domingo, 8 de dezembro de 2024

XV interação de Natal entre blogues

 


Convite da amiga Rosélia Bezerra para a Festa do Advento de 08 a 15/12/24



Se o menino Deus nascesse no litoral?

 

José estava cansado de fazer portas, mesas, cadeiras e levar calote. O povo de Nazaré tinha fama de mau pagador há tempos, mas agora nesse reinado a coisa estava pior. O último pacote econômico do governo do César Lulaus Augustus não foi muito bom para o comércio, e por isso José resolveu fechar a marcenaria e virar pescador.

Ele levou sua tenda para Salvador, às margens do mar da Galileia e ali se estabeleceu. Maria, sua futura esposa, também se mudou para Salvador com seus pais, pois estava prometida a José, e o pai dela não queria que eles ficassem longe um do outro.

Um dia José saiu para pescar e quando voltou, notou que sua futura esposa estava um pouco estranha.

— O que aconteceu Maria? Que cara é essa?

— José, eu tomei um chá de tâmara com erva cidreira e acabei dormindo, — respondeu ela, olhando para o chão enquanto falava. — Mas quando eu acordei, eu vi um vulto em minha frente. Ele era um homem muito bonito, loiro, de olhos azuis, pele bronzeada e sorriso branco, parecia o Leonardus Dicáprius, filho do imperador de Roma. Ele estava arrumando as calças.

— Ma... Mas, o que esse cara fazia aqui? — perguntou José procurando a sua peixeira.

— Ele me disse que era um anjo, e que durante meu sono, ele colocou em mim a semente da vida! E que eu vou dar à luz ao filho de Deus!

— Semente da vida? Filho de Deus?  Ah, mas essa história está muito estranha!

— Não José! — murmurou Maria em meio a um choro. — Eu ainda sou virgem! Juro!

José saiu da tenda nervoso! Passou no boteco do seu Mustafá e tomou três doses de arak. Ele ficou doidão, pegou uma corda e disse que iria se enforcar. Então subiu em seu barco e partiu mar adentro.

Depois de muito navegar José pensou: "Uai! Mas como eu vou me enforcar se aqui no meio do mar não tem árvore?"

Nervoso, José olhou para o céu e viu que estava escurecendo, então ele virou a vela de seu barco, e dando meia volta, viu uma coisa que o deixou estarrecido! Um homem com asas, desceu do céu, pousou no meio do mar e se dirigiu para o barco andando sobre as águas.

"O Mustafá tá colocando tóxico no meio daquele arak, só pode ser!" — pensou José pegando a sua peixeira e arregalando os olhos de medo.

— Quem é você? Um demônio?

— Não José! — respondeu o rapaz loiro. — Eu sou o anjo que trouxe a semente da vida para sua futura esposa.

 — Ah é... Cara de pau! Então se aproxegue aqui, que eu vou te enfiar a peixeira no bucho!

— Não José! Eu sou um anjo da paz! Além de ser chefe dos exércitos de Deus.

— Anjo não mexe no que é dos outros! E você mexeu com minha mulher prometida!

— Nananinanão! — falou o anjo chegando perto do barco. — O que eu fiz foi espiritual! Eu nem toquei nela!

— Como não tocou seu medonho! Ela disse que quando acordou você estava arrumando as calças.

— É porque eu tinha ido no banheiro atrás da tenda.

— Ah, você ainda usou o nosso banheiro? Mas você é um cara de pau!

— Não teve jeito! Depois que eu fiz o milagre com Maria eu estava com muita fome, e o cheiro de comida na tenda era delicioso, por isso eu dei uma olhada nas panelas e vi que tinha uma buchada de bode! Buchada de bode eu não aguento! É uma delícia!

— Você é um anjo xexelento! Não tem qualidade! Além de fazer o "milagre", — falou José, fazendo aspas imaginárias com as mãos — ainda comeu a minha buchada?

— Eu não aguentei! Me desculpe. Eu mandei pra dentro uma pratada com farinha, e isso não me fez muito bem! Por isso tive que usar o banheiro.

José, nervoso, fez menção de atacar o anjo, mas antes que pudesse atacar, o anjo disse:

— José, não faça isso! Olhe para trás.

José olhou para trás e viu descendo do céu, milhares de anjos com arcos, flexas, lanças e carruagens de fogo puxadas por leões dourados.

— Bão... — falou José com um sorriso amarelo. — Já que você trouxe a sua turminha, então é melhor a gente deixar essa nossa conversa para mais tarde! Eu vou acreditar nesse papo furado de "milagre". — falou novamente fazendo as aspas imaginárias. — Vai que é verdade...

 

*****

 

Longe dali uma folia de reis andava de casa em casa pelas ruas de Jericó, até que pararam na frente do palácio do imperador local.

— Aceita santo Reis, imperador?

— Que negócio é esse de santo Reis?

— É um folclore lá do sertão da caatinga de Israel. A gente vem seguindo a estrela e cantando de casa em casa, porque está para nascer o filho de Deus! Aquele que vai reinar sobre todos os homens.

— Que estrela? Vermelha?

— Não! Essa é uma estrela nova que apareceu! Ela foi enviada por Deus para dar a localização de onde o menino Deus vai nascer.

O imperador Lulaus Augustus ficou preocupado, porque se o filho de Deus realmente nascesse, ele seria considerado um messias e poderia ser um problema para a perpetuação do poder de sua família. Então pensando rápido ele respondeu:

— Que bom! Deus mandar seu filho bem aqui no nosso país! Eu estou muito feliz. Por isso peço a vocês, que quando encontrarem esse menino, que voltem aqui e me digam onde ele está, para eu poder adorá-lo também.

A companhia de reis continuou seu caminho, cantando de casa em casa e seguindo a estrela e o imperador fez uma reunião às pressas com seu conselheiro Alexandre Carecullus Magno.

— Companheiro Alexandre, — disse o imperador com sua voz rouca — o pessoal da companhia de reis disse que o filho de Deus vai nascer por esses dias, e que Ele vai reinar sobre todos os homens.

— Isso é um problema meu rei! — falou o conselheiro com ar de seriedade. — Temos que proibir o nascimento de crianças então!

— Mas como vamos proibir isso? Não tem jeito! O que esse povo pobre e feio mais sabe fazer é filho.

Carecullus franziu a testa e pensativo caminhou em círculos pela sala. até que falou:

— Esse bebê já nasceu?

— Isso eu não sei, companheiro Carecullus.

— Tive uma ótima ideia, vamos mandar matar todas as crianças recém-nascidas, até a idade de 2 anos! E quando essa companhia de Reis passar por aqui, vamos prendê-los e fazê-los falar onde está esse menino Deus!

— Mas vamos prendê-los por qual crime?

— Isso a gente inventa na hora. — respondeu Carecullus em meio a uma gargalhada. — Você não sabe que estamos acima da lei, meu rei?

— Verdade companheiro! — alegrou-se o imperador. — Não sei o que seria de mim sem você.

 

*****

 

Já era tarde da noite e a campainha de reis armou suas tendas à margem da estrada. Alguns dançavam ao som de triangulo, sanfona e zabumba ao lado da fogueira e outros já se preparavam para dormir.

De repente um enorme clarão seguido de um grande estrondo deixou todos assustados, vindo do céu, uma carruagem de fogo apareceu, puxada por 7 leões dourados, que desceram em direção ao acampamento e estacionou bem em frente da tenda maior.

Os foliões se reuniram, tremendo de medo, e juntos foram ver o que era aquilo.

A porta da carruagem se abriu e um anjo, com asas brancas, loiro, bonito, dentes brancos, bronzeado e parecido com o Leonardus Dicaprius, filho do imperador de Roma, desceu os degraus incandescentes e falou:

— Eu sou um anjo, enviado de Deus.

— Um anjo!? — Todos disseram ao mesmo tempo e se ajoelharam para adorá-lo.

— Levantem-se, — ordenou o anjo — só quem pode ser adorado é Deus! Eu sou uma criatura igual a vocês!

— Ah, desculpa então, seu anjo. — falou um dos foliões, que já tinha tomado umas cagibrinas e estava alegre além da conta. — O que é que você quer com a gente?

— Eu vim avisar para vocês, que o menino Deus vai nascer no litoral de Salvador da Galileia, no dia 25 de dezembro, e que depois que vocês o visitarem, não é para vocês voltarem por esse caminho, porque o César Lulaus Augustus vai prender vocês e matar o menino Deus!

Os foliões se olharam assustados e como num passe de mágica, a carruagem de fogo partiu voando e subiu aos céus, sumindo atrás da Lua.

 

*****

 

O dia de 25 de dezembro estava tranquilo. Os pescadores saíram com seus barcos, as crianças brincavam na areia, as mulheres vendiam acarajé pelas ruas da Galileia e Maria estava em trabalho de parto.

Foi nessa manhã, que a folia de reis apareceu na porta da casa de José, bem cedo.

— O que vocês querem? — falou José aflito, porque Maria estava gritando lá dentro da tenda.

— Senhor, corra, pegue sua mulher e venha para o barco. Vamos para alto mar.

— Vocês estão malucos? Quem são vocês?

— Nós somos uma folia de Reis, que vem cantando pelas ruas do Oriente Médio inteiro, seguindo a estrela que nos guiou até aqui à sua casa.

— Você bebeu logo cedo? — falou Jose abanando na frente do nariz. — O Mustafá está colocando toxico no arak.

— Não, meu senhor! É verdade! Nós sabemos que o bebê que vai nascer é o filho do Deus vivo. Sabemos que ele vai reinar sobre todos os reinos.

— E daí? Por que eu tenho que correr com minha mulher pro mar aberto? — perguntou José, já segurando sua peixeira e com cara de poucos amigos.

— É que nós contamos isso para o Imperador Lulaus e ele mandou matar todos os bebês!

— Eita! Mas como tem fofoqueiro no mundo! Vocês tinham que falar isso praquele bandido!

— Ele enganou a gente! Ele é muito carismático. Mas agora não tem mais jeito; temos que correr.

José, com a ajuda dos foliões, pegou Maria, e correu para seu barco. Miriã, prima da Maria e parteira, foi junto para ajudar.

A notícia se espalhou e os outros pescadores escoltaram a embarcação de José, e todos juntos fizeram uma roda de proteção em volta do barco onde nasceria o menino Jesus.

Os peixes do mar: golfinhos, tubarões, baleias, cardumes de sardinhas, ostras, polvos e mexilhões, todos juntos, fizeram uma barreira de proteção para o pequeno barco.

Os soldados do imperador chegaram ao litoral, mas não encontraram sinal dos foliões, nem de nenhuma criança com menos de 3 anos. Eles vasculharam casa por casa e sem sucesso foram embora.

Quando eles saíam da cidade, o céu se escureceu, e lá no meio do mar, um cone de luz desceu iluminando as embarcações que ainda estavam em volta do barco de José, e uma voz retumbante se ouviu:

— Esse é o meu filho querido! O cordeiro que vai tirar o pecado do mundo! Aquele que vai dar a chance, de que cada um que Nele crer, possa vir até mim. Ele é o caminho a verdade e a vida!

Nesse momento, uma pomba branca, com um galho de folha de louro no bico, voou até o menino que estava no colo de Maria, e depositou o ramo ao lado do bebê e voou.

Todos que viram essa cena falaram ao mesmo tempo:

— Esse é mesmo o menino Deus! E Ele é o rei dos reis. 

 

segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Mariana viajou, e Graziela se casou...

 

Rodolfo namorou com Graziela desde a adolescência. Com o passar do tempo, ele que sempre fora um doce de pessoa, se transformou em um rapaz ciumento e obsessivo, que não suportava a inteligência e a beleza de Graziela, que era uma menina que chamava atenção por onde passasse. Ele se julgava menor perto dela e apesar de amá-la perdidamente, sentia-se inseguro e acuado perto dela.

Luiz e Mariana namoravam a oito anos. No quarto ano de namoro eles decidiram morar juntos, a vida era perfeita, eles realmente se amavam, se respeitavam e viviam bem.

Chegou um dia que a Graziela não aguentou mais as crises de ciúme de Rodolfo, e decidiu terminar o relacionamento. Rodolfo não aceitou e chegou até a bater em Graziela. Foi uma briga enorme, que mobilizou os vizinhos e até a polícia. Rodolfo acabou preso naquela noite, e depois de dormir na cadeia, logo cedo, pagou a fiança e foi liberado.

Mariana era bióloga e recebeu uma oferta de emprego irrecusável no Canadá, pois além de independência financeira, ainda poderia fazer o que mais gostava na vida, só que Luiz era promotor, e tinha uma carreira brilhante pela frente.

Graziela começou a namorar com Ricardo seis meses depois da separação com Rodolfo, apesar de que já havia passado dois anos desde que eles se separaram, quando Rodolfo soube que sua ex-namorada iria se casar, passou a ameaçá-la e dizer que mataria Ricardo ou ela. Rodolfo ligava para ela todos os dias, mandava áudios nervosos no WhatsApp e quando ela o bloqueou começou a mandar mensagens através do Facebook, dizendo que não aceitava esse casamento. Rodolfo fazia da vida de Graziela um verdadeiro inferno.

 Mariana e Luiz estavam num beco sem saída, ela tinha a maior proposta que um biólogo poderia ter, e ele tinha uma vida pela frente num ramo em que havia lutado muito para conseguir. Essa situação começou a martelar na cabeça deles, até que no calor de uma discussão, Luiz pediu para Mariana ir para o Canadá sem ele.

Rodolfo resolveu que não iria renunciar a Graziela e não a deixaria se casar com Ricardo, o casamento estava marcado para o próximo sábado as 20 horas.

Sábado, as 20 horas, sairia o voo que levaria Mariana ao Canadá. Numa última conversa, ela deixou claro para Luiz que se ele aceitasse, ela abandonaria o convite de emprego e ficaria no Brasil, mas Luiz não achou justo atrapalhar o sonho de Mariana, mesmo amando-a como a amava. 

Rodolfo foi até uma favela e comprou um revólver.

Mariana se despediu de Luiz e foi de taxi para o aeroporto.

Graziela estava se preparando para ir para a igreja.

Rodolfo bebeu a tarde inteira para tomar coragem de executar sua vontade.

Quinze para as oito, Luiz se arrependeu, correu até a garagem e saiu em disparada com seu carro para tentar impedir Mariana de viajar.

Quinze para as oito, Rodolfo tomou coragem, pegou a arma, carregou-a, e partiu com seu carro para matar Graziela e Ricardo na porta da igreja.

Luiz corria a 120 por hora, apodando todos os carros, desviando dos motoqueiros e dos caminhões, enquanto Rodolfo vinha em sentido contrário, ziguezagueando e correndo o máximo que seu carro podia dar, os dois, cada um movido por um tipo de sentimento, vinham fazendo loucuras no trânsito, correndo riscos, e pondo todas as vidas que passassem por eles em risco também.

Foi então que num cruzamento dois carros colidiram de frente, outros carros que vinham atrás foram batendo, batendo, batendo, e isso se transformou no maior engavetamento que aquela cidade já havia visto. Os dois motoristas morreram na hora, e pedaços de peças de carro se espalharam por quarteirões inteiros.

A polícia chegou, os bombeiros chegaram, as pessoas foram parando seus carros no engavetamento.

As oito horas em ponto de um lado do engavetamento Rodolfo olhou no relógio e pensou: “Isso deve ser um sinal de Deus... Eu ia fazer uma cagada e ia me ferrar pro resto da vida...”

Do outro lado, Luiz sentou-se no capô do seu carro, e olhando para o caos a sua frente, franziu a testa e pensou: “É, eu tive muitas oportunidades para não deixar Mariana viajar, mas talvez seja melhor assim.”



sábado, 23 de novembro de 2024

A gente não presta!




  

             O homem continua o mesmo desde que tivemos a fatídica notícia de que fomos criados, evoluídos, ou vomitados pela energia que rege tudo.

            Clãs brigando para ver quem é que vai mandar nesse pedaço da floresta. Ou do deserto, ou da neve, ou desse quarteirão.

            Em pleno 2024, Rússia, Ucrania, Israel, Palestina, Burkina Faso, Somália, Sudão, Iêmen, Mianmar, Nigéria e Síria, estão em guerra.

            Gente... Não é mais fácil ir carpir um terreno? Cuidar da família ou passear com o cachorro?

        Esse tal de homem é uma porcaria egocêntrica e canalha. Nós não nos contentamos com o tamanho do nosso terreno. Quando o vizinho não está olhando, a gente coloca a cerca um palmo para dentro da fazenda dele.

            Não conseguimos aguentar que o outro tenha um carro novo, uma casa nova, uma aparência feliz! Isso incomoda.

            Abel e Caim, Jacó e Esaú, São Paulo e Corinthians, Arminianos e Calvinistas, ketchup na pizza? Nós não conseguimos nos desvencilhar desses dramas.

            Procuramos chifres em cabeças de cavalo e fazemos a narrativa para que os leigos acreditem que esses chifres existem, e o pior: Eles acreditam!

            Aí nós reunimos os cretinos e invadimos o bairro dos outros. Invadimos com armas, com drogas, com preconceito e com os olhos apenas para nossos umbigos.

       Em pleno ano de 2024, nós, os seres humanos, inteligentes e pensantes, fornecemos armas de longo alcance, grosso calibre e alto poder de destruição! E se o primo distante não acreditar no meu deus, eu aperto o botão da destruição; afinal, ele era um ser desprezível.

            Pegamos nossos tacapes e partimos para cima. Mas partimos para cima não com um sentimento de proteção da nossa caverna, o que nós queremos é invadir a sua caverna! Queremos os despojos da sua última caça! Queremos seus filhos e a sua mulher. Nós somos neandertais, e vendemos drogas nas esquinas para destruir sua família aos poucos. Nós te viciamos em açúcar para poder te vender Ozempic, mas; se você for pobre, te vendemos remédio para diabete, plano funerário e caixão! Nós somos neandertais!

            Como vamos explicar essas guerras pelo mundo? Como vamos explicar que países não existem, que territórios não existem, que governos, presidentes e reis não existem! Gente, a ONU não existe! Todas essas coisas são criações da nossa cabeça! O mundo estava aí quando nós aparecemos. Os dinossauros já foram donos disso aqui, por milhares e milhares de anos e hoje tem gente que nem acredita que eles existiram.

            Não pode ser que somos criações de Deus! Deus na sua essência não pode fazer nada que seja ruim. E nós... Nós não prestamos! 



quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Cavalo de padeiro

 


Diogo era uma pessoa cansada! Ele vivia o tempo todo correndo atrás do vento e vivendo de migalhas.

Ele fazia sempre as mesmas coisas, com a mesma rotina e com pensamentos enraizados em sua cabeça, que não o deixava olhar para diante.

Tudo para Diogo tinha que ter uma explicação, e nada poderia fugir da racionalidade. Ele seguia todos os dias os mesmos passos e não conseguia ver por que as pessoas achavam graça em pequeninas coisas da vida.

Diogo era prático! Ele tinha tudo traçado em sua mente. Onde, quando e como ele iria viver e conseguir as suas metas.

Um dia Diogo chegou em casa e viu que tinha um cavalo parado do lado do seu portão.

Ele olhou para o cavalo e achou que o bicho estava com sede. Então entrou, encheu um balde com água e trouxe até a calçada. O cavalo olhou para ele como se estivesse agradecendo, abaixou-se e bebeu muita água.

— Puxa, como é que alguém tem um cavalo bonito desse e deixa ele aqui no meio da rua? — falou Diogo pensando em voz alta. — O coitado está morrendo de sede!

Foi quando o Aristides, um velho padeiro, desses de cidade pequena, que antigamente entregavam pães e roscas de casa em casa, virou a esquina correndo e chegou até eles aflito.

Aproximando-se do cavalo, ele sorriu e acariciando a sua cabeça disse:

— Olá amigo... Puxa você não quer parar um só dia hein!

Diogo vendo aquela cena indagou Aristides:

— Por que você deixou seu cavalo solto e sem água?

— Eu era padeiro e entregava pães com esse cavalo puxando a carroça por 6 anos. Todos os dias a gente fazia a mesma coisa. A gente entregava pão de manhã e de tarde, sempre fazendo mesmo caminho todos os dias. Mas esse negócio de padeiro entregar pão de carroça não dá mais certo hoje em dia, e eu não estava ganhando mais nada com isso, eu já estava com a vida feita, com algumas casinhas de aluguel e com uma chácara onde nós moramos, então resolvi parar de trabalhar.

— E abandonou o cavalo? — reprovou Diogo, nervoso.

— Não meu jovem! — sorriu Aristides — Esse cavalo é como se fosse da minha família. Acontece que ele foge de vez em quando e vem fazer o nosso antigo caminho de tantos anos... Coitado ele nunca olhou para as coisas boas da vida, sempre viveu tapado, só trabalhando todos os dias e nunca teve a alegria de viver solto, por isso, agora ele não consegue ser feliz.

Aristides então agradeceu a Diogo e foi embora puxando seu amigo por uma corda.

À medida que os dois andavam e sumiam no horizonte Diogo foi refletindo e pensando sobre sua situação: — Será que se eu continuar correndo e trabalhando tanto assim eu vou encontrar alguém para me dar água, ou me guiar com uma corda no pescoço no final da vida?



quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Bate papo literário: Bagagem intelectual

 



Quando eu era menino, mais ou menos com 10 anos, eu comecei a frequentar a biblioteca da minha escola. Lá tinha uma moça, que ficava dando palpites sobre qual livro eu deveria ler, e que depois de muito tempo eu descobri que ela não era "tia da biblioteca", mas sim: A Bibliotecária.

 

Essa moça indicava de qual estante da biblioteca eu deveria escolher o livro que iria ler, e quando eu via um livro interessante em outra estante, ela dizia: "Não André, essa estante ainda não é para você."

 

Com o passar do tempo ela me dizia que agora eu poderia pular para a outra estante, porque eu já estava no nível de me divertir com esses outros livros. E quando fazia isso, ela sempre pegava um dos livros da nova estante e falava: "Você vai começar por esse."

 

Eu me lembro de que em algumas vezes eu a achava folgada; mas como eu sempre fui um menino educado, eu lia todos que ela indicava.

 

Um dia quando eu fui devolver um livro ela me disse que finalmente eu poderia escolher um livro da prateleira: Literatura clássica europeia, e me deu um monstro de um livro, de quase 600 páginas chamado; Os três mosqueteiros, de Alexandre Dumas.

 

— Você vai começar por esse! — ela disse com um sorriso de canto de boca, enquanto marcava na ficha dos empréstimos, anotando, 20 dias.

 

— Vinte dias? Não... É pouco tempo.

 

— Não é não! Eu sei que você consegue.

 

Essa moça sabia das coisas. O livro era tão bom, tão empolgante, que eu li e entreguei com dias de sobra. Os três mosqueteiros praticamente me sequestraram e eu não conseguia parar de ler.

 

Quando entreguei o livro na biblioteca eu perguntei para ela:

 

— Como a senhora sabia que eu conseguiria ler em tão pouco tempo?

 

Aí ela me disse uma coisa que eu nunca mais me esqueci:

 

— André, já faz quatro anos que você vem aqui na biblioteca, e eu estou preparando você, assim como faço com todos que se interessam pela leitura, para se encantarem e terem os livros como amigos e não como um dever chato. — Ela se levantou enquanto falava, foi até a estante e pegou um livro. — Por que eu faço isso? Porque um livro muito bom, pode ser chato, se você não tiver bagagem intelectual para entendê-lo. É por isso que umas pessoas amam algumas obras e outras detestam. Mas coloque na sua cabeça, — ela continuou apontando para mim, olhando por cima dos óculos — quando uma pessoa te disser que um livro clássico é ruim, na verdade, essa pessoa não teve condições intelectuais de entender o livro.

 

— A senhora está dizendo que não tem livro clássico com história chata?

 

— Não é isso que estou dizendo! — retificou ela me passando a caneta para assinar que estava levando o próximo livro, que ela havia escolhido e que eu nem sabia qual era. — O que estou te dizendo, é que mesmo que você não goste da história, todos os livros clássicos, são livros que literariamente são acima da média. Enredo, ritmo, desenvolvimento de personagens, narrativa, tudo o que tecnicamente pode-se avaliar em um livro, o clássico é nota 10; portanto, não existe livro clássico ruim.

 

O livro que ela havia separado pra mim, era: A ilha do Tesouro, e tem uma crônica aqui no blogue que fala só sobre ele, e sobre como a bibliotecária acertou mais uma vez.

 

Agora, vamos pular 40 anos à frente.

 

Um amigo meu, promotor de justiça, literato, conhecedor e colecionador de livros. Dono de uma biblioteca com mais de 3000 livros e gibis, que ele diz, ter lido todos mais de uma vez, um dia me disse:

 

— André, quando eu tinha mais ou menos 20 anos, eu li Dom Quixote e achei mais ou menos. Depois, quando eu tinha mais ou menos 40 anos, eu li Dom Quixote novamente e achei ótimo. Mas agora, semana passada, agora com 70 anos, eu li, Dom Quixote novamente e vou te confessar uma coisa; quando eu terminei a leitura, eu fechei o livro e chorei copiosamente durante uns 15 minutos. Esse é o melhor livro que já li em toda a minha vida! E só agora eu tive bagagem intelectual para entender.

 

"Olha só! — eu pensei — A teoria da bibliotecária da minha infância sendo provada, depois de tantos anos."