quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

Afinal... Jesus veio para nos salvar de quê?


            Na teologia cristã, o homem carrega consigo o pecado original, que metaforicamente é descrito pela atitude de Adão e Eva comendo um fruto proibido por Deus de uma arvore que ficava no meio do jardim do Éden. E como consequência dessa pulada de cerca, o homem que era eterno, passou a ser finito e a morte junto com a separação do homem da presença de Deus foi instaurada.

            Eu disse metaforicamente, porque existem correntes teológicas que acreditam assim, e outras (quase a maioria, principalmente dos reformados) acreditam literalmente no que está escrito na Bíblia. Esses teólogos que dizem acreditar na literalidade da Bíblia, acreditam “pero no mucho”, pois em alguns casos eles dão umas sabonetadas e fazem teologias em grãos de areia para justificar suas ideias. Mas essa é uma outra conversa.

            A conversa hoje é Jesus, e afinal, ele é o salvador de quê?

            Bom, como eu ia dizendo, a maioria dos teólogos acreditam que o pecado do Adão se estendeu a todos os que vieram depois dele, mesmo aqueles que nem sabem quem é o Adão! Mesmo aqueles que são de outras etnias, credos, religião, direita ou esquerda, são-paulinos ou corintianos. Para esses teólogos, o Adão pecou e todo mundo nasce como pecador, porque herdou o pecado original.

            Eu, que não sou teólogo, porém que já fiz alguns cursos de teologia em igrejas diferentes, e que gosto de ler e estudar sobre o assunto, acredito que sim, nós nascemos mesmo separados de Deus e sim nós morreremos um dia.  Mas isso, são conclusões obvias, e basta a gente observar o mundo como ele é.

            As pessoas nascem e podem ser ateus, podem acreditar em Shiva, em Buda, nas forças do universo, nas fadas e duendes da natureza, na deusa da Wicca, nos deuses nórdicos, nos deuses do Candomblé, no presidente da Coréia do Norte, em Tupã, nos astronautas antigos, na força infinita, no Alan Kardec, e podem morrer sem conhecer e acreditar no Deus cristão, ou até podem conhecer; mas não acreditar, e aí um dia vão morrer.

            Então e Jesus? Ele veio para salvar a gente de quê?

            Bom para quem acredita no Deus cristão, Jesus veio para nos salvar de nós mesmos. Nós, os humanos! Os mesmos que estupram, matam ao roubar um celular, que deixam mulheres grávidas e desaparecem da vida delas, que guerreiam por pedaços de terra, que roubam dinheiro público, que secretamente são viciados em pornografia, em jogos de azar, em cachaça, em pedofilia. Nós os humanos que nos achamos perfeitos, que somos coachs do mundo, que queremos ensinar a Deus como ele deveria ter feito. Nós... Os pecadores!

            Jesus, sendo Deus, (ou o filho de Deus como alguns acreditam), se humilhou, nasceu em família pobre, viveu como uma pessoa comum, e ensinou: Arrependa-se dos seus pecados, vá e não peques mais.

            Junto com isso ele ensinou que a humildade, a paciência, o amor ao próximo, e que amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo, é a solução da vida!

            — Ah... então você quer dizer que não acredita que herdamos o pecado do Adão!!!??? — bradariam aqui os teólogos radicais.

            Eu acredito nas consequências do pecado original, e (me desculpem), não acredito na literalidade do Adão. Mas sim, acredito que quando Deus viu que sua criatura não era boa, ele nos deu as consequências disso, que é a morte, e a separação Dele.

            Mas como Deus é Deus, ele nos deu uma chance de recall, que é, acreditarmos em Jesus, seguir seus ensinamentos e crer pela fé, que através de Jesus e seus ensinamentos, nós poderemos nos ligar novamente com Deus e teremos a vida eterna novamente, em um lugar depois que fecharmos nossos olhinhos malvados por aqui.

            Então... No dia 25 de dezembro, nós celebramos o nascimento daquele que veio para nos ensinar, ajudar, salvar e religar com Deus, nos salvando de nós mesmos, e oferecendo um grande recall, para todos os seres humanos, que nascem com defeito de fábrica.

            — Ah! Mas você não falou que ele nasceu e morreu sem pecados, e ressuscitou no terceiro dia! — bradam os teólogos radicais.

            Meu amigo! Eu disse que ele é Deus! É impossível para Deus pecar, e Deus é eterno! A morte não pode vencê-lo, porque foi ele mesmo que a criou.

            Feliz Natal; e um próspero ano novo!

 


segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

O pão de Antônio

 


  


O blog tem recebido visitas de pessoas de Portugal e de países vizinhos aqui da América Latina, então acho que devo fazer uma explicação, sobre quem é esse Antônio que aparece no conto.

Antônio Conselheiro, foi uma espécie de profeta, líder político e religioso do sertão, que peregrinou pelo interior da Bahia e de Sergipe durante duas décadas.

Ele achava que era possível fazer uma terra onde todos vivessem sem governo, (apesar de que todos faziam o que ele mandava), vivendo de suas lavouras, e fazendo trocas nas cidades vizinhas. Com essa visão quase utópica ele fundou em 1893 uma pequena comunidade chamada Belo Monte, no antigo povoado de Canudos; e logo as pessoas começaram a se juntar e seguir as ideias dele, fazendo de Canudos uma pequena cidade.

O principal problema é que eles se diziam independentes da república, que tinha como presidente, Prudente de Moraes.

Isso causou um problema, pois se essa ideia se propagasse, regiões do país poderiam também querer independência, por isso o presidente deu ordens de acabar com Canudos.

Nessa época as notícias não se espalhavam como hoje, por isso, algumas pessoas nem sabiam quem era o presidente, outras queriam a volta da monarquia, insuflados pelos portugueses que aqui residiam, e muitos revoltosos queriam ser uma república à parte do Brasil.

O exército travou várias batalhas com as pessoas de Canudos, que resistiu bravamente durante dois anos, mas no final, em 1897 acabou sucumbindo.

O conto, trás de forma lúdica, a junção de um personagem real e histórico, e outro personagem que amamos; mas que para muitos, (não para nós crianças), não existe.


O pão de Antônio


Noel virou a esquina errada quando estava chegando à Londres, e   quando caiu em si, estava viajando com seu trenó no meio do oceano.

— Que estranho, — pensou — onde está a terra firme? Eu não me lembro que da Lapônia até Londres tinha esse pedaço tão grande de mar...

Mesmo achando que estava no caminho errado, Noel continuou em frente confiando no instinto de suas renas, que continuavam a cavalgada como se soubessem o caminho.

Depois de algumas horas ele avistou algumas luzes no meio do nada, parecia um vilarejo. Mas o velho ficou surpreso quando percebeu que o vilarejo era muito precário. 

— Com certeza não estamos na Inglaterra. — disse para si mesmo em voz alta. 

Tudo estava muito escuro. Alguns lampiões colocados em locais estratégicos iluminavam pedaços da noite em meio as vielas enlameadas devido a alguns dias de chuva intensa.

Os casebres ficavam espalhados pela vila sem nenhuma ordem que desse para entender, a não ser o fato de que rodeavam a igreja que ficava numa espécie de praça central.

Sobrevoando o local, o velhinho percebeu que as pessoas estavam reunidas num galpão que ficava ao lado da igreja.

Ele, curioso e sem entender muita coisa, escondeu seu trenó atrás  de uma árvore, disse para as renas não fazerem barulho e foi com cuidado dar uma espiada.

Pé ante pé, Noel chegou até a janela do barracão e começou a espiar. Ele viu que um homem mais velho, que segurava um cajado e estava vestido com túnica branca, falava para pessoas que atentamente o escutavam sem ao menos piscar. 

Noel achou essa cena interessante, pensativo, lembrou-se que não tinha visto nada ao redor daquele vilarejo, e notou que mesmo naquela aparente pobreza, aquelas pessoas respeitavam e admiravam aquele homem. Quase divagando em suas memórias, Noel se lembrou de outro homem, que pregava e batizava às margens do rio Jordão, e que pessoas humildes o seguiam sem pestanejar. Não foi difícil fazer a ligação entre os dois, porque esse homem dentro do barracão falava com tanta autoridade, que até parecia ser um profeta para aquelas pessoas.

Entretido na sua observação e nas velhas lembranças, Noel escutou um "click" atrás de si e lentamente virou-se, dando de cara com os dois canos de uma carabina apontados no meio da sua testa.

— Quem é vósmecê? 

— Eu sou o Noel. Também conhecido como papai Noel. — falou arregalando os olhos.

— Pai de quem?

— Noel... Você nunca ouviu falar de mim?

— Vosmecê é português?

— Hã...? Português? Não, eu sou da Lapônia.

— Mas o sinhô fala português. — retrucou o homem aumentando a vós.

— É... — respondeu Noel levantando os braços. — Isso se deve a magia natalina.

— Então ocê é um bruxo?

— Não... — defendeu-se Noel tentando consertar o mal entendido. — A magia do Natal não sou eu quem faço. Ela existe porque hoje o mundo inteiro se une para adorar o nascimento do cordeiro.

— É melhor vosmecê pará de falá, porque essas suas conversas estão muito estranhas. Eu vô levá ocê pra conversá com o mestre Antônio Conselheiro.

O homem, apontando a carabina para Noel, fez um sinal para que ele andasse e entrasse no barracão.

Lá na frente, em cima de uma espécie de púlpito feito com tábuas, o velho com o cajado na mão franziu o cenho e seu susto fez com que as pessoas que estavam sentadas em silêncio se voltassem para a entrada do barracão. Todos estranharam ao ver aquela figura estranha. Alguns se colocaram de pé, outros fizeram o sinal da cruz, e outros esperaram para ver o que o mestre Antônio Conselheiro iria fazer.

— Mestre! — falou o sentinela. — Esse sujeito aqui tava espiano ali da janela. Eu perguntei quem ele era, e ele falô que era o pai dum tal de Noel.

— Não meu filho, — interrompeu o bom velhinho — eu sou o papai Noel!

As pessoas sem entender nada, olhavam e cochichavam umas com as outras, procurando em Antônio Conselheiro uma solução para essa situação. O mestre, por sua vez, levantou o cajado e pediu calma para as pessoas, que obedecendo seu profeta, se sentaram e ficaram quietas apenas observando. 

Depois, virando-se para Noel o velho Antônio falou: 

— O senhor é português?

— Não!

— Então faz parte da nova república? Veio em nome do Prudente de Moaraes?

— República? Prudente de Moraes? — exclamou Noel em tom de pergunta, porque não estava entendendo nada.

— Senhor, — continuou Conselheiro ainda demonstrando calma — não te faças de desentendido. Prudente de Moraes é o presidente, que se acha o dono dessa terra chamada Brasil.

— Olha meu filho, hohohohoho, eu sou o papai Noel, eu venho das terras gélidas do norte europeu e vim trazer paz e alegria junto com o espírito natalino.

— O que é espírito natalino? — perguntou Antonio Conselheiro olhando Noel de cima abaixo.

— É o espírito de paz, alegria, felicidade, amor! Eu faço isso a muitos anos lá na minha terra, e parece que meu chefe mexeu uns pauzinhos para eu começar a fazer isso aqui nessas novas terras também.

— Seu chefe é o rei de Portugal? O senhor é português? 

— Hohohohoho! — gargalhou papai Noel — Não, eu sigo apenas as ordens de Deus! Eu represento a união dos povos em torno do nascimento de Jesus!

— O senhor é chegado a uma falácia hein senhor Noel? — disse Antônio Conselheiro coçando a barba. — Onde já se viu dizer que trabalha diretamente com Deus... O senhor é português e trabalha para o rei de Portugal e está aqui pra confundir meu povo, querendo que o povo se volte contra a república e volte a querer a monarquia! Mas nós estamos acima de tudo isso! O senhor tem dez minutos pra se retirar da vila de Canudos e se voltar aqui mais uma vez, não vai sair com vida. E por favor não seja ridículo com essa roupa vermelha e esse chapeuzinho horroroso! — e virando-se para o sentinela que estava com a carabina, Antônio Conselheiro falou. — Chico! Leve esse senhor daqui.

O sentinela levou Noel até onde o trenó estava amarrado. Papai Noel subiu no trenó e levantou vôo sumindo entre as estrelas; mas o que foi engraçado, é que Chico, quando o perguntaram, não se lembrava disso e nem sabe como Noel foi embora. 

Na manhã seguinte era dia de Natal e uma coisa estranha aconteceu em Belo Monte. Todas as crianças acordaram com roupas e sapatos novos. Alguns vestiram sapatos pela primeira vez na vida. Ninguém sabe de onde os presentes vieram. Nas mesas dos casebres apareceu uma espécie de pão engraçado e muito gostoso; cheio de umas frutinhas cristalizadas, que lhe davam um sabor nunca visto no sertão.

As pessoas perguntaram a Antonio Conselheiro o que era aquilo e ele simplesmente respondeu que devia ser mesmo coisa de Deus ou simplesmente uma tentativa do rei de Portugal em fazer as pazes com o povo da vila, para que eles lutassem contra a república.  

Diz a lenda que essa foi a primeira vez que papai Noel veio ao Brasil. Mas desse dia em diante ele nunca mais deixou que ninguém o visse quando viesse deixar os presentes para as crianças brasileiras. Dizem que numa conversa informal com um dos anões da fábrica mágica, papai Noel teria comentado que o povo do Brasil é diferente porque mesmo achando que ele fosse um inimigo, ainda o deixaram ir embora. Desde aquele dia, até hoje, Noel sempre volta ao Brasil; pena que já no ano seguinte a Vila de Canudos, e Antonio Conselheiro, não existiam mais.

Mas para a surpresa de Noel, quando Conselheiro chegou ao céu ele perguntou a Deus sobre aquele velhinho de roupa feia e chapeuzinho horroroso que apareceu uma vez na vila de Canudos dizendo ser um enviado do próprio divino.

Deus explicou para ele com detalhes quem era o papai Noel e o velho Conselheiro, agradecido, pediu à Noel para trabalhar com ele na confecção daqueles pães engraçados. O messias de Canudos desde esse dia trabalha fazendo os “pães do Antônio” com gosto, pois se lembra da alegria das crianças do seu antigo povoado se deliciando com aqueles pães, como se ele fosse a maior alegria da vida delas.



domingo, 8 de dezembro de 2024

XV interação de Natal entre blogues

 


Convite da amiga Rosélia Bezerra para a Festa do Advento de 08 a 15/12/24



Se o menino Deus nascesse no litoral?

 

José estava cansado de fazer portas, mesas, cadeiras e levar calote. O povo de Nazaré tinha fama de mau pagador há tempos, mas agora nesse reinado a coisa estava pior. O último pacote econômico do governo do César Lulaus Augustus não foi muito bom para o comércio, e por isso José resolveu fechar a marcenaria e virar pescador.

Ele levou sua tenda para Salvador, às margens do mar da Galileia e ali se estabeleceu. Maria, sua futura esposa, também se mudou para Salvador com seus pais, pois estava prometida a José, e o pai dela não queria que eles ficassem longe um do outro.

Um dia José saiu para pescar e quando voltou, notou que sua futura esposa estava um pouco estranha.

— O que aconteceu Maria? Que cara é essa?

— José, eu tomei um chá de tâmara com erva cidreira e acabei dormindo, — respondeu ela, olhando para o chão enquanto falava. — Mas quando eu acordei, eu vi um vulto em minha frente. Ele era um homem muito bonito, loiro, de olhos azuis, pele bronzeada e sorriso branco, parecia o Leonardus Dicáprius, filho do imperador de Roma. Ele estava arrumando as calças.

— Ma... Mas, o que esse cara fazia aqui? — perguntou José procurando a sua peixeira.

— Ele me disse que era um anjo, e que durante meu sono, ele colocou em mim a semente da vida! E que eu vou dar à luz ao filho de Deus!

— Semente da vida? Filho de Deus?  Ah, mas essa história está muito estranha!

— Não José! — murmurou Maria em meio a um choro. — Eu ainda sou virgem! Juro!

José saiu da tenda nervoso! Passou no boteco do seu Mustafá e tomou três doses de arak. Ele ficou doidão, pegou uma corda e disse que iria se enforcar. Então subiu em seu barco e partiu mar adentro.

Depois de muito navegar José pensou: "Uai! Mas como eu vou me enforcar se aqui no meio do mar não tem árvore?"

Nervoso, José olhou para o céu e viu que estava escurecendo, então ele virou a vela de seu barco, e dando meia volta, viu uma coisa que o deixou estarrecido! Um homem com asas, desceu do céu, pousou no meio do mar e se dirigiu para o barco andando sobre as águas.

"O Mustafá tá colocando tóxico no meio daquele arak, só pode ser!" — pensou José pegando a sua peixeira e arregalando os olhos de medo.

— Quem é você? Um demônio?

— Não José! — respondeu o rapaz loiro. — Eu sou o anjo que trouxe a semente da vida para sua futura esposa.

 — Ah é... Cara de pau! Então se aproxegue aqui, que eu vou te enfiar a peixeira no bucho!

— Não José! Eu sou um anjo da paz! Além de ser chefe dos exércitos de Deus.

— Anjo não mexe no que é dos outros! E você mexeu com minha mulher prometida!

— Nananinanão! — falou o anjo chegando perto do barco. — O que eu fiz foi espiritual! Eu nem toquei nela!

— Como não tocou seu medonho! Ela disse que quando acordou você estava arrumando as calças.

— É porque eu tinha ido no banheiro atrás da tenda.

— Ah, você ainda usou o nosso banheiro? Mas você é um cara de pau!

— Não teve jeito! Depois que eu fiz o milagre com Maria eu estava com muita fome, e o cheiro de comida na tenda era delicioso, por isso eu dei uma olhada nas panelas e vi que tinha uma buchada de bode! Buchada de bode eu não aguento! É uma delícia!

— Você é um anjo xexelento! Não tem qualidade! Além de fazer o "milagre", — falou José, fazendo aspas imaginárias com as mãos — ainda comeu a minha buchada?

— Eu não aguentei! Me desculpe. Eu mandei pra dentro uma pratada com farinha, e isso não me fez muito bem! Por isso tive que usar o banheiro.

José, nervoso, fez menção de atacar o anjo, mas antes que pudesse atacar, o anjo disse:

— José, não faça isso! Olhe para trás.

José olhou para trás e viu descendo do céu, milhares de anjos com arcos, flexas, lanças e carruagens de fogo puxadas por leões dourados.

— Bão... — falou José com um sorriso amarelo. — Já que você trouxe a sua turminha, então é melhor a gente deixar essa nossa conversa para mais tarde! Eu vou acreditar nesse papo furado de "milagre". — falou novamente fazendo as aspas imaginárias. — Vai que é verdade...

 

*****

 

Longe dali uma folia de reis andava de casa em casa pelas ruas de Jericó, até que pararam na frente do palácio do imperador local.

— Aceita santo Reis, imperador?

— Que negócio é esse de santo Reis?

— É um folclore lá do sertão da caatinga de Israel. A gente vem seguindo a estrela e cantando de casa em casa, porque está para nascer o filho de Deus! Aquele que vai reinar sobre todos os homens.

— Que estrela? Vermelha?

— Não! Essa é uma estrela nova que apareceu! Ela foi enviada por Deus para dar a localização de onde o menino Deus vai nascer.

O imperador Lulaus Augustus ficou preocupado, porque se o filho de Deus realmente nascesse, ele seria considerado um messias e poderia ser um problema para a perpetuação do poder de sua família. Então pensando rápido ele respondeu:

— Que bom! Deus mandar seu filho bem aqui no nosso país! Eu estou muito feliz. Por isso peço a vocês, que quando encontrarem esse menino, que voltem aqui e me digam onde ele está, para eu poder adorá-lo também.

A companhia de reis continuou seu caminho, cantando de casa em casa e seguindo a estrela e o imperador fez uma reunião às pressas com seu conselheiro Alexandre Carecullus Magno.

— Companheiro Alexandre, — disse o imperador com sua voz rouca — o pessoal da companhia de reis disse que o filho de Deus vai nascer por esses dias, e que Ele vai reinar sobre todos os homens.

— Isso é um problema meu rei! — falou o conselheiro com ar de seriedade. — Temos que proibir o nascimento de crianças então!

— Mas como vamos proibir isso? Não tem jeito! O que esse povo pobre e feio mais sabe fazer é filho.

Carecullus franziu a testa e pensativo caminhou em círculos pela sala. até que falou:

— Esse bebê já nasceu?

— Isso eu não sei, companheiro Carecullus.

— Tive uma ótima ideia, vamos mandar matar todas as crianças recém-nascidas, até a idade de 2 anos! E quando essa companhia de Reis passar por aqui, vamos prendê-los e fazê-los falar onde está esse menino Deus!

— Mas vamos prendê-los por qual crime?

— Isso a gente inventa na hora. — respondeu Carecullus em meio a uma gargalhada. — Você não sabe que estamos acima da lei, meu rei?

— Verdade companheiro! — alegrou-se o imperador. — Não sei o que seria de mim sem você.

 

*****

 

Já era tarde da noite e a campainha de reis armou suas tendas à margem da estrada. Alguns dançavam ao som de triangulo, sanfona e zabumba ao lado da fogueira e outros já se preparavam para dormir.

De repente um enorme clarão seguido de um grande estrondo deixou todos assustados, vindo do céu, uma carruagem de fogo apareceu, puxada por 7 leões dourados, que desceram em direção ao acampamento e estacionou bem em frente da tenda maior.

Os foliões se reuniram, tremendo de medo, e juntos foram ver o que era aquilo.

A porta da carruagem se abriu e um anjo, com asas brancas, loiro, bonito, dentes brancos, bronzeado e parecido com o Leonardus Dicaprius, filho do imperador de Roma, desceu os degraus incandescentes e falou:

— Eu sou um anjo, enviado de Deus.

— Um anjo!? — Todos disseram ao mesmo tempo e se ajoelharam para adorá-lo.

— Levantem-se, — ordenou o anjo — só quem pode ser adorado é Deus! Eu sou uma criatura igual a vocês!

— Ah, desculpa então, seu anjo. — falou um dos foliões, que já tinha tomado umas cagibrinas e estava alegre além da conta. — O que é que você quer com a gente?

— Eu vim avisar para vocês, que o menino Deus vai nascer no litoral de Salvador da Galileia, no dia 25 de dezembro, e que depois que vocês o visitarem, não é para vocês voltarem por esse caminho, porque o César Lulaus Augustus vai prender vocês e matar o menino Deus!

Os foliões se olharam assustados e como num passe de mágica, a carruagem de fogo partiu voando e subiu aos céus, sumindo atrás da Lua.

 

*****

 

O dia de 25 de dezembro estava tranquilo. Os pescadores saíram com seus barcos, as crianças brincavam na areia, as mulheres vendiam acarajé pelas ruas da Galileia e Maria estava em trabalho de parto.

Foi nessa manhã, que a folia de reis apareceu na porta da casa de José, bem cedo.

— O que vocês querem? — falou José aflito, porque Maria estava gritando lá dentro da tenda.

— Senhor, corra, pegue sua mulher e venha para o barco. Vamos para alto mar.

— Vocês estão malucos? Quem são vocês?

— Nós somos uma folia de Reis, que vem cantando pelas ruas do Oriente Médio inteiro, seguindo a estrela que nos guiou até aqui à sua casa.

— Você bebeu logo cedo? — falou Jose abanando na frente do nariz. — O Mustafá está colocando toxico no arak.

— Não, meu senhor! É verdade! Nós sabemos que o bebê que vai nascer é o filho do Deus vivo. Sabemos que ele vai reinar sobre todos os reinos.

— E daí? Por que eu tenho que correr com minha mulher pro mar aberto? — perguntou José, já segurando sua peixeira e com cara de poucos amigos.

— É que nós contamos isso para o Imperador Lulaus e ele mandou matar todos os bebês!

— Eita! Mas como tem fofoqueiro no mundo! Vocês tinham que falar isso praquele bandido!

— Ele enganou a gente! Ele é muito carismático. Mas agora não tem mais jeito; temos que correr.

José, com a ajuda dos foliões, pegou Maria, e correu para seu barco. Miriã, prima da Maria e parteira, foi junto para ajudar.

A notícia se espalhou e os outros pescadores escoltaram a embarcação de José, e todos juntos fizeram uma roda de proteção em volta do barco onde nasceria o menino Jesus.

Os peixes do mar: golfinhos, tubarões, baleias, cardumes de sardinhas, ostras, polvos e mexilhões, todos juntos, fizeram uma barreira de proteção para o pequeno barco.

Os soldados do imperador chegaram ao litoral, mas não encontraram sinal dos foliões, nem de nenhuma criança com menos de 3 anos. Eles vasculharam casa por casa e sem sucesso foram embora.

Quando eles saíam da cidade, o céu se escureceu, e lá no meio do mar, um cone de luz desceu iluminando as embarcações que ainda estavam em volta do barco de José, e uma voz retumbante se ouviu:

— Esse é o meu filho querido! O cordeiro que vai tirar o pecado do mundo! Aquele que vai dar a chance, de que cada um que Nele crer, possa vir até mim. Ele é o caminho a verdade e a vida!

Nesse momento, uma pomba branca, com um galho de folha de louro no bico, voou até o menino que estava no colo de Maria, e depositou o ramo ao lado do bebê e voou.

Todos que viram essa cena falaram ao mesmo tempo:

— Esse é mesmo o menino Deus! E Ele é o rei dos reis. 

 

segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Mariana viajou, e Graziela se casou...

 

Rodolfo namorou com Graziela desde a adolescência. Com o passar do tempo, ele que sempre fora um doce de pessoa, se transformou em um rapaz ciumento e obsessivo, que não suportava a inteligência e a beleza de Graziela, que era uma menina que chamava atenção por onde passasse. Ele se julgava menor perto dela e apesar de amá-la perdidamente, sentia-se inseguro e acuado perto dela.

Luiz e Mariana namoravam a oito anos. No quarto ano de namoro eles decidiram morar juntos, a vida era perfeita, eles realmente se amavam, se respeitavam e viviam bem.

Chegou um dia que a Graziela não aguentou mais as crises de ciúme de Rodolfo, e decidiu terminar o relacionamento. Rodolfo não aceitou e chegou até a bater em Graziela. Foi uma briga enorme, que mobilizou os vizinhos e até a polícia. Rodolfo acabou preso naquela noite, e depois de dormir na cadeia, logo cedo, pagou a fiança e foi liberado.

Mariana era bióloga e recebeu uma oferta de emprego irrecusável no Canadá, pois além de independência financeira, ainda poderia fazer o que mais gostava na vida, só que Luiz era promotor, e tinha uma carreira brilhante pela frente.

Graziela começou a namorar com Ricardo seis meses depois da separação com Rodolfo, apesar de que já havia passado dois anos desde que eles se separaram, quando Rodolfo soube que sua ex-namorada iria se casar, passou a ameaçá-la e dizer que mataria Ricardo ou ela. Rodolfo ligava para ela todos os dias, mandava áudios nervosos no WhatsApp e quando ela o bloqueou começou a mandar mensagens através do Facebook, dizendo que não aceitava esse casamento. Rodolfo fazia da vida de Graziela um verdadeiro inferno.

 Mariana e Luiz estavam num beco sem saída, ela tinha a maior proposta que um biólogo poderia ter, e ele tinha uma vida pela frente num ramo em que havia lutado muito para conseguir. Essa situação começou a martelar na cabeça deles, até que no calor de uma discussão, Luiz pediu para Mariana ir para o Canadá sem ele.

Rodolfo resolveu que não iria renunciar a Graziela e não a deixaria se casar com Ricardo, o casamento estava marcado para o próximo sábado as 20 horas.

Sábado, as 20 horas, sairia o voo que levaria Mariana ao Canadá. Numa última conversa, ela deixou claro para Luiz que se ele aceitasse, ela abandonaria o convite de emprego e ficaria no Brasil, mas Luiz não achou justo atrapalhar o sonho de Mariana, mesmo amando-a como a amava. 

Rodolfo foi até uma favela e comprou um revólver.

Mariana se despediu de Luiz e foi de taxi para o aeroporto.

Graziela estava se preparando para ir para a igreja.

Rodolfo bebeu a tarde inteira para tomar coragem de executar sua vontade.

Quinze para as oito, Luiz se arrependeu, correu até a garagem e saiu em disparada com seu carro para tentar impedir Mariana de viajar.

Quinze para as oito, Rodolfo tomou coragem, pegou a arma, carregou-a, e partiu com seu carro para matar Graziela e Ricardo na porta da igreja.

Luiz corria a 120 por hora, apodando todos os carros, desviando dos motoqueiros e dos caminhões, enquanto Rodolfo vinha em sentido contrário, ziguezagueando e correndo o máximo que seu carro podia dar, os dois, cada um movido por um tipo de sentimento, vinham fazendo loucuras no trânsito, correndo riscos, e pondo todas as vidas que passassem por eles em risco também.

Foi então que num cruzamento dois carros colidiram de frente, outros carros que vinham atrás foram batendo, batendo, batendo, e isso se transformou no maior engavetamento que aquela cidade já havia visto. Os dois motoristas morreram na hora, e pedaços de peças de carro se espalharam por quarteirões inteiros.

A polícia chegou, os bombeiros chegaram, as pessoas foram parando seus carros no engavetamento.

As oito horas em ponto de um lado do engavetamento Rodolfo olhou no relógio e pensou: “Isso deve ser um sinal de Deus... Eu ia fazer uma cagada e ia me ferrar pro resto da vida...”

Do outro lado, Luiz sentou-se no capô do seu carro, e olhando para o caos a sua frente, franziu a testa e pensou: “É, eu tive muitas oportunidades para não deixar Mariana viajar, mas talvez seja melhor assim.”