— Bom dia!
— O senhor poderia responder uma rápida pesquisa que estou fazendo?
— Que pesquisa?
— A diferença de oportunidades na sociedade brasileira em relação à raça e classe social.
— Nossa! Que bacana! Posso sim.
— Qual a sua cor?
— Como?
—Sua cor? Negro, branco, amarelo, pardo?
— Uai? A senhora não está me vendo aqui?
— Eu estou vendo, mas o senhor tem que declarar a sua cor.
— Eu acho que sou pardo.
— Por quê?
— Porque sou moreno, bem moreno.
— Seu pai era negro?
— Não… na verdade meus avós paternos vieram já casados lá de Portugal, minha avó materna era italiana e meu avó materno era bem pardo, mais escuro do que eu, mas não era negro.
— Então vou marcar aqui que você é pardo.
— Isso a gente pode ver só de olhar pra mim.
— Eu sei, mas a gente tem que chegar nessa conclusão depois de investigar direito, a nossa metodologia é científica.
— Ah tá… Legal!
— Qual seu grau de escolaridade?
— Estou na faculdade.
— Certo, então vou marcar aqui branco.
— Branco? Mas eu não sou pardo?
— É pardo, mas com esse grau de escolaridade é branco.
— Como assim?
— Nossa pesquisa é científica, baseada na escola Juliana francesa inspirada na metodologia de Frankfurt da Alemanha.
— Ah… Desculpa! Então deve ser coisa séria.
— Lógico que é séria. Posso continuar?
— Pode, uai.
— O senhor tem casa própria?
— Não, moro de aluguel.
— Então é negro.
— Negro? Mas... dona? Eu não era pardo e depois branco?
— Mas nesse quesito o senhor é negro!
— Aiaiaiaiai, vai dona; continua…
— Que tipo de música o senhor gosta?
— Rock, eu sou roqueiro.
— Ah… Branco…
— Branco?
— Isso, porque quem gosta de rock é branco! Negro gosta de pagode e axé…
— Dona, de onde é esse seu método científico mesmo?
— Escola Juliana francesa inspirada na metodologia de Frankfurt na Alemanha.
— E essa sua pesquisa é pra quem?
— Para um jornal e uma TV, que agora não posso revelar.
— Hummmm.
— Continuando: Que tipo de comida é a sua preferida?
— Feijoada.
— Negro.
— De novo?
— Com que regularidade o senhor come feijoada?
— Umas duas ou três vezes no ano.
— E que tipo de comida o senhor mais come na sua casa?
— Arroz, feijão, carne, legumes e salada.
— Branco.
— Branco?
— Comida balanceada é de branco, mas vou colocar uma observação de subnutrição negra.
— Subnutrição negra!?
— Sim...
— Mas por quê?
— Porque o senhor come feijoada só duas ou três vezes no ano.
— Mas subnutrição? Olha o tamanho da minha barriga!
— Isso não importa na nossa metodologia científica.
— O senhor disse que gosta de rock.
— Disse e por isso a senhora me disse que sou branco.
— Certo! Aí, já está entendendo. Mas me diga, com qual frequência o senhor vai aos grandes shows de rock, tipo Lollapalooza, Rock in Rio, João Rock...?
— Nunca fui.
— Negro.
— Uai, mas quem gosta de rock na sua metodologia não é branco?
— É, mas quem não tem direito à cultura é negro.
— Olha dona, essa sua pesquisa é furada! Me desculpe, mas segundo a senhora eu sou pardo, branco e negro, dependendo da ocasião e isso não está certo!
— É a metodologia…
— Metodologia furada e ridícula! Eu não vou mais responder isso não!
— Branco!
— Como?
—
Pessoas avessas a pesquisas sociais são brancas.

