Convite da amiga Rosélia Bezerra para a Festa do Advento de 08 a 15/12/24
Se o menino Deus nascesse no litoral?
José estava cansado de fazer portas,
mesas, cadeiras e levar calote. O povo de Nazaré tinha fama de mau pagador há
tempos, mas agora nesse reinado a coisa estava pior. O último pacote econômico
do governo do César Lulaus Augustus não foi muito bom para o comércio, e por
isso José resolveu fechar a marcenaria e virar pescador.
Ele levou sua tenda para Salvador, às
margens do mar da Galileia e ali se estabeleceu. Maria, sua futura esposa,
também se mudou para Salvador com seus pais, pois estava prometida a José, e o
pai dela não queria que eles ficassem longe um do outro.
Um dia José saiu para pescar e quando
voltou, notou que sua futura esposa estava um pouco estranha.
— O que aconteceu Maria? Que cara é essa?
— José, eu tomei um chá de tâmara com
erva cidreira e acabei dormindo, — respondeu ela, olhando para o chão enquanto
falava. — Mas quando eu acordei, eu vi um vulto em minha frente. Ele era um
homem muito bonito, loiro, de olhos azuis, pele bronzeada e sorriso branco,
parecia o Leonardus Dicáprius, filho do imperador de Roma. Ele estava arrumando
as calças.
— Ma... Mas, o que esse cara fazia aqui?
— perguntou José procurando a sua peixeira.
— Ele me disse que era um anjo, e que
durante meu sono, ele colocou em mim a semente da vida! E que eu vou dar à luz
ao filho de Deus!
— Semente da vida? Filho de Deus? Ah, mas essa história está muito estranha!
— Não José! — murmurou Maria em meio a um
choro. — Eu ainda sou virgem! Juro!
José saiu da tenda nervoso! Passou no boteco
do seu Mustafá e tomou três doses de arak. Ele ficou doidão, pegou uma corda e
disse que iria se enforcar. Então subiu em seu barco e partiu mar adentro.
Depois de muito navegar José pensou:
"Uai! Mas como eu vou me enforcar se aqui no meio do mar não tem árvore?"
Nervoso, José olhou para o céu e viu que
estava escurecendo, então ele virou a vela de seu barco, e dando meia volta,
viu uma coisa que o deixou estarrecido! Um homem com asas, desceu do céu,
pousou no meio do mar e se dirigiu para o barco andando sobre as águas.
"O Mustafá tá colocando tóxico no
meio daquele arak, só pode ser!" — pensou José pegando a sua peixeira e
arregalando os olhos de medo.
— Quem é você? Um demônio?
— Não José! — respondeu o rapaz loiro. —
Eu sou o anjo que trouxe a semente da vida para sua futura esposa.
—
Ah é... Cara de pau! Então se aproxegue aqui, que eu vou te enfiar a peixeira
no bucho!
— Não José! Eu sou um anjo da paz! Além
de ser chefe dos exércitos de Deus.
— Anjo não mexe no que é dos outros! E
você mexeu com minha mulher prometida!
— Nananinanão! — falou o anjo chegando
perto do barco. — O que eu fiz foi espiritual! Eu nem toquei nela!
— Como não tocou seu medonho! Ela disse
que quando acordou você estava arrumando as calças.
— É porque eu tinha ido no banheiro atrás
da tenda.
— Ah, você ainda usou o nosso banheiro?
Mas você é um cara de pau!
— Não teve jeito! Depois que eu fiz o
milagre com Maria eu estava com muita fome, e o cheiro de comida na tenda era
delicioso, por isso eu dei uma olhada nas panelas e vi que tinha uma buchada de
bode! Buchada de bode eu não aguento! É uma delícia!
— Você é um anjo xexelento! Não tem
qualidade! Além de fazer o "milagre", — falou José, fazendo aspas imaginárias
com as mãos — ainda comeu a minha buchada?
— Eu não aguentei! Me desculpe. Eu mandei
pra dentro uma pratada com farinha, e isso não me fez muito bem! Por isso tive
que usar o banheiro.
José, nervoso, fez menção de atacar o
anjo, mas antes que pudesse atacar, o anjo disse:
— José, não faça isso! Olhe para trás.
José olhou para trás e viu descendo do
céu, milhares de anjos com arcos, flexas, lanças e carruagens de fogo puxadas
por leões dourados.
— Bão... — falou José com um sorriso
amarelo. — Já que você trouxe a sua turminha, então é melhor a gente deixar
essa nossa conversa para mais tarde! Eu vou acreditar nesse papo furado de
"milagre". — falou novamente fazendo as aspas imaginárias. — Vai que
é verdade...
*****
Longe dali uma folia de reis andava de
casa em casa pelas ruas de Jericó, até que pararam na frente do palácio do
imperador local.
— Aceita santo Reis, imperador?
— Que negócio é esse de santo Reis?
— É um folclore lá do sertão da caatinga
de Israel. A gente vem seguindo a estrela e cantando de casa em casa, porque
está para nascer o filho de Deus! Aquele que vai reinar sobre todos os homens.
— Que estrela? Vermelha?
— Não! Essa é uma estrela nova que
apareceu! Ela foi enviada por Deus para dar a localização de onde o menino Deus
vai nascer.
O imperador Lulaus Augustus ficou
preocupado, porque se o filho de Deus realmente nascesse, ele seria considerado
um messias e poderia ser um problema para a perpetuação do poder de sua
família. Então pensando rápido ele respondeu:
— Que bom! Deus mandar seu filho bem aqui
no nosso país! Eu estou muito feliz. Por isso peço a vocês, que quando
encontrarem esse menino, que voltem aqui e me digam onde ele está, para eu
poder adorá-lo também.
A companhia de reis continuou seu
caminho, cantando de casa em casa e seguindo a estrela e o imperador fez uma
reunião às pressas com seu conselheiro Alexandre Carecullus Magno.
— Companheiro Alexandre, — disse o
imperador com sua voz rouca — o pessoal da companhia de reis disse que o filho
de Deus vai nascer por esses dias, e que Ele vai reinar sobre todos os homens.
— Isso é um problema meu rei! — falou o
conselheiro com ar de seriedade. — Temos que proibir o nascimento de crianças
então!
— Mas como vamos proibir isso? Não tem
jeito! O que esse povo pobre e feio mais sabe fazer é filho.
Carecullus franziu a testa e pensativo
caminhou em círculos pela sala. até que falou:
— Esse bebê já nasceu?
— Isso eu não sei, companheiro
Carecullus.
— Tive uma ótima ideia, vamos mandar
matar todas as crianças recém-nascidas, até a idade de 2 anos! E quando essa companhia
de Reis passar por aqui, vamos prendê-los e fazê-los falar onde está esse
menino Deus!
— Mas vamos prendê-los por qual crime?
— Isso a gente inventa na hora. —
respondeu Carecullus em meio a uma gargalhada. — Você não sabe que estamos
acima da lei, meu rei?
— Verdade companheiro! — alegrou-se o
imperador. — Não sei o que seria de mim sem você.
*****
Já era tarde da noite e a campainha de
reis armou suas tendas à margem da estrada. Alguns dançavam ao som de
triangulo, sanfona e zabumba ao lado da fogueira e outros já se preparavam para
dormir.
De repente um enorme clarão seguido de um
grande estrondo deixou todos assustados, vindo do céu, uma carruagem de fogo
apareceu, puxada por 7 leões dourados, que desceram em direção ao acampamento e
estacionou bem em frente da tenda maior.
Os foliões se reuniram, tremendo de medo,
e juntos foram ver o que era aquilo.
A porta da carruagem se abriu e um anjo,
com asas brancas, loiro, bonito, dentes brancos, bronzeado e parecido com o
Leonardus Dicaprius, filho do imperador de Roma, desceu os degraus incandescentes
e falou:
— Eu sou um anjo, enviado de Deus.
— Um anjo!? — Todos disseram ao mesmo
tempo e se ajoelharam para adorá-lo.
— Levantem-se, — ordenou o anjo — só quem
pode ser adorado é Deus! Eu sou uma criatura igual a vocês!
— Ah, desculpa então, seu anjo. — falou
um dos foliões, que já tinha tomado umas cagibrinas e estava alegre além da
conta. — O que é que você quer com a gente?
— Eu vim avisar para vocês, que o menino
Deus vai nascer no litoral de Salvador da Galileia, no dia 25 de dezembro, e
que depois que vocês o visitarem, não é para vocês voltarem por esse caminho,
porque o César Lulaus Augustus vai prender vocês e matar o menino Deus!
Os foliões se olharam assustados e como
num passe de mágica, a carruagem de fogo partiu voando e subiu aos céus,
sumindo atrás da Lua.
*****
O dia de 25 de dezembro estava tranquilo.
Os pescadores saíram com seus barcos, as crianças brincavam na areia, as
mulheres vendiam acarajé pelas ruas da Galileia e Maria estava em trabalho de
parto.
Foi nessa manhã, que a folia de reis
apareceu na porta da casa de José, bem cedo.
— O que vocês querem? — falou José
aflito, porque Maria estava gritando lá dentro da tenda.
— Senhor, corra, pegue sua mulher e venha
para o barco. Vamos para alto mar.
— Vocês estão malucos? Quem são vocês?
— Nós somos uma folia de Reis, que vem
cantando pelas ruas do Oriente Médio inteiro, seguindo a estrela que nos guiou
até aqui à sua casa.
— Você bebeu logo cedo? — falou Jose
abanando na frente do nariz. — O Mustafá está colocando toxico no arak.
— Não, meu senhor! É verdade! Nós sabemos
que o bebê que vai nascer é o filho do Deus vivo. Sabemos que ele vai reinar
sobre todos os reinos.
— E daí? Por que eu tenho que correr com
minha mulher pro mar aberto? — perguntou José, já segurando sua peixeira e com
cara de poucos amigos.
— É que nós contamos isso para o
Imperador Lulaus e ele mandou matar todos os bebês!
— Eita! Mas como tem fofoqueiro no mundo!
Vocês tinham que falar isso praquele bandido!
— Ele enganou a gente! Ele é muito
carismático. Mas agora não tem mais jeito; temos que correr.
José, com a ajuda dos foliões, pegou
Maria, e correu para seu barco. Miriã, prima da Maria e parteira, foi junto
para ajudar.
A notícia se espalhou e os outros
pescadores escoltaram a embarcação de José, e todos juntos fizeram uma roda de
proteção em volta do barco onde nasceria o menino Jesus.
Os peixes do mar: golfinhos, tubarões,
baleias, cardumes de sardinhas, ostras, polvos e mexilhões, todos juntos,
fizeram uma barreira de proteção para o pequeno barco.
Os soldados do imperador chegaram ao
litoral, mas não encontraram sinal dos foliões, nem de nenhuma criança com
menos de 3 anos. Eles vasculharam casa por casa e sem sucesso foram embora.
Quando eles saíam da cidade, o céu se
escureceu, e lá no meio do mar, um cone de luz desceu iluminando as embarcações
que ainda estavam em volta do barco de José, e uma voz retumbante se ouviu:
— Esse é o meu filho querido! O cordeiro
que vai tirar o pecado do mundo! Aquele que vai dar a chance, de que cada um
que Nele crer, possa vir até mim. Ele é o caminho a verdade e a vida!
Nesse momento, uma pomba branca, com um
galho de folha de louro no bico, voou até o menino que estava no colo de Maria,
e depositou o ramo ao lado do bebê e voou.
Todos que viram essa cena falaram ao
mesmo tempo:
— Esse é mesmo o menino Deus! E Ele é o
rei dos reis.