- Interessante o nome da borracharia do senhor.
- Brigado! – respondeu o borracheiro sem olhar pra mim.
- Borracharia Brás Cubas, - continuei intrigado – como foi que o senhor chegou nesse nome?
O borracheiro retirou o pneu furado e colocou-o no chão, depois começou a desmontá-lo e ainda sem olhar pra mim, respondeu:
- É que eu sou comunista.
- Comunista? Como assim? Não entendi...
- Uai, comunista! O doutor não sabe o que é comunista?
Pelo tom áspero de sua voz, pareceu que o borracheiro não gostou muito do meu interrogatório, mesmo assim, resolvi continuar perguntando:
- Eu sei o que é comunista, mas o que tem a ver o nome Brás Cubas e o comunismo?
- Me desculpe doutor, - falou o borracheiro se levantando com a câmara de ar na mão e se dirigindo até uma bancada – mas é só o senhor pensar um pouquinho. Brás Cubas é o ajuntamento de Brasil e Cuba.
“Meu Deus! – pensei surpreso – Eu aqui achando que o borracheiro era uma pessoa culta e ele me vem com uma frase dessas!”
- O senhor é doutor mais não sabe de algumas coisas que nós aqui da periferia sabemos. – falou o borracheiro, agora parecendo empolgado com o assunto.
- Ah é? E o que o senhor entende de comunismo?
- Entendo muito mais do que o senhor acha que eu entendo! Sigo as ideias de Raul. Saiba o senhor que o Raul foi um grande pensador comunista.
- Raul? Que Raul? – perguntei cada vez mais surpreso. – O Raul Castro, irmão do Fidel Castro?
- Não meu amigo, - respondeu o borracheiro com um sorriso expressando desdém pela minha pessoa – o Raul Seixas!
- Raul Seixas?
- Isso mesmo doutor! Raul Seixas! Da sociedade alternativa, do novo Aeon, quem não tem colírio usa óculos escuros! O senhor não entende as mensagens? O Zé entendeu...
- Zé? Que Zé? O Zé Dirceu?
- Não doutor... O Zé Ramalho!
- Zé Ramalho?
- Isso doutor! Nós vivemos uma vida de gado! – falou o borracheiro olhando para o além como se fizesse um discurso para uma multidão. - Zé toca Raul! Um dia a sociedade alternativa vai descer no nosso planeta e a gente vai pra outra galáxia.
- A gente quem? Eu e você?
- Não doutor. – respondeu o borracheiro balançando a cabeça. - Tá na Bíblia! O senhor lê a Bíblia? Pessoas assim como o senhor, que acha que sabe de tudo não vão! Só nós... Os puros de coração é que vamos ser arrebatados! Pessoas que acham que sabem tudo são arrogantes.
- Arrogantes não vão ser arrebatados? – perguntei maliciosamente.
- Não doutor! – respondeu o borracheiro apontando o dedo para mim. - Mas tem uma salvação pro senhor.
- Ah é... Ufa! E qual é a minha salvação?
- A metamorfose ambulante.
- O que?
- A metamorfose ambulante! Se o senhor preferir ser a metamorfose ambulante, ao invés de ter essa sua velha opinião formada sobre tudo; quem sabe o senhor não vai também.
Não sei como e nem por quê, mas essa última resposta do borracheiro me acertou feito um soco no estômago! Tanto, que depois dela eu resolvi me calar e saí de lado, fingindo que falava ao telefone, esperando ele terminar o serviço.
Eu saí da borracharia Brás Cubas diferente. Meu intelecto me dizia que as coisas que o borracheiro falou, eram coisas malucas e sem nexo, que só poderiam existir na cabeça de um lunático, mesmo assim, uma pulga ficou atrás da minha orelha. Será que querer sempre dar uma de intelectual, e brigar para ter razão em tudo, não nos transforma em pessoas arrogantes? Aquele maluco me deu uma lição. Acho que vou preferir a metamorfose ambulante, a partir de hoje. Vai que a nave me esquece no dia do arrebatamento...