sábado, 23 de agosto de 2025

E depois... um sorriso sincero.



Essa é a minha participação no coletivo de postagens pelo aniversário de 16 anos do blog da amiga Roselia:





https://www.idade-espiritual.com.br/


Rosélia, minha amiga! Obrigado por me convidar para participar desse evento tão importante que é o aniversário do seu blog. 

Isso só poderia vir de alguém muito bacana e carinhosa com os amigos e a gente sabe que você é assim. 
Uma pessoa sem máscaras.
Eu fiquei muito feliz! Obrigado!





Carmen era o estereótipo de "mulher fatal."
Dessas que, quando desfilam pelas ruas — sim ela não apenas andava, ela desfilava — param o trânsito.
Linda, inteligente, bem sucedida, empreendedora, descolada... Ela era o exemplo de mulher a se seguir.
Suas redes sociais bombavam.
Se ela postasse a foto de um café da manhã, pelo menos três mil visualizações e mais de 500 comentários era o mínimo que se esperava.
Ela era uma deusa e sabia disso.
O pior, ela assumiu esse status de deusa e acreditou nele. Sabia do fascínio que causava. Sabia que a personagem — mulher perfeita — assombrava a mente de quem a conhecesse.
Se fosse homem, certamente cairia apaixonado e se fosse mulher, a inveja ou a adoração brotaria em seu coração.
Ela, acostumada com a fama, não ligava, quando muitas pessoas a acusavam invejosamente de ser a mascarada! De viver um mundo de redes sociais, onde nada é o que parece ser.
"Minha máscara é ser sexy e inteligente." — ela pensava consigo mesma.
Um dia Carmen foi escolhida a patrona do jantar beneficente da Associação dos Amigos dos Animais dos Jardins, um bairro muito glamoroso de São Paulo.
Nesse jantar, empresários, influencers e personagens da alta sociedade paulistana, marcariam presença; para usar a máscara de amigo dos animais, o que os ajudaria em suas reputações.
As nove horas em ponto, Carmen estacionou sua Lamborguini na porta do evento. Um manobrista se aproximou e abriu a porta para ela descer.
Carmen olhou para o rapaz e sentiu o cheiro do suor daquele homem. Um calafrio percorreu desde a base de seu pescoço até o cóccix. 
Os feromônios exalados pelo rapaz, causaram um curto circuito dentro dela. 
— Olá Carmen. — disse o rapaz, de uma forma quase abusada, sem pompa e sem a atenção que uma mulher daquele calibre necessitava.
— O... O... Olá... — respondeu ela tentando entender o que estava acontecendo.
— Eu posso estacionar seu carro.
— S... sim, po... pode! — murmurou Carmen, entregando a chave para o rapaz.
"Meu Deus!" — pensou ela se dirigindo até o salão. — "O que foi isso que aconteceu comigo?"
Naquele instante Carmen se sentiu desmascarada! Nua de sua máscara de mulher fatal. Uma mulher desprotegida, diante de uma situação onde ela não tinha as rédeas.
Durante a festa, Carmen olhava para seus convidados e percebia que nada era real!
Pessoas que sorriam umas para as outras pela frente, e que pelas costas faziam cara feia.
Pessoas que pegavam nos talheres como príncipes e que se comportavam como robôs, querendo demonstrar mais educação do que tinham na verdade.
Pessoas gentis umas com as outras do mesmo nível, mas que nem olhavam para a cara dos garçons.
Carmen se sentiu péssima.
Péssima por ter caído na real.
Um instante em que um homem não fez nada de mais para tentar nada de mais com ela, foi um divisor de águas em sua mente!
Meia-noite, Carmen subiu ao palco onde o DJ tocava suas músicas e pegando o microfone, deu inicio ao seu discurso, antes do leilão que viria a seguir.
— Olá amigos,  — começou cabisbaixa — aqui estamos nós... Vestindo nossas máscaras de boa gente! Boa gente, no meio de pessoas importantes.
— O que ela está dizendo? — perguntou um.
— Ela bebeu? — murmurou outro.
— Eu mesma, — continuou olhando para o salão e encarando pessoas nas mesas — nem gosto de gato ou cachorro. Na verdade, só fui escolhida para ser patrona desse jantar, porque postei uma foto no Instagram, onde um gato atrevido, aparece deitado em uma mesa ao meu lado. Mas eu nem sei que gato é aquele.
— Meu Deus... — cochichou uma mulher, colocando a mão na frente da boca, enquando se encostava no ouvido da amiga ao lado. — A Carmen enlouqueceu?
— Tem muita gente aqui, que assim como eu, nem tem animal de estimação. Mas a gente sabe que posar de protetor dos animais, ajuda a sair bem na foto.
— Que droga! A Carmen está estragando o evento todo. — praguejou um dos representantes da Associação dos Amigos dos Animais.
— Mas nós temos nossas máscaras! — continuou a mulher fatal, agora vestindo sua fantasia. — E pelas nossas máscaras, pela manutenção do personagem que nós criamos... Vamos participar desse leilão e ajudar da forma como nunca ajudamos antes. Os animaizinhos merecem.
A gargalhada ecoou pelo salão! As pessoas fingiram que entenderam e disseram que a Carmen tinha feito uma jogada de mestre.
Foi a maior arrecadação de um jantar beneficente da história de São Paulo.
Terminado o jantar, no saguão do salão,  todos cumprimentaram a anfitriã e declararam que foi um sucesso.
Carmen, agora ciente que naquele momento era um personagem, sorriu para todos e agradeceu a participação no evento.
No final, ela se despediu do presidente da Associação e saiu tentando se concentrar em não desmoronar novamente diante da presença do manobrista.
Quando chegou na rua, ela se assustou ao ver a sua Lamborguini estacionada do outro lado da avenida. Então, um menino se aproximou dela e disse:
— A senhora é a Carmen.
— Sou. — respondeu ela assustada.
— Um moço me pediu para te entregar essa chave do seu carro e esse bilhete.
Carmen pegou a chave, e encabulada, atravessou a rua e entrou em seu carro. Antes de sair, ela leu o bilhete:
"Carmen, me desculpe me passar por manobrista. Mas eu apostei com meus amigos que iria dar uma volta no seu carro hoje. Não fique brava."
" Filhodaputa!" — pensou Carmen dando um sorriso. — "É por isso que ele estava suado e cheirando a macho! Ele estava estressado pelo momento."
Ainda sorrindo, ela abriu seu celular, entrou em seu Instagram e pensando por um momento, titubeou, mas, deletou sua conta.
"Pra mim chega de viver de aparências." — pensou ainda com sorriso nos lábios.


segunda-feira, 18 de agosto de 2025

Chatos e rebeldes


Tem uma música da banda Garotos da Rua chamada, "Eu toco Rock". Na letra, o cantor Bebeco Garcia grita cantando — ou canta gritando:
Eu toco Rock!
Eu não do bola pro resto,
pode dizer que eu não presto.
Não tenho nada com isso,
pode dizer que eu sou lixo.
Tá no fim...
... não tem futuro pra mim.
Me trata como bandido.
Me chama de caso perdido!
Prejuizo garantido...


Como é a vida né?


Uma vez na faculdade um professor leu um texto que dizia mais ou menos assim:
Essa juventude não tem vergonha!
É um bando de preguiçoso.
Não respeitam os pais!
Se vestem mal.
São chatos e mal educados.

Um texto normal para nossos dias. Afinal, a gente sempre reclama da juventude. Comparamos com nossa geração e dizemos que os jovens são um bando de frouxos. 

Nutellas! — bradamos do alto de nosso julgamento, como está na moda dizer.
Mas o problema, é que o texto acima, foi extraído de um papiro egípsio anterior a Cristo.
Olha só!

Meu pai era músico. Acordionista. Tocava pra caramba! Tipo fenômeno mesmo.
Tocou com vários cantores, e na época que morava em fazendas, ele era o showman. 
Carregava um baile de 4 horas, sózinho nas costas.
Naquele tempo os sanfoneiros — meu pai dizia acordionista e não sanfoneiro — faziam os bailes sózinhos ou acompanhados de um violão.
Ele tocava músicas "clássicas" para aquele público: valsas, boleros, músicas românticas, chorinhos e conções sertanejas raiz.
Uma vez ele me viu assistindo a um programa que passava na TV Cultura, chamado: Boca Livre.
Esse programa trazia bandas de garagem, punk e pós punk, que se enfrentavam em um festival que durava o ano todo.
Ele achou que eu estava usando drogas!
Falou que aquilo não era "música de gente!"
Ficou puto de raiva!
Ele tinha um sonho de me ver tocando acordeon... Até fiz aulas um bom tempo e até aprendi a tocar algumas músicas.
Mas não deu em nada!
Eu ouço rock e ouço blues.
Setenta por cento de meu tempo músical é escutando esses ritmos.
Na época eu fiquei revoltadinho com a negação do meu pai.

Com o tempo ele acabou aceitando um pouquinho o meu gosto musical.
O gosto dele — eu amava! E ele sabia disso...
Amava ver ele tocando. Realmente era um mestre.
Herdei dele o gosto por música clássica também. 
Chorinho é lindo demais e emociona. 
Banda e orquestra sinfônica também emocionam.
Adoro aquelas bandas de Charleston americamas, com banjo, violão, washboard e metais.

Hoje, eu tento não implicar com meu filho de 13 anos.
As vezes não consigo.
Acho essa geração parada demais.
Temos que falar mil vezes a mesma coisa.
Eles não tomam iniciativa... Mas e nós?
Nós éramos melhores?
Acho que no final, o que vai valer, é a desenvoltura quando as verdadeiras obrigações da vida chegarem.
Agora ele é criança e eu sou chato. Um chato cuidadoso e presente — mas sou chato.

O Bebeco Garcia morreu no começo dos anos 2000.
Nos seus últimos shows ele era considerado um dos melhores guitarristas do Brasil e o melhor no estilo slide.
Ele conseguiu superar seus monstros e os seus próprios julgamentos.
Ele ainda toca rock, mesmo depois de morto. 
Toca na minha vitrola.
Meu filho vai ter a vitrola dele.
E assim a vida vai tendo seu ciclo...
Viver é bom demais — sejamos nós os chatos ou os rebeldes do momento — viver é bom demais.






quinta-feira, 14 de agosto de 2025

Seu Lourenço


Em dez minutos, eu conheci seu Lourenço.
Do nada, após um sorriso simpático, o velhinho de oitenta e cinco anos, me disse que foi criado na roça — sem pai — e quase sem mãe.
Aos seis anos já trabalhava “panhando” algodão. Aos dez, já fumava, e fumou até os vinte e cinco anos! 
Um dia, se levantou da cama e disse pra si mesmo: — À partir de hoje não fumo mais!
Não fumou mesmo, e também, nunca mais tomou café. 
Olha só! 
Ele disse que só o cheiro do café, até hoje — me "volta" na cabeça o gostinho do cigarro.
Seu Lourenço se mudou pra Barretos e começou a trabalhar como pintor de casas. 
Pintou mais de quarenta casas pela cidade, até que um dia, quando foi comprar pinceis em uma loja, conheceu o gerente de uma fábrica de tintas, chamada “Tintas Universo”. 
Seu Lourenço conversou muito com esse cidadão, e até saiu para almoçar junto.
Um belo dia o velhinho leu na Folha de São Paulo, que a Tintas Universo estava procurando um representante de vendas. Com coragem, ele, com pouquíssima escolaridade, trabalhador braçal, sem nunca ter ido a uma cidade grande, saiu de Barretos e foi parar na porta da fábrica de tintas.
Depois de uma tarde inteira de conversas, ele acabou sendo contratado não como vendedor, mas sim, para abrir mercados demonstrando o produto Brasil afora. 
— Quando eu vi que ele não ia me contratá como vendedor, porque ele disse com muita gentileza que eu não tinha estudado, eu falei pra ele que então eu podia demostrá a tinta nas cidades onde eles não tinha cliente.
A fábrica não tinha esse cargo e Seu Lourenço foi um dos primeiros demonstradores de tintas, diretamente de uma fábrica, do Brasil.
Ele me disse que conhece todos os estados do Brasil, conhece tanta cidade que nem sabe a quantidade. 
Trabalhou vinte anos na Tintas Universo e quando ela foi vendida para a Luksnova ele continuou na empresa e dela pulou para a Tintas Ypiranga que era do mesmo grupo, por mais de dez anos. 
Como complemento, acabou também sendo vendedor da massa plástica Iberê.
— O dono da Universo achou que eu não dava certo como vendedor, mas uma vez, eu vendi em um mês mais de vinte mil latas de massa plástica! Mas não posso reclamar. A Universo foi muito boa na minha vida.
— Um dia, comprei um Fusca! — ele falou levantando o dedo indicador e se ajeitando na cadeira. — Mas uns bandidos tentaram me roubar, me cercando na rodovia. Eles estavam agressivos e colocaram um revólver na minha cabeça. 
Eu respirei fundo e calmamente falei para um dos bandidos:
— Pode levar meu carro! Eu comprei ele sem precisar. Quando eu nasci eu não nasci com carro. Nasci antes do primeiro carro chegar no Brasil, então, eu não preciso dele pra nada.
Os assaltantes foram embora sem roubar o Fusca, e na primeira cidade que seu Lourenço chegou, logo deu um jeito de vender o carro e nunca mais dirigiu!
Seu Lourenço voltou pra Barretos depois de se aposentar e hoje mora em uma casa muito boa, num bairro chique da cidade. 
Suas duas filhas moram com ele. Cada uma delas é formada em mais de uma faculdade, e graças a Deus — ele tirou o chapéu quando disse graças a Deus — hoje ele até parece um velhinho, negro, humilde e com cara de pobre, mas a história de vida que tem, é pra poucos!
Em dez minutos conheci seu Lourenço! 
Tem gente que acha que perde dez minutos do dia, conversando com gente assim. 
Eu ganhei! 
Ganhei a oportunidade de conhecer alguém tão legal!
Ah! Seu Lourenço, antes de ir embora, olhou bem dentro dos meus olhos, apertou a minha mão, e sorrindo me deu dois conselhos:
— Menino, não compre nada que não precisar, não compre porque é bonito, ou porque está na moda, só compre quando tiver dinheiro pra comprar. Se não tiver dinheiro, não compre. 
Com o sorriso ainda estampado no rosto, tornou a olhar nos meus olhos e disse o segundo: 
— Quando ficar velho, e estiver perto de parar de trabalhar, seja viciado em palavras cruzadas! Elas não deixam o nosso cérebro enferrujar.
Dizendo isso, virou-se e foi embora. Talvez nunca mais eu tenha o prazer de ver seu Lourenço, mas com certeza, ele sempre vai estar presente. Algum dia, em algum pensamento, em alguma atitude minha ou simplesmente — fazendo palavras cruzadas.






sexta-feira, 8 de agosto de 2025

Descivilização



 

Poetas que não fazem poemas.
Músicos que não tocam.
Atores que não atuam.
Escritores que não escrevem.
Humoristas que não fazem rir.
Desenhistas que não desenham.
Pintores que não pintam.
Cantores que não cantam.
Escultores que não esculpem.
Artesãos que não fazem artesanato.
Bandas que não gravam discos.
Orquestras que não se apresentam.
Circos que não têm público.
Respeitável público!!!!!

...

Onde está o respeitável publico?

Arte engolida pela obrigação de ganhar o leite das crianças.
Onde está a criatividade?
Onde está o valor da cultura?

Cultura substituída pela emoção dos likes fáceis.
Os likes são automáticos — e não nascem da sensibilidade.

A sensibilidade deveria ser estimulada pela cultura.
A civilização está perdendo a sensibilidade?
A cultura está perdendo a civilização?

Respeitável público!!!!

...

Onde está o respeitável público?

Insensível?
Ou percebeu a baixa qualidade?
Deixe seu like e o seu comentário.
Se quiser, nem precisa ler...  


 

segunda-feira, 4 de agosto de 2025

Raízes da culinária brasileira, principalmente da Paulistânia - Final

 


Pinga e frita




Era o primeiro dia de Carlos no Eiffel. 
Ele tinha trabalhado em restaurantes menores, que serviam bons pratos, mas nada tão elaborado como neste.
O chef Roberto era super exigente. Desde que voltou ao Brasil e montou o Eiffel, que servia pratos da alta gastronomia, com inspiração na cozinha francesa, ele se tornou um dos astros da gastronomia paulistana.
O Eiffel, em pouco tempo ganhou duas estrelas Michelin, e a fila para reservar uma mesa, chegava a três meses.
— Carlos! — despejou Roberto com olhar sério. — Um pato com redução de vinho na mesa nove.
— Sim chef! — respondeu Carlos, ainda tímido, mas querendo demonstrar atitude.
Na cozinha, os cozinheiros e chefs, sem conversar, cortavam, deglaceavam, fritavam, assavam, arrumavam no prato e mandavam suas joias para os garçons.
Roberto, andando pelo salão, sorriu, ao ver que o clima era de alegria.
Os clientes comiam, bebiam, conversavam e davam boas risadas, fazendo a aura do lugar brilhar.
Ao passar pela mesa do doutor Marques, ele reparou que o pato, que havia mandado Carlos fazer, não estava no padrão dos pratos do restaurante.
Furioso, ele entrou pela cozinha, indo direto ao cozinheiro, que agora fazia um risoto de limão-siciliano.
— Eu não mandei você fazer um pato para a mesa nove?
— Sim, senhor, e eu já fiz!
— Não, o senhor não fez.
— Fiz sim — respondeu Carlos enrugando a testa — já até mandei para o garçom.
— O senhor fez outra coisa irreconhecível! Aquilo que o doutor Marques está comendo, não é o pato com redução de vinho aqui da nossa casa! É outra coisa.
— O senhor me desculpe, mas é o pato que eu sempre fiz. E quando vocês me mostraram o prato, achei muito parecido com o meu.
— Parecido? — esbravejou Roberto vermelho de raiva. — Aqui não existe isso! Existem os meus pratos! Minhas criações! E tudo tem que ser perfeito.
— Mas ai eu não tenho culpa! Vocês não me ensinaram o passo a passo dos pratos de vocês.
— Eu achei que estava contratando um cozinheiro profissional quando te contratei.
— Mas eu sou profissional!
— Não! Não é...
Nesse momento, o maître entra na cozinha anunciando que um dos clientes quer falar com o cozinheiro que fez o pato com redução de vinho.
Roberto se assusta! Ele sabe que o doutor Marques é um cliente muito exigente. Profundo conhecedor da alta gastronomia. E uma pessoa muito influente.
— Doutor Marques... — falou Roberto com um sorriso amarelo, recebendo o cliente na porta da cozinha.
— Roberto, — respondeu Marques com os olhos vermelhos e marejados — quem cozinhou aquele pato?
— Foi o Carlos, um cozinheiro novato. — respondeu o chef, apontando para seu cozinheiro, que olhava a cena com os olhos arregalados.
— Meu filho! — começou o doutor Marques. — O seu pato, me levou diretamente para a casa da minha avó, lá na minha infância, no interior de Minas Gerais.
— Desculpe, dout... 
— Não tem do que se desculpar Roberto! — falou o doutor,  sorindo para o dono do restaurante, e se aproximando do cozinheiro, envolvendo-o num abraço. — Esse foi o melhor pato com redução de vinho que eu comi em toda a minha vida! Ainda hoje eu vou falar para todo mundo, que aqui no Eiffel, finalmente a cozinha brasileira apareceu!
— O... Obrigado, senhor... — respondeu Carlos titubeante.
— Qual técnica você utilizou no preparo desse pato, meu filho?
— Se chama pinga e frita.
— Eu sabia! — bradou Marques sorrindo e chorando ao mesmo tempo. — A técnica das velhas cozinheiras da roça! Aquelas que vieram das senzalas, ou fugidas da guerra na Europa! Maravilhoso!
— Sim, senhor, — falou Carlos com feição de alívio — eu aprendi essa técnica ainda quando era criança, com a minha avó, que morava em um sítio, no interior de São Paulo. Ela aprendeu com a avó dela, que era cozinheira em uma fazenda.
— É uma técnica ancestral, — completou Marques olhando para todos, como se estivesse em um palco — que consiste em ir fritando a proteína, no caso dessa, foi o pato, e ir colocando pequeninas quantidades de água, para soltar aquela delícia que se forma no fundo da frigideira. Não deixa de ser uma deglassagem, que vocês fazem uma única vez, mas que nessa técnica é feita inúmeras vezes, durante o cozimento.
— Isso mesmo! — concordou Carlos sorrindo.
— Meu filho, — falou Marques secando as lágrimas com um lenço de seda — quando eu vi aquela crosta cor de ouro cobrindo todo o pato, eu sabia que estava na frente de um prato feito por um grande cozinheiro! Parabéns.   
Depois que o doutor Marques foi embora, cuidadosamente acompanhado pelo chef Roberto, a cozinha voltou ao normal. 
No final do expediente, Roberto entra novamente pela cozinha e diz, chamando a atenção de todos:
— Todos os cozinheiros e chefs, prestem atenção! Quem de vocês conhece essa técnica de pinga e frita, que o Carlos usou para fazer o pato do doutor Marques?
— Nós escutamos a explicação. — respondeu um dos chefs.
— Mas já fez? Não!? Não fez...?
Os chefs e cozinheiros, treinados e formados na alta gastronomia francesa, ficaram mudos, olhando uns para os outros, com cara de quem não sabiam de nada.
— Então, — continuou Roberto apontando para Carlos — amanhã cedo, vocês vão entrar uma hora antes, e treinar essa técnica. O Carlos vai demonstrar para todos.
— Chef... — falou Carlos levantando a mão, como um aluno da escola primária.
— Fale...
— Eu estava pensando... a gente pode deixar os cogumelos como acompanhamento, como é o prato original do senhor. Mas se a gente cozinhar mandioca e depois saltear na manteiga, e acrescentar ao prato... a sedosidade dela vai contrastar com a acidez da redução de vinho, e o conjunto vai ficar delicioso.
— Escute aqui Carlos — retrucou Roberto com os olhos arregalados — você aqui é pago para cozinhar e fazer e não para pensar!
— Desculpe senhor.
— Se você acha que vai ficar bom, faça! Não fique pensando! Faça essa mandioca, me apresente e se realmente ficar bom, a gente faz desse jeito!
— Tudo bem senhor. — concordou Carlos com um meio sorriso.
— Agora vamos embora! Vamos, vamos, vamos! Até amanhã cedo! Uma hora antes! Sejam pontuais! Entendido?


Amigos! E assim, chegamos ao final dessa série de postagens sobre gastronomia Brasileira, principalmente da Paulistânia. Procurei falar de fatos históricos, dando ênfase na relação pessoal através das épocas e a contribuição dessas pessoas, no que a gente come hoje!
Muitos dizem que o Brasil não tem uma culinária autêntica, mas infelizmente, não sabem o que estão dizendo. 
Talvez, por falta de conhecimento, talvez por preconceito.
Espero ter conseguido mostrar para vocês o que queria e que vocês tenham gostado.
Usei um tom bem humarado, lúdico e as vezes emocionado... Acho que tudo isso tem que vir no pacote. No pacote de nossos ancestrais. No pacote de nossas despensas. No lombo dos burros. No fundo das caravelas... Nas cozinhas do Brasil.


quinta-feira, 31 de julho de 2025

Raízes da culinária brasileira, principalmente da Paulistânia - Parte 8

 

Quanto baga, brimo?




Você sabia que os árabes fizeram parte da formação gastronômica brasileira,  desde a chegada dos primeiros europeus no Brasil?
Como? — você deve estar retrucando aí na sua mente. — Esse André deve estar maluco! Como assim se o primeiro árabe chegou oficialmente no nosso país só em 1878?
Calma que eu explico...
A Europa sofreu forte influência dos árabes. Primeiro pelo comércio, depois pela dominação política e depois pela miscigenação que restou do império Turco-Otomano.
Os árabes vendiam alimentos e temperos, indianos, africanos e especiárias orientais, através das rotas comerciais, que ligavam o Oriente e a África, à Europa.
Depois, com o avanço do império Turco-Otomano, após a queda de Constantinopla em 1453, a alimentação dos países europeus — principalmente dos países mediterrâneos — foi invadida pela culinária árabe.
Azeite, iogurte, coalhada, cominho, grão-de-bico, lentilha, gergelim, salsinha, hortelã, carne de cordeiro, frutas secas, pimenta-do-reino, pães sem fermento, kafta, e modos de preparo, foram algumas das contribuições dos árabes nesse período de império.
Não que todos esses produtos sejam originalmente árabes, mas faziam parte de sua alimentação. Com a expansão de seu império e comércio, acabaram assimilando tudo isso em sua gastronomia e passaram para frente, fazendo assim uma grande corrente cultural e gastronômica.
Então — provando minha lucidez — os árabes contribuíram para a formação da culinária brasileira, principalmente da Paulistânia, mesmo antes da chegada dos primeiros "brimos", por aqui.
Eles começaram a chegar em 1878, e em sua maioria eram sírios e libaneses. Como estavam sobre o dominio do império Turco-Otomano lá em sua terra natal, aqui foram chamados simplesmente de "turcos."
Os árabes logo se enturmaram muito bem na sociedade brasileira. Hábeis comerciantes, carismáticos e expansivos, eles se estabeleceram na área urbana das pequenas cidades do interior do Paraná, São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.
Por dificuldade de comunicação, trouxeram um sotaque muito peculiar à nossa gente — influenciando bastante jeito de falar do paulistano. 
Chamando a todos de brimos (pois eles  trocam o P pelo B), ficaram também conhecidos assim.
Todo mundo era primo deles e eles eram primos de todo mundo.
Com a chegada deles, muitos produtos que já existiam em nossa culinária, mas que eram timidamente usados, ganharam grande importância.
O trigo cru, usado em saladas, e em preparos com iogurte e coalhadas. 
A carne moída, de boi e de cordeiro usada nas esfirras, kibes e kaftas. 
A salsinha, agora usada como parte dos pratos e não só como enfeite. 
O hortelã, o gergelim, o grão-de-bico e suas várias formas de apresentação. 
E talvez o mais usado! O azeite, que veio para ser opção às gorduras de origem animal e que rapidamente virou essencial em nossa cozinha.
Doces feitos com massa folhada, nozes, castanhas e mel, além de doces à base de goma — aqueles coloridos, que invadiram os bares e mercadinhos do Brasil — também ganharam um espaço dentro do nosso coração.
Esses pratos não competiram com os que já existiam aqui, pelo contrário, eles se adaptaram à nossa base culinária.
Por isso, não é raro vermos em uma mesma mesa — em várias festas por aí — coxinha, esfirra, coalhada seca, homus, caponata de beringela, espetinhos de carne bovina, torresmo, saladas variadas, tabule, queijos finos, queijos da Serra da Canastra, polenta frita, almondegas, medalhões de frango, linguiça frita, preparos com iogurte, pães sem fermento, pães gratinados, tomates secos e mais uma infinidade de combinações e delicias.

Uma vez, eu falei para a minha esposa:
— Hoje você vai comer um doce mais gostoso que chocolate.
— Isso não existe! — ela respondeu quase gargalhando da minha cara.
Então eu dei pra ela um pedaço de Halawi, o melhor doce do mundo! 
Memória afetiva — então, por favor não me venha falar que não gosta.
Ela mordeu um pedaço e no mesmo instante parecia que estava comendo um doce feito no céu!
— Olha — ela falou quase assustada — não sei se é melhor que chocolate, mas que é muito bom... Isso é...



segunda-feira, 28 de julho de 2025

Raízes da culinária brasileira, principalmente da Paulistânia - Parte 7

 

Reunione na cossina!




O dia começava cedo na fazenda.
Era época de colheita de café.
Os homens da colônia acordavam cedo, tomavam café pingado com leite, comiam bolo de fubá, queijo, biscoitos de polvilho e ovos mexidos. 
Muitos, antes de irem trabalhar na colheita, tratavam primeiro de seus porcos, de suas galinhas e tiravam leite de suas vaquinhas e aguavam as suas hortas.
O patrão — dono da fazenda — permitia que cada colono tivesse alguma coisa para chamar de sua.
Naturalmente, que uma parte desses produtos, acabava na despensa da casa-grande. Nessa divisão específica, os colonos eram chamados de "meeiros"— pois cultivavam suas hortaliças e verduras, criavam seus animais e dividiam tudo com o patrão.
Era uma forma de incentivo para os colonos, que ganhavam pouco, e trabalhavam muito.
Os galos, desde a madrugada, desafiavam os sapos e os primeiros pássaros, numa cantoria sem fim.
Um coachava daqui, outro cantava dali e o outro se esganiçava em seu altíssimo cocoricóóóóóóó, que era o despertador da natureza.
Na casa-grande, o fogão à lenha soltava a fumaça tranquila pela chaminé — o que já dizia, que a cozinheira da família, a negra, filha de escravos, Maria das Dores, chamada carinhosamente de Das Dor, já tinha o café da manhã posto à mesa.
— Quinzinho, — disse Das Dor, colocando o bolo de fubá, na frente do patrãozinho, Joaquim, filho mais velho de seu Tonico Junqueira, dono da fazenda —, o seu pai está com uma cara triste.
— Ah... Das Dor, a mãe disse que ele reclamou ontem de alguma coisa.
— Ocê não sabe o qui é?
— Não sei, mas parece que ele está com saudade de alguma coisa.
— Sardade?
— Saudades de macarronada. — respondeu dona Sueli entrando na cozinha e no assunto.
— Verdade patoa? Sardade de  macarronada?
— Você acredita nisso? — respondeu Sueli, servindo-se de uma xicara de café e pegando um mané pelado que já estava fora da folha de bananeira.
— Uai patroa, a gente pode falar com a dona Francesca e a dona Carmelita, que moram na colônia e pedir pra elas fazerem para o patrão.
— O problema é que a gente não tem farinha de trigo, Das Dor. E sem farinha de trigo não dá pra fazer macarrão.
— Quinzinho. — falou a cozinheira virando-se para o jovem patrãozinho. — Acaba de cumê e vai lá na colônia chamar elas pra mim. Ocê faz isso, meu fio?
— Lógico que faço! O que a senhora me pede que eu não faço?
— Olha só esse aí! — reclamou Sueli fazendo cara de desdém. — Só porque você foi ama-de-leite dele, ele te respeita mais do que a mim!
— Não fica com ciúme não, dona Sueli! Esse Quinzim, pra mim, é um neto que eu não tive.

*****

Meia hora depois, Das Dor explicava para as "mamas" italianas o problema gastronômico, que deixava saudade em seu Tonico.— Olha Das Dor — falou dona Francesca gesticulando com os braços como boa italiana — non é fácil fazere macarrone sem farina de trigo.
— Non Francesca — retrucou Carmelita — esso é impossibile! Non tem como fazêre esso!
— Eu sei. — explicou Das Dor, com muita paciência. — Mas eu pensei em fazer um angu de milho e colocar o molho de carne picadinha.
— Ragu de carne moída?
— Isso, dona Francesca.
— Non fica bom!
— Porque non fica bom? — perguntou Carmelita que ao ouvir a cozinheira negra, achou que fazia algum sentido.
— Non fica bom, porque o angu de milho tiene gosto de milho e o macarrone é una massa sem sabore! O sabore da macarronada vem do ragu e do quêjo!
— Bom isso é verdade. — concordou Carmelita.
— Ah... — resondeu Das Dor em meio a um suspiro. — Eu queria tanto deixar seu Tonico contente.
— Bom... — falou Francesca olhando para cima, como se vasculhasse suas ideias. — E se a gente fizesse una massa base neutra, sem o milho.
— E fazemo com quê Francesca? Tá maluca?
— Carmelita, você tem que me dexare falare! — gesticulou Francesca com cara de brava.
— Enton fala! Enton fala! Mas só quero vere, con quê vamo fazere a massa.
— A gente pode fazere con fubá, água e sal.
— Sem tempero? — estranhou a cozinheira oficial da casa-grande. — Os patrão gosta de tempero.
— Io sei, mia amiga! — respondeu Francesca pegando nas mãos da negra e sorrindo. — Os tempêro vem do ragu e do quêjo!
— Ma, ma, ma, ma! — interrompeu Carmelita abrindo os braços. — Essa massa de fubá vai ficare mole! Nun vai dá certo!
— Eia Carmelita, me escuta! A gente faz a massa neutra. Depois dêxa esfriare numa forma e por esso ela vai ficar firme, aí a gente cobre ela inteira de ragu quente na hora de servire e rala o quêjo mea cura por cima!
— Mas, e quando colocar o ragu quente, a massa não vai amolecer?
— Non, Das Dor! Pode ficar tranquila, mia amiga! Vai dar certo.

*****

Na hora do almoço, a forma com a massa neutra de fubá, coberta com molho de carne moída e queijo ralado, foi servido para a família dos Junqueira.
A forma não deu para quem quiz.
O gosto, lembrou muito uma macarronada, e o seu Tonico, deixou escorrer uma lágrima quando deu a primeira garfada.
Das Dor chorou com suas amigas italianas no canto da cozinha, quando viu a lágrima escorrer pelo rosto do patrão.
Ao final do almoço, Francesca e Carmelita foram convidadas a trabalhar na cozinha da casa-grande, para ajudarem Das Dor no dia a dia.
À noite, antes de se recolherem, Sueli foi até o quarto de Das Dor, lhe deu um abraço e disse:
— Obrigado minha amiga! O que você fez hoje, foi muito importante.

*****

Esse prato, logo se tornou essencial no cardápio dos brasileiros.
Mais adiante, esse prato ganhou o nome de polenta, e aos poucos substituiu o angu feito de milho verde.
No Brasil inteiro, de norte a sul, de leste à oeste, a polenta está presente. Feita com carne moída, com galinha, com peixe, com molho de legumes. 
Ele é tão importante para o brasileiro, que já salvou e ainda salva muitas vidas, em famílias, que infelizmente não tem o que comer.
Fubá, água e sal, por incrível que pareça é muito barato e tem grande valor nutritivo.
Eu sei, que provavelmente as coisas não aconteceram da forma como eu descrevi nesse conto.
Mas ele não pode ser descartado. 
Os imigrantes italianos usavam a polenta neutra sim, para substituir o macarrão de trigo.
E essa fusão de pessoas dentro das cozinhas das fazendas, foi a riqueza, que criou nossa base gastronômica, principalmente da Paulistânia.


A nossa série está acabando.
Acho que mais duas ou três postagens, eu termino o que queria apresentar.
O último capítulo também será um conto. 
Talvez tão grande quanto esse.
Me perdoem, pois sei que a linguagem dos blogues é feita de postagens curtas.
Mas realmente foi necessário!


No próximo capítulo: Os brimos chegam ao Brasil!


quinta-feira, 24 de julho de 2025

Raízes da culinária brasileira, principalmente da Paulistânia - Parte 6

 


Tipicamente falando...




Pronto! 
Como eu disse na última postagem: montamos o cenário!
O Brasil — principalmente na região que interessa para nossa reflexão sobre a gastronomia, que é a Paulistânia — já estava composta por fazendas de café, gado leiteiro, cana-de-açúcar, fumo e outras culturas menores.
O escravo negro não era mais a mão de obra utilizada e os indígenas praticamente haviam voltado para o interior das matas.
Os fazendeiros eram, em sua maioria, descendentes de portugueses: de primeira, segunda e até a terceira geração, nascidos no Brasil. 
Isso se refletia na cozinha, onde receitas de doces, pães, bolos, cozidos, assados, e mais um monte de coisas gostosas, sofriam tentativas de reprodução, com os produtos que existiam aqui. 
Na maioria das vezes, essa reprodução não conseguia ser fiel, e isso culminava na criação de uma receita nova. Única, e não menos deliciosa.
Muitas mulheres negras, ótimas cozinheiras, ainda trabalhavam nas cozinhas das sedes das fazendas, e agora, seriam acompanhadas pelas "mamas", italianas em sua maioria, que aos poucos chegavam para trabalhar e morar nas colônias dessas fazendas.
Os europeus que não tinham dinheiro, e que vinham para o Brasil na ilusão de uma vida melhor, foram aos poucos sendo contratados primeiramente para trabalhar no interior de São Paulo e Minas Gerais. E daí, aos poucos, se transferiam para o Paraná, Mato Grosso e Goiás.
O milho e a mandioca, produtos que na Europa ainda tinham pouca relevância, aqui era o suprassumo da alimentação da época. Por isso a polenta, feita com galinha e acompanhada com quiabos refogados, se tornou um dos maiores clássicos de Minas e São Paulo.
A dobradinha, que tinha um ancestral português — a dobrada portuguesa — aqui ganhou tempero da roça, com pimentas nativas, caldo de galinha, tomates frescos e feijão branco, tornando-se um dos pratos essenciais do almoço de domingo nas crescentes áreas urbanas e principalmente nas fazendas. Mas isso, com o toque de Midas, que foi o acompanhamento, que poderia ser farinha de mandioca simples ou uma farofa um pouco mais incrementada.
A farofa, que já existia antes da chegada dos imigrantes, feita com farinha de mandioca ou de milho, agora ganhava ar de protagonismo. Mais elaboradas, agora eram feitas de miúdos de galinha ou porco, de ovo, de banana, de cebola caramelizada e de tudo que lembrasse as farofas europeias, feitas geralmente com farinha de rosca, obtidas à partir de pães amanhecidos.
Alguns temperos típicos e regionais, como o Pequi, que é uma herança indígena, foram incorporados aos mesmos pratos, à medida que os imigrantes chegavam nas fazendas de Goiás e Mato Grosso.
Aos poucos, esses pratos começaram a ser difundidos na Paulistânia, ganhando ar de — comida típica local — e se diferenciando de outras regiões do Brasil, como o Nordeste e o Sul.
No próximo capítulo, vamos entrar dentro de uma cozinha da roça e acompanhar uma conversa entre duas mamas italianas e uma cozinheira negra.
Elas vão tentar fazer macarrão, mas como aqui quase não existia farinha de trigo, elas vão inventar — ou adaptar — um produto conhecido que virou um clássico brasileiro, esse sim, não ficou apenas na Paulistânia, mas ganhou o país.

Comente aí, que prato você acha que é esse?



segunda-feira, 21 de julho de 2025

Raízes da culinária brasileira, principalmente da Paulistânia - Parte 5

 


Mocinhos ou bandidos? O início de tudo.




Nós já voltamos no tempo 3 vezes para falar da culinária brasileira — especialmente da Paulistânia.
Hoje vamos dar uma passeada por diferentes épocas. Nossa reflexão começa antes da chegada dos negros e termina já na fase dos imigrantes.
O personagem em que vamos focar nossas atenções, não é o cara mais carismático da nossa história — principalmente nos dias de hoje, em que as pessoas estão olhando mais para a forma em que as coisas foram feitas, e não para o que foi feito.
Mas aqui fica uma pergunta: naquele tempo, com as condições em que eles viviam, com a mentalidade, a ética e a moral da época... será que eles foram mesmo errados?
Hoje vamos falar dos Bandeirantes.

Os bandeirantes eram grupos de homens paulistas. Moradores da Capitania de São Vicente.
Inicialmente trabalhavam por conta própria, e percorriam o interior do Brasil em busca de indígenas para escravizar, riquezas minerais e rotas desconhecidas. 
Com o tempo, passaram a trabalhar para a Coroa Portuguesa, ajudando na expansão territorial e exploração das riquezas coloniais.
Os bandeirantes eram formados por portugueses e pessoas nascidas aqui no Brasil. Alguns já eram mestiços, filhos de portugueses com indígenas.
Até esse momento a culinária brasileira praticamente não existia.
Os habitantes das Capitanias Hereditárias comiam produtos trazidos da Europa e acrescentavam alguns produtos indígenas, como a mandioca, milho e caça.
Os bandeirantes tinham esse nome, porque as expedições que faziam para adentrar as matas eram chamadas de Bandeiras.
À medida que iam adentrando o país, esses bandeirantes estabeleciam rotas, descobriam produtos interessantes para a comercialização e estabeleciam povoados, que aos poucos foram originando pequeninas cidades.
Geralmente atrás dos bandeirantes, vinham os padres jesuítas, que em cada cidadezinha, abriam missões, com a intenção de catequisar indígenas, lhes ensinar a fé cristã e "domesticá-los", para serem usados para os interesses comuns tanto da igreja, quanto da Coroa Portuguesa.
Os Bandeirantes eram rústicos. Homens talhados para sobreviver com pouco. Sua alimentação baseava-se em carne seca, feijão, farinha, e coletas que encontrassem no meio do caminho.
O arroz com charque e feijão gordo, como conhecemos hoje, são herança desses Bandeirantes. 
O tutu de feijão, a paçoca de farinha de mandioca com charque, também é herança bandeirante.
Muitas frutas, raízes e produtos indígenas, foram absorvidos primeiro pelos Bandeirantes e depois para as cidades. Eles foram a ponte cultural da culinária indígena para o homem branco europeu.
Uma coisa muito interessante que eu descobri pesquisando essa fase da nossa história, é que os indígenas não queriam comer as galinhas e frangos que os bandeirantes levavam, porque tinham nojo daquela ave estranha, que comia de tudo.
Mas com a presença dos Bandeirantes e depois dos jesuítas missionários, aos poucos os indígenas incorporaram o frango à sua dieta.
Esses Bandeirantes foram os responsáveis direto para o aparecimento do Norte do Paraná, de São Paulo, de Minas Gerais, de Goiás, de Mato Grosso, e do que se convencionou chamar de "Paulistãnia", a grande região formadas hoje por esses Estados, mas que naquela época não era dividido assim.
Os Bandeirantes existiram até quase a criação da área urbana das cidades dessa região, e aos poucos migraram para o serviço de tropeiros. Peões que levavam gado de uma fazenda para outra por grandes distâncias.
A comida que hoje conhecemos como comida tropeira, nada mais é do que a comida dos Bandeirantes, que com o passar do tempo, mudou de nome. Ou melhor — ganhou um nome. 
Então meus amigos!
Agora que nós arrumamos o cenário, escalamos os atores e atrizes e traçamos o roteiro. 

Finalmente podemos começar a falar da culinária brasileira e da grande Paulistânia.



quarta-feira, 16 de julho de 2025

Raízes da culinária brasileira, principalmente da Paulistânia - Parte 4



Indigenas: os verdadeiros donos do fogo!




Amigos, nessa nova postagem, vamos ter que voltar mais um pouco no passado para entender a culinária brasileira — principalmente, a culinária da Paulistânia.
Comecei há 3 capítulos, falando dos imigrantes que vieram para o Brasil, por volta de 1900. Depois falei dos negros.
E agora voltando mais um pouco, vamos falar dos indigenas.
Muita gente acha que os indigenas não contribuiram nada — ou muito pouco — para a nossa cozinha. Mas eu digo o contrário! Eles trouxeram alguns dos ingredientes mais usados no Brasil e que ganharam o mundo!
A mandioca, um tubérculo tiícamente brasileiro, foi cultivado, selecionado e desenvolvido pelos indigenas. 
Quando os europeus chegaram aqui, essa raiz fazia parte da alimentação das tribos brasileiras, de norte a sul do país.
A farinha de mandioca, o tucupi e até o polvilho eram subprodutos dessa raiz e faziam parte da dieta dos povos originários — sempre quis escrever "povos originários" em algum texto meu.
O milho, originário das Américas central e do Norte, já havia atravessado o continente e fazia parte da alimentação indigena em praticamente, todo território brasileiro. 
Até a pipoca já existia!
Batata-doce, pinhão, banana-da-terra, inhame, cará, madioquinha, (batata barôa), goiaba, açaí, palmito pupunha, juçara... Tudo isso é herança indigena na nossa culinária.
A forma de cozinhar direto no fogo com os alimentos enrolados em folhas de bananeira, é uma herança indigena. 
Hoje, quando você prepara alimentos no seu forno, enrolados em papel-alumínio, saiba que essa técnica vem daí!
Não se cozinhava assim no mundo!
Uso de pimentas — várias pimentas — e de raízes amargas, também tem grande influência indigena.
E o pirão!
Prato típico brasileiro, que é uma sopa de peixe engrossada com farinha de mandioca. Uma delícia... — Também é indigena!
Ou seja!
Você foi apanhado de surpresa!
Menosprezava os primeiros donos desse terreno aqui, e não sabia que eles foram tão importantes para o registro gastronômico do pais inteiro.
E tem mais! Não foram só importantes para nosso país, mas sim, para o mundo todo!
Na África, a mandioca é de primeirissima necessidade. Existe uma farinha super-nutritiva, feita com casca de ovos, folha de mandioca e sementes de abóbora, que tem salvado vidas de comunidades desnutridas no mundo todo, principalmente na Àfrica.
O milho ganhou quase todos os países do mundo e a pipoca é mais importante que os filmes de Holliwod nas salas de cinema.
Então, à partir de hoje, saiba: A culinária indigena existe! 
Mas como todas as receitas do nosso país, foram adaptadas, misturadas e re-criadas.  

Então, quando se sentar em frente da TV para assistir uma série e comer sua pipoquinha de micro-ondas, agradeça a Tupã!



segunda-feira, 14 de julho de 2025

Raízes da culinária brasileira, principalmente da Paulistânia - Parte 3



Feijoadis brasillys gosturesensis




Bom... E lá vamos nós com nossa primeira polêmica:
Quem inventou a feijoada?
Os portuguêses ou os escravos?

Antes de tudo, nós temos que saber um fato: 
Na Europa existiam alguns pratos parecidos com a feijoada, mas que na maioria das vezes, eram feitos com feijão branco.
Na França existia o cassoulet.
Na Espanhana o puchero que muitas vezes, usava grão-de-bico em vez de feijão.
E em Portugal, o cozido português, que além de carnes também levava embutidos
Históricamente esses pratos são considerados avós da feijoada.

Então quem inventou a feijoada foram os portugueses!

Calma, gente; vamos fazer uma perguntinha antes:
E na África? Não existe um prato semelhante à feijoada?
Existe!
Em Cabo-verde, existe o cachupa, um prato típico, também conhecido como feijoada africana. A cachupa é feita com feijão, carne, e vegetais.
Em Angola, existe a feijoada Angolana, similar à feijoada brasileira, mas com feijão branco ou castanho e carnes como coxa de frango, carne de porco e carne de vaca, além de chouriço e vegetais.

Pronto! Então, quem inventou a feijoada foram mesmo os escravos africanos.

Ops... aqui temos um problema:
Tanto Cabo-verde, quanto Angola, eram colônias de Portugal, e não há registros desses pratos, antes da chegada dos portugueses. 


Ixi... Então quem inventou a feijoada foram os portugueses mesmo...

Calma de novo!
Ainda não temos o veredito... Vocês estão com muita pressa!
A nossa feijoada, como existe hoje, tem ingredientes de várias culturas:
Farinha de mandioca — herança indigena.
Couve — herança portuguesa, mas refogada com alho e gordura — Tem quem diz
que é herança das mamas italianas.
Laranja — herança portuguesa. Misturada com pratos salgados? Coisa de Françês.

Então, agora sim, chegamos agora ao veredito:
Chegamos não! Cheguei. Porque o juiz aqui desse texto sou eu.
Mas se não concordar com a sentença, comente aí nos comentários explicando porquê.

No Brasil colônia, a comida européia não era abundante. 
As pessoas que moravam aqui, tentavam, da melhor forma possível, adaptar os produtos nativos, para "replicarem" aquelas receitas do coração.
As negras que foram trabalhar na "casa grande", aprendiam a cozinhar essas receitas e com o tempo, agregaram a elas seus conhecimentos da cozinha africana.
A mão das negras eram mais carregadas em tempero. Pimentas, ervas e tempos de cozimento.
Tudo foi um "blend" de conhecimento — e, desse "blend", aproveitando produtos de outras cozinhas, (como a couve européia e farinha indígena), nasceu a feijoada brasileira.
Então meu veredito é:
A feijoada não é portuguesa. Não é africana.
A feijoada é um prato típico do Brasil. Criada por brasileiros.
Gente simples, que — como alquimistas — misturaram ingredientes considerados não nobres e transformaram em ouro gastronômico.

E tenho dito!



quinta-feira, 10 de julho de 2025

Raízes da culinária brasileira, principalmente da Paulistânia - Parte 2


 

Da senzala à casa grande: Sabores sendo construídos




Vamos continuar com a nossa saga pela origem da culinária brasileira — principalmente da região conhecida como Paulistânia — voltando alguns anos no passado.
Para entender bem nosso registro gastronômico, teremos que ir e vir na história. Mas vai ser fácil de acompanhar. 

Antes dos imigrantes europeus desembarcarem no Brasil, os escravos negros de origem africana, foram trazidos pelos portugueses para trabalhar nas fazendas.
Os portugueses compravam ou trocavam esses indivíduos, que, em sua grande maioria, já eram escravos de tribos e povos rivais — grupos que haviam subjugado suas tribos e os escravizado. 
Infelizmente não existe santo nesse mundo. O ser humano é naturalmente malvado — tenha ele a pele da cor que tiver. 
Mas esse assunto é complicadíssimo e muita gente usa mais o coração do que a razão para debater sobre ele. 
Então vamos voltar ao nosso assunto principal, que é a culinária.
Os negros não eram bem tratados. Geralmente comiam as partes menos nobres dos porcos e bois, que eram mortos para a subsistência das pessoas que moravam nas colônias das fazendas. 
O arroz e o milho que era destinado aos negros, eram de grãos quebrados, chamados arroz de segunda e milho quirela.
Abóbora, galinhas e galos velhos, feijão preto, mandioca e frutas nativas como a goiaba, também faziam parte da dieta dos negros.
A mandioca, natural do Brasil, e o milho que era natural das Américas, logo caíram no gosto desses negros, que passaram a cozinhar pratos que até hoje são queridos pelo nosso povo, como a canjica, a "vaca-atolada", a galinhada, o cuscuz de milho, o bolo de fubá e doces como Mané-pelado, goiabada, pamonha e cural.
Nessa época, grandes cozinheiras negras, trabalhavam na sede das fazendas e cozinhavam para seus "patrões", que lhes ensinavam a culinária de origem européia e essas negras adaptavam esses pratos, aos produtos que existiam no Brasil.
O trigo, era um alimento imprescindível para os portugueses que moravam na Europa, mas, por aqui, era escasso. Por isso, o fubá e o polvilho entraram na dieta, tanto da casa-grande, quanto da senzala.
Agora a gente iria viajar um pouco mais para o passado, para entender o futuro, e iríamos falar dos indigenas na próxima postagem.
Mas eu resolvi colocar um pouco de pimenta, ainda dentro do tema dos escravos, e suas cozinheiras maravilhosas e fazer a primeira provocação da nossa viagem: a feijoada!
A primeira grande divergência histórica de uma receita símbolo do Brasil.
Por isso, — os indígenas que nos perdoem — na próxima postagem vamos falar de feijoada.
Se eu conseguir, é lógico... porque com essa minha boca grande, acabo falando de várias outras coisas paralelas!

Espero que estejam gostando e se preparem, porque muita água ainda vai passar debaixo dessa ponte.



Ao lado estão as imagens das capas dos meus dois livros.
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