terça-feira, 23 de abril de 2019

Saber amar


Gente tá meio grandinho, mas vale a pena ler! 






Cláudio acordou de um sono pesado, seu corpo inteiro doía, sua vista estava embaralhada, e seus sentidos pareciam estar desregulados.
Quando começou a recobrar a consciência ele firmou as vistas e observou ressabiado o lugar onde estava. À princípio ele julgou estar numa igreja. Notou que as janelas eram muito grandes, com vitrais coloridos. Cada uma delas era ladeada por colunas no estilo grego que pareciam segurar um teto muito, muito alto, tão alto que não dava para enxergar.
Cláudio coçou a cabeça sem entender o que estava acontecendo, quando ouviu uma voz, que vinha de uma pessoa, que parecia estar sentada em um trono, ou uma cadeira estilo Luiz XV talvez.
- Venha até aqui Cláudio.
“Esse cara me conhece? – pensou.”
- Conheço sim, eu sei tudo sobre você e sobre sua vida.
“Ele pode ouvir meus...”
- Pensamentos? – falou o homem precipitando-se em responder. – Posso! Até antes de você pensar!
Cláudio ficou de pé, e em passos lentos e cautelosos, se aproximou do homem. Quando chegou perto, suas vistas melhoraram e seus sentidos entraram nos eixos, por isso, ele pode ver, um homem que se parecia muito com o Jesus que ele sempre imaginava em pensamento, toda vez que orava.
- Je... Jesus?
- Sim, - respondeu um outro homem, que estava em pé, ao lado de Jesus, vestindo terno preto, camisa vermelha, com olhos esbugalhados, sorriso maroto e cavanhaque ruivo, - ele é Jesus e eu sou, como você costuma se referir a mim, o Capeta!
- Capeta! – falou Cláudio assustado, m... Mas o que vocês estão fazendo aqui juntos?
- Nós estamos aqui para julgar você! – respondeu o diabo. – Bem, - retificou – Ele vai te julgar, eu só vou apresentar seu histórico.
- Mas você? Apresentar meu histórico? Como assim? Você é o pai da mentira!
- Sim, - falou Jesus entrando na conversa – ele é o pai da mentira, mas também é o acusador! E mesmo eu te conhecendo, eu tenho que ouvir as acusações que pesam sobre você!
Cláudio fez cara de poucos amigos, mas em respeito ao que Jesus havia dito, franziu a testa e olhando para o diabo, esperou para ver o que ele tinha para apresentar de acusação.
- Eu tenho apenas uma acusação!
Cláudio sorriu e pensou: “Só uma acusação? Então está melhor do que eu imaginei.” – depois lembrando-se de que Jesus podia ouvir seus pensamentos, disfarçou e abaixou os olhos com vergonha, e pensou forçadamente: “Desculpe aí, Jesus...”
Minha acusação é simples – disse o diabo - eu não consegui encontrar uma pessoa, na Terra inteira, que você realmente amasse de verdade.
- Como? Você está louco Capeta! E meu filho?
- Seu menino ouviu a vida inteira que ele não te dava prazer porque ele não gostava de futebol.
- Uai! Futebol é coisa de pai pra filho!
- Mas ele não gostava e você não aceitava isso! Outra coisa, você achava estranho que com 18 anos ele ainda não tenha nenhuma namorada. Você implicava que ele ficava trancado no quarto lendo, você implicava que ele não cuidava do cachorro!
- Mas um homem tem que namorar! – respondeu Cláudio encolhendo os ombros. - Ficar trancado no quarto não é bom, porque pode dar depressão, e cuidar do cachorro é o mínimo que ele poderia fazer...
- Você implicava com o cabelo, com as roupas e com as músicas que ele gostava!
- Cabelo grande não é coisa de homem, roupa preta, camisa preta, calça preta é coisa sua! Olha aí a sua roupa! – disse Cláudio olhando para Jesus e apontando para o diabo. – E rock, a gente sabe que também é coisa sua!
O diabo então, sorriu, e olhando para Jesus, que acompanhava a tudo apenas observando falou:
- Não disse para o senhor? Ele não ama ninguém!
- Como não? – falou Cláudio ficando nervoso. – E a minha mulher? Vai falar que eu também não amava ela?
- Você implicava quando ela cozinhava escutando música, quando ela passava desinfetante com cheiro de lavanda na casa, quando ela dormia só de calcinha e quando ela colocava pimenta do reino na comida.
- Mas é lógico, - respondeu Cláudio abrindo os braços – vamos por partes: Cozinhar escutando som tira a concentração do serviço.
- Mas ela gostava.
- Desinfetante com cheiro de lavanda é terrível.
- Mas ela gostava.
- Dormir de calcinha não é legal, porque, porque, porque não é...
- Mas ela gostava.
- Pimenta do reino faz mal para os rins.
- Mas ela gostava!
- Mas eu não gostava e por isso explicava pra ela.
- Ah... Explicava mesmo, - disse o diabo com cara de dó – explicava sim... Da mesma forma que você não deixava ela trabalhar e não dava dinheiro pra ela comprar as roupas que queria, não dava dinheiro pra ela ir na academia, não dava dinheiro pra ela ir no salão de cabeleireiro... Né?
- Pra quê? Eu amava ela do jeito que ela era. Pra quê roupa nova todo mês?
- Toda década você quer dizer?
- Olha ele falando mentira! – disse Claudio voltando-se para Jesus, que não aguentou e começou a sorrir.
- Cláudio, - disse o Capeta se aproximando – eu quero a sua alma, porque você na verdade nunca amou ninguém no mundo! Você amava as pessoas do jeito que você queria que as pessoas fossem.
- Hã? Como assim?
- Você queria que seu filho fosse diferente, você nunca se interessou em saber o que ele achava disso. Você nunca tentou escutar as letras dos rocks que ele escutava, que para o seu governo eram em sua maioria música gospel. Você nunca perguntou porque ele não tinha namorada, você não percebeu que ele era muito tímido e inseguro, você nunca deu apoio pra ele, muito pelo contrário, você queria mudar ele, para que ele fosse do jeito que você queria que ele fosse!
- Mas, Jesus... – disse Cláudio em tom de súplica.
- Espere ele terminar, depois você fala.
- Obrigado Jesus, - falou o diabo continuando: - Você não amava a sua mulher do jeito que ela é, você queria que ela se enquadrasse na forma que você queria que ela fosse! Você não se perguntava se ela ficaria feliz com outro corte de cabelo, se ela ficaria feliz em escutar música enquanto cozinhava, se ela ficaria feliz em compra roupas novas de vez em quando, se ela ficaria feliz se você a respeitasse como ser humano, que tem vontades, desejos e direitos! Você não amava ela, você amava o protótipo de mulher que você imaginou na sua cabeça!
- Mas Jesus... – disse novamente olhando para o filho do Pai.
- Cláudio, eu acho que a coisa está pesando contra você...
- Mas Jesus, eu amo o senhor e te aceitei como meu único e suficiente salvador, por isso eu sou um salvo e não vou para o inferno!
- Mentira! –disse o Capeta. – Você aceitou o Jesus que você instituiu aí dentro da sua cabeça, que é um Jesus que tem que mandar sua sogra pro inferno, que tem que jogar um raio na cabeça de cada traficante, que tem que mandar um tsunami em todos os países muçulmanos, que tem que justificar as suas chatices com as pessoas, que tem que justificar as suas verdades e seu jeito sistemático, que tem que mandar um infarto no seu vizinho, que não pode salvar nenhum católico, nenhum espírita, nenhum índio, porque na sua opinião isto estaria fora da Bíblia, e você nunca aceitaria ver essas pessoas no céu! Você quer um Jesus que mande pro inferno quem gosta de rock, quem gosta de pagode, quem bebe meia cerveja, quem usa biquíni fio dental na praia, quem acende incenso mesmo que não seja por religião, enfim, você quer enquadrar até Jesus dentro dos seus padrões! Então meu amigo, você não aceitou Jesus coisa nenhuma...
Nesse momento, Jesus se levantou, e com olhar triste se dirigiu até Cláudio, enquanto uma voz dizia insistentemente: - Cláudio... Cláudio, Cláudio... Acorda Cláudio!
Ele acordou com um chacoalhão de sua esposa.
- Acorda Cláudio, você não ouviu o despertador? Você está atrasado para o serviço.
- Hã? Ser... Serviço? – falou sorrindo!
- É serviço! Está ficando bobo?
Cláudio respirou fundo, e pensou: “Ufa! Era só um sonho.”
Naquela manhã, Claudio deu o cartão de crédito para sua esposa, pediu pra ela gastar com ela, disse pra ela comprar umas roupas novas, disse pra ela entrar na academia e colocar o tempero que quiser na comida. Antes de sair pra trabalhar, foi até o quarto de seu filho, deu um beijo e um abraço nele, e pediu:
- Filho, me empresta aquele pen drive com aquelas músicas que você estava escutando ontem?
- Porque? O senhor vai jogar fora?
- Nunca filho, é um gosto seu e eu resolvi te respeitar e te amar do jeito que você é!
Cláudio fez a pazes com sua esposa, seu filho, disse o quanto os amava e saiu para o trabalho. Antes de sair, colocou o pen drive do menino no rádio do carro, e fazendo uma careta com os primeiros acordes da guitarra, pensou: “Eu amo esse menino de gosto ruim pra música, mas eu o amo, mesmo assim...”


terça-feira, 9 de abril de 2019

A salvação de Jonas







Jonas olhou a sua volta, tudo estava escuro, a lama cobria-lhe o joelho, a cada passo que tentava dar, se atolava mais e mais.
Jonas não via saída, o caminho estava difícil demais. O sol já não iluminava mais seu rosto, a floresta de galhos e espinhos era muito densa, as arvores encobriam o horizonte e Jonas não enxergava além de alguns metros à frente.
Ali, perdido dentro da vegetação, ele ouvia sussurros, risadas de escarnio e gritos. Parecia que falavam dele, mas não dava pra ter certeza, pois as vozes partiam de sombras, que ora apareciam por detrás das folhas e ora sumiam fazendo algazarra.
- Ei! - Gritou Jonas - vocês aí, me ajudem, estou perdido!
Não adiantava, a cada grito de Jonas, a cada pedido seu, as vozes se calavam e apenas olhos esbugalhados apareciam em meio ao breu. Esses olhos pareciam curiosos pra saber se Jonas iria sair da enrascada em que estava mas não pareciam querer ajudar.
Jonas, aflito, e com esforço sobre-humano, dava pequeninos passos, que vagarosamente o faziam prosseguir. Ele levantava uma perna da lama pegajosa, inclinava seu corpo pra frente e pisava mais adiante, depois repetia com a outra perna, e assim, tentava se desvencilhar desse pesadelo.
De vez em quando Jonas sentia que alguém segurava sua perna e lhe puxava pra baixo, parecia, para ele, que de vez em quando pessoas saiam das sombras e colocavam mais lama no meio do caminho.
Mas Jonas precisava vencer, Jonas precisava prosseguir, Jonas precisava respirar, Jonas precisava sair dessa situação.
Foi quando uma pessoa de aparência conhecida apareceu do outro lado do caminho.
- Olá! - falou Jonas. - Você não é a minha professora da quarta série?
A pessoa não respondeu, mas jogou um livro para Jonas, o livro se depositou no fundo da lama e Jonas pôde se apoiar nele.
De repente, mais pessoas apareceram ao lado do caminho. Todos pareciam conhecidos de Jonas, uns pareciam antigos professores, um parecia com o dono de uma livraria que ele sabia onde ficava, outro parecia o dono da banca de jornais, outro parecia seu pai! E uma mulher parecia sua mãe!
As vistas de Jonas ainda estavam embaçadas, por isso ele não tinha certeza da identidade dessas pessoas, pois no estado em que estava, ele via apenas silhuetas e imagens distorcidas. Essas pessoas em um gesto em conjunto, começaram a jogar livros e mais livros para Jonas.
Ele notou que essas pessoas, que hoje vinham lhe ajudar, eram as mesmas que no decorrer de sua vida, tentaram lhe aconselhar, mas ele não havia dado muita importância. Mesmo assim, as pessoas não desistiram dele e continuavam arremessando revistas, jornais e muitos livros.  
Jonas começou a usar esses livros como escada, subindo, subindo, saindo da lama, até que conseguiu sair do buraco em que estava e atingir terra firme!
Jonas saiu da lama, saiu da floresta de espinhos, caminhou até um lindo jardim e notou que o sol iluminou novamente o seu rosto! As cores da vida tornaram a aparecer.
Então, Jonas sorriu!

Amigos, eu tive uma conjuntivite muito forte e por isso me afastei da tela do computador. Ainda hoje estou vendo as letras um pouco embaçadas, e por isso me ausentei esses dias. Aos poucos vou visitar seus blogs.
Esse texto é uma republicação. Pra quem já conhece, pode ler novamente e relembrar, e pra quem não conhece, é uma chance de ler e pensar.
Um abraço a todos!