, o seu pai está com uma cara triste.
— Ah... Das Dor, a mãe disse que ele reclamou ontem de alguma coisa.
— Ocê não sabe o qui é?
— Não sei, mas parece que ele está com saudade de alguma coisa.
— Sardade?
— Saudades de macarronada. — respondeu dona Sueli entrando na cozinha e no assunto.
— Verdade patoa? Sardade de macarronada?
— Você acredita nisso? — respondeu Sueli, servindo-se de uma xicara de café e pegando um mané pelado que já estava fora da folha de bananeira.
— Uai patroa, a gente pode falar com a dona Francesca e a dona Carmelita, que moram na colônia e pedir pra elas fazerem para o patrão.
— O problema é que a gente não tem farinha de trigo, Das Dor. E sem farinha de trigo não dá pra fazer macarrão.
— Quinzinho. — falou a cozinheira virando-se para o jovem patrãozinho. — Acaba de cumê e vai lá na colônia chamar elas pra mim. Ocê faz isso, meu fio?
— Lógico que faço! O que a senhora me pede que eu não faço?
— Olha só esse aí! — reclamou Sueli fazendo cara de desdém. — Só porque você foi ama-de-leite dele, ele te respeita mais do que a mim!
— Não fica com ciúme não, dona Sueli! Esse Quinzim, pra mim, é um neto que eu não tive.
*****
Meia hora depois, Das Dor explicava para as "mamas" italianas o problema gastronômico, que deixava saudade em seu Tonico.— Olha Das Dor — falou dona Francesca gesticulando com os braços como boa italiana — non é fácil fazere macarrone sem farina de trigo.
— Non Francesca — retrucou Carmelita — esso é impossibile! Non tem como fazêre esso!
— Eu sei. — explicou Das Dor, com muita paciência. — Mas eu pensei em fazer um angu de milho e colocar o molho de carne picadinha.
— Ragu de carne moída?
— Isso, dona Francesca.
— Non fica bom!
— Porque non fica bom? — perguntou Carmelita que ao ouvir a cozinheira negra, achou que fazia algum sentido.
— Non fica bom, porque o angu de milho tiene gosto de milho e o macarrone é una massa sem sabore! O sabore da macarronada vem do ragu e do quêjo!
— Bom isso é verdade. — concordou Carmelita.
— Ah... — resondeu Das Dor em meio a um suspiro. — Eu queria tanto deixar seu Tonico contente.
— Bom... — falou Francesca olhando para cima, como se vasculhasse suas ideias. — E se a gente fizesse una massa base neutra, sem o milho.
— E fazemo com quê Francesca? Tá maluca?
— Carmelita, você tem que me dexare falare! — gesticulou Francesca com cara de brava.
— Enton fala! Enton fala! Mas só quero vere, con quê vamo fazere a massa.
— A gente pode fazere con fubá, água e sal.
— Sem tempero? — estranhou a cozinheira oficial da casa-grande. — Os patrão gosta de tempero.
— Io sei, mia amiga! — respondeu Francesca pegando nas mãos da negra e sorrindo. — Os tempêro vem do ragu e do quêjo!
— Ma, ma, ma, ma! — interrompeu Carmelita abrindo os braços. — Essa massa de fubá vai ficare mole! Nun vai dá certo!
— Eia Carmelita, me escuta! A gente faz a massa neutra. Depois dêxa esfriare numa forma e por esso ela vai ficar firme, aí a gente cobre ela inteira de ragu quente na hora de servire e rala o quêjo mea cura por cima!
— Mas, e quando colocar o ragu quente, a massa não vai amolecer?
— Non, Das Dor! Pode ficar tranquila, mia amiga! Vai dar certo.
*****
Na hora do almoço, a forma com a massa neutra de fubá, coberta com molho de carne moída e queijo ralado, foi servido para a família dos Junqueira.
A forma não deu para quem quiz.
O gosto, lembrou muito uma macarronada, e o seu Tonico, deixou escorrer uma lágrima quando deu a primeira garfada.
Das Dor chorou com suas amigas italianas no canto da cozinha, quando viu a lágrima escorrer pelo rosto do patrão.
Ao final do almoço, Francesca e Carmelita foram convidadas a trabalhar na cozinha da casa-grande, para ajudarem Das Dor no dia a dia.
À noite, antes de se recolherem, Sueli foi até o quarto de Das Dor, lhe deu um abraço e disse:
— Obrigado minha amiga! O que você fez hoje, foi muito importante.
*****
Esse prato, logo se tornou essencial no cardápio dos brasileiros.
Mais adiante, esse prato ganhou o nome de polenta, e aos poucos substituiu o angu feito de milho verde.
No Brasil inteiro, de norte a sul, de leste à oeste, a polenta está presente. Feita com carne moída, com galinha, com peixe, com molho de legumes.
Ele é tão importante para o brasileiro, que já salvou e ainda salva muitas vidas, em famílias, que infelizmente não tem o que comer.
Fubá, água e sal, por incrível que pareça é muito barato e tem grande valor nutritivo.
Eu sei, que provavelmente as coisas não aconteceram da forma como eu descrevi nesse conto.
Mas ele não pode ser descartado.
Os imigrantes italianos usavam a polenta neutra sim, para substituir o macarrão de trigo.
E essa fusão de pessoas dentro das cozinhas das fazendas, foi a riqueza, que criou nossa base gastronômica, principalmente da Paulistânia.
A nossa série está acabando.
Acho que mais duas ou três postagens, eu termino o que queria apresentar.
O último capítulo também será um conto.
Talvez tão grande quanto esse.
Me perdoem, pois sei que a linguagem dos blogues é feita de postagens curtas.
Mas realmente foi necessário!
No próximo capítulo: Os brimos chegam ao Brasil!
Adorei os questionamentos, os sotaques e enfim a polenta mole com o ragu que dá o toque especial. Além disso, se polenta durinha dor, pode ser frita, com queijo por cima, etc....Fala a mama gringa aqui,rs... Adorei! abração e foi mais um lindo capítulo! Linda semana! chica
ResponderExcluirOi Chiquinha!
ExcluirVocê é gringa? Não sabia minha amiga!!
Hummmm polenta frita é muito bom mesmo.
Sensacional!
ResponderExcluirFiquei imaginando a cena acontecendo com as italianas discutindo projetos gastronômicos com Das Dor! Tônico devia ser um patrão muito bom para merecer tamanha demanda.
Quem não curte uma boa polenta?
Eu prefiro com carne moída bem temperada por cima. Faz até tempo que não faço aqui, inda mais agora que estou limitando a ingesta de milho, trigo, feijão, arroz...todos esses carboidratos simples. Não é fácil abrir mão de tanto sabor, mas não sou radical, apenas diminui a quantidade.
E esse negócio de "texto curto" isso é lá pelas bandas do tar Facebuk, lugar onde ninguém gosta de ler mais de duas linhas.
Dudualdo! Que bom que gostou meu amigo.
ExcluirVocê é um dos melhores contistas que conheço na blogosfera e sua opinião conta muito.
Então rapaz... Também diminui os carboidratos... Mas falar desses alimentos dá uma vontade danada de comer.
Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk.
Sobre textos grandes... Não é mais só no facebook meu amigo. É só notar a quantidade de comentários.
Um abraço!
Olá, amigo André!
ResponderExcluirDeixa os preguiçosos irem para os blogs sucintos que nós continuamos a nos enriquecer...
Gosto muito de polenta com molho de carne moída e queijo.
Como já lhe disse, o ES tem muita afinidade com os italianos, 150 anos da imigração aqui.
Aprendi a gostar pois não tinha o hábito no RJ. Por lá, é angu mesmo que eu já gostava
É uma delícia.
Vamos sentir saudade de abrir o apetite com sua série...
Tenha uma nova semana abençoada!
Abraços fraternos de paz e bem
Oi Rosélia!!!
ExcluirAh... Mas depois dessa série eu volto a escrever aquelas bobagens de sempre.
Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkk.
Obrigado pelo carinho, minha amiga!
Com essa virada de tempo que deu hoje, essa chuvinha e essa friaca, vou chegar em casa e fazer sopa de fubá à noite.
ResponderExcluirKkkkkkkkkkkkkkkkkkkk, tô com as mesmas intenções...
ExcluirCheguei!
ResponderExcluirEita trem bom!
Tá vendo Andre?Tudo começa com um prato simples. Primeiro era só fubá, água e sal. Depois virou polenta. E agora tá no coração do Brasil. Enquanto você acha que tá só cozinhando, tá escrevendo história. E eu aqui, achando que minha invenção de miojo gourmet era o auge da criatividade culinária…
Muito bom amigo!
O texto fala sobre a importância da polenta na culinária brasileira, destacando sua origem simples e seu papel fundamental na alimentação das famílias, especialmente as mais humildes. A polenta, feita de fubá, água e sal, tornou-se um prato presente em todo o país, adaptando-se a diversos acompanhamentos. Comenta também sobre a influência dos imigrantes italianos e a fusão cultural que contribuiu para a formação da gastronomia da Paulistânia. Ao final, anuncia que a série de postagens está chegando ao fim, restando apenas mais alguns capítulos, sendo o último um conto.
Eu eu aqui dizendo: mais já?
Poxa!😜
Amei Andre 🙏🏻
Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk.
ExcluirMas já????
Quê isso menina. Já foram 7 partes.
Que coisa feia Maria Fernanda! Fazendo miojo!!! E ainda por cima, uma médica!
Ah não... O mundo tá pra acabar mesmo!!!!
Um abraço, mas por favor, vamos melhorar suas receitas.