Chegou o derradeiro
dia para o futebol brasileiro deste ano, o Maracanã; maior estádio do país, se
divide em quatro cores! De um lado a torcida verde e laranja do Clube de
regatas Intergalácticos, do outro, a torcida vermelho e azul do Brasilina futebol
clube.
Os dois times
entram lado a lado, com seus jogadores em fila indiana.
Foi impossível para
os atletas conterem a emoção diante de um Maracanã abarrotado, muito além de
sua capacidade máxima. A vibração e a adrenalina que as arquibancadas mandavam
para dentro do campo, faziam atropelar o batimento cardíaco do mais frio dos
jogadores.
João Pedro madrugou
e chamou a família para uma conversa durante o café da manhã:
— Mãe, pai, eu e o
Irineu compramos o ingresso para a final do campeonato brasileiro.
— Ingresso? —
estranhou o pai de João. — Tá maluco? O jogo vai ser no Rio de Janeiro.
— Eu sei pai! Mas a
gente foi em quase todos os jogos do campeonato e não podemos perder a final de
jeito nenhum!
— Mas meu filho; é
muito perigoso! — falou a mãe de João colocando o pote de manteiga na mesa.
— Eu sei mãe! Mas muita
gente daqui vai pra lá! Vamos invadir o Maracanã... Pode ficar tranquila!
— Pedrinho, e... eu
n... não estou feliz com e... esse negócio não!
— Calma pai; está
até gaguejando! Eu já tenho trinta e dois anos, e senhor sabe que eu sei me
cuidar! Eu e o Irineu não vamos sozinhos. Nossa torcida vai em peso.
— Olha, se você me
prometer que não vai beber e que vai correr de confusão eu até deixo você ir!
— Eu prometo! Vocês
me conhecem bem, e sabem que eu não entro em briga. Aliás, eu sou tão legal,
que com trinta anos, eu nem precisava pedir pra vocês deixarem eu ir, e olha eu
aqui pedindo!
— Não precisa
pedir!? — rebateu a mãe de João Pedro. — Olha só que cara de pau! Fique sabendo
que pra gente você sempre vai ter dez anos; seu moleque!
Japuíra acordou mais
cedo neste domingo, nesse bairro ficava a sede do Clube de regatas Intergaláctico,
o time favorito na disputa dessa tarde contra o Brasilina.
O Intergaláctico
tinha a seu favor o empate, por isso, se o jogo acabasse com igualdade no
placar, eles levariam mais uma taça para o seu abarrotado museu, de tantas
glórias e conquistas.
Os jogadores estavam
concentrados há dois dias. Todos no elenco, juraram fazer deste jogo final, “a
batalha de suas vidas”. Eles estavam motivados, por uma fatalidade que
aconteceu na antevéspera do jogo com o amigo e massagista do time a vinte anos,
Biribinha, que fora atropelado por um mototaxista.
Ele não corria
risco de vida, mas estava internado na Santa Casa de São João do Meriti, todo
enfaixado, com duas costelas e a clavícula quebrada.
No dia anterior o
time todo o havia visitado e prometido ganhar o campeonato para o amigo querido.
Biribinha, era
considerado por todos como um segundo pai. Sempre pronto a ajudar e dar
conselhos aos jogadores, e devido à toda essa dedicação, era muito querido por
todos.
A batalha era intensa:
jogadores de ambos os lados disputavam cada centímetro do gramado como se suas vidas
dependessem disso. O primeiro tempo terminou num zero a zero nervoso, com
poucas chances de gol de cada lado. A partida era quase toda disputada no meio
de campo, quando um lance de perigo acontecia, as defesas levavam vantagem
sobre os ataques.
O segundo tempo
continuou truncado e o árbitro deu 6 minutos de acréscimo.
Aos 46 minutos, Armando
pegou a bola na intermediária e enfileirou os adversários. Driblou Eduardo, Paulinho,
Cáceres, Luizão, entrou na área e passou a bola para Chicão, que de cara pro
gol, quando ajeitava o corpo para chutar, foi tocado no calcanhar por
Emiliano, se desequilibrando e caindo ao chão.
O juiz Oscar de
Moura não titubeou um segundo e príííííííííííííííí!!!!! Apitou, apontando a
marca da cal.
—
PÊÊÊÊÊNALTIIIIIIIIIIIII! — gritaram todos os locutores que transmitiam aquela
final.
Armando estava no
final da sua carreira, quando chegou ao Brasilina. Muita gente foi contra, e
falou que o presidente do clube estava maluco por ter contratado alguém tão
rodado e que até agora, aos 36 anos, nunca havia sido campeão de nada
importante.
O meia já havia
jogado — sem grande destaque — em alguns clubes médios do futebol brasileiro,
mas depois acabou indo jogar no leste europeu, em pequenos times, que
disputavam campeonatos sem muita expressão. Há dois anos, havia voltado para o
Brasil e estava jogando na segunda divisão, quando o presidente do Brasilina
resolveu contratá-lo para compor o elenco.
O problema
aconteceu, quando Babá, o meia titular do Brasilina, rompeu os ligamentos do
joelho esquerdo e teve que operar. O tratamento e o período de recuperação,
levaria o restante do ano e talvez, até o primeiro trimestre da próxima
temporada.
Como poderia
Armando, um jogador velho, rodado e vindo da segunda divisão, assumir o papel
de maestro do meio campo da equipe e ainda levá-la ao tão sonhado título?
Mas Armando, jogo a
jogo, calava a boca de todos. Com atuações impecáveis, acabou adquirindo o
status, tanto pelos torcedores, quanto pela crítica especializada, de melhor
jogador do campeonato.
Benedito, era
torcedor fanático do Brasilina desde os 15 anos de idade, quando assistiu o
time do seu coração despachar o grande Santos de Pelé, com uma acachapante
goleada de 6 x 3. Desse dia em diante, resolveu que iria ser brasilinense, e
assim o fez.
Todos os oito
filhos de seu Benedito seguiram o pai.
Hoje, em todos os
dias de jogo a família se reúne para torcer, gritar, sorrir e chorar pela
paixão da família. Mas o netinho do seu Benedito, de repente apareceu com “tendências
intergalácticas”, o menino só fala no time laranja e verde, e isso está tirando
o sono de seu Benedito, que como última cartada, fez um acordo com o netinho: se
o Intergaláctico ganhar do Brasilina nessa final, o neto está liberado pra
torcer por quem quiser, mas se o Brasilina ganhar, o neto terá que seguir a
tradição da família, e se tornar mais um brasilinense de coração.
Chicão pegou a
bola, colocou-a debaixo do braço, e se dirigiu para a marca do pênalti. Ele era
o artilheiro do campeonato com 22 gols, mas em nenhum momento de sua carreira,
havia encarado um momento tão tenso e importante como esse.
Claudinha, era
fanática pelo Intergalácticos. Era ela, quem cuidava das bandeiras e das faixas,
da torcida "Leões fiéis", que era a maior e mais apaixonada que o
time laranja e verde tinha. Claudinha iria se casar justamente neste domingo,
data da grande final.
Quando ela e o
noivo escolheram essa data, o time não estava tão bem no campeonato, mas do
começo do segundo turno em diante, o Intergalácticos atropelou os adversários e
acabou chegando ao derradeiro embate.
Foi uma briga
homérica entre Claudinha e seu noivo, que ameaçou até largá-la de vez.
— Cláudia, — insistia
ele, numa de suas últimas tentativas. — A gente já pagou tudo! Festa, buffet,
viagem! Alugamos seu vestido, meu terno, e...
— No dia da final
eu não me caso! — interrompeu ela sem deixar seu noivo terminar sua frase.
— ..., mas, Claudia...
você não está agindo com a razão!
— Lógico que não!
Pelo Intergalácticos eu só consigo agir com o coração.
Quando o noivo de
Claudinha percebeu que não teria mesmo jeito, ele resolveu adiar o casamento. A
disputa dele contra o time laranja e verde pelo amor de sua noiva, chegava a
ser desleal.
Os jornalistas
falaram na beira do campo para o juiz Oscar de Moura, que as TVs mostravam
claramente que Chicão havia se jogado, e que não foi pênalti. Oscar de Moura,
que estava a um passo de ser escolhido o arbitro representante do Brasil para a
próxima copa do mundo, ficou muito triste, porque tinha tanta convicção de que tinha
marcado corretamente, que falou para o juiz do VAR, que nem queria ver as
imagens e que chamava para ele a responsabilidade.
— Oscar! — falou um
dos juízes do VAR. — Na verdade, o lance é interpretativo. Pois existe mesmo um
toque no calcanhar do Chicão. O que não dá pra saber é se esse toque foi
suficiente para derrubá-lo.
— Eu acho que foi!
— respondeu Oscar de Moura.
— Como você tem
tanta certeza?
— O atacante estava
de frente para o gol! Não tinha porque se jogar...
— Bom, — falou o
juiz do VAR — estamos com você então!
“Puxa vida! — pensou
o juiz, nervoso consigo mesmo. — Eu não posso voltar atrás em uma coisa que
tenho certeza. Agora que já marquei o pênalti..., seja o que Deus quiser! O
jeito é torcer para o Fernando Inácio defender.”
Se o goleiro Fernando
Inácio defendesse, o Intergaláctico seria campeão, mas se Chicão convertesse o
pênalti, aí o Brasilina é que levaria o caneco.
O público dentro do
estádio permanecia estático! A tensão era enorme! Uns oravam, outros choravam,
outros viraram de costas, outros se ajoelharam, outros sentiram tontura, e
alguns poucos, até tiveram que ser socorridos.
Mais de 120 mil
pessoas se acotovelavam, espremidos, com olhos fixos no gramado. Silenciosos e imóveis,
eram tomados tensão que castigava seus corações.
Espalhados pelo
país, milhares de telespectadores acompanhavam e sofriam, vidrados em suas TVs,
nas telas de seus celulares, pela internet, ou, os mais tradicionais, com o
radinho de pilhas colados ao ouvido.
Seu Jorge estava
com batedeira, dona Rute estava trêmula, dona Dirce xingava o juiz, Juvenal
levava a cerveja até a boca e a abaixava sem beber, Raimundo rezava o terço — sem
saber em que oração estava, Aristides acendeu uma vela azul e vermelha, Mariana
se debruçava em lágrimas.
Chicão colocou a
bola na marca do pênalti, olhou para Fernando Inácio, que apontava o lado
esquerdo e gritava:
— Chuta aqui que eu
vou pegar, chuta aqui que eu vou pegar!
Biribinha assistia
a tudo do seu quarto no hospital. Do seu lado, um torcedor adversário falava
que seria gol, os enfermeiros pararam de atender pra assistir ao pênalti.
Chicão correu pra
bola.
Enquanto corria, o
atacante olhava pra ver se Fernando Inácio dava pinta se pularia
antecipadamente para algum lado.
Chicão correu,
parou com seu pé de apoio ao lado da bola e chutou.
Enquanto a bola
viajava, vários corações viajaram junto. O momento seguinte certamente ficaria
marcado na vida de muita gente, de tantas Claudinhas, Beneditos, Armandos, Antônios,
Rodolfos, Juvenais, Irineus, torcedores e torcedoras, contra e a favor, que
amam essa paixão de maluco, chamada — futebol.