quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Cavalo de padeiro

 


Diogo era uma pessoa cansada! Ele vivia o tempo todo correndo atrás do vento e vivendo de migalhas.

Ele fazia sempre as mesmas coisas, com a mesma rotina e com pensamentos enraizados em sua cabeça, que não o deixava olhar para diante.

Tudo para Diogo tinha que ter uma explicação, e nada poderia fugir da racionalidade. Ele seguia todos os dias os mesmos passos e não conseguia ver por que as pessoas achavam graça em pequeninas coisas da vida.

Diogo era prático! Ele tinha tudo traçado em sua mente. Onde, quando e como ele iria viver e conseguir as suas metas.

Um dia Diogo chegou em casa e viu que tinha um cavalo parado do lado do seu portão.

Ele olhou para o cavalo e achou que o bicho estava com sede. Então entrou, encheu um balde com água e trouxe até a calçada. O cavalo olhou para ele como se estivesse agradecendo, abaixou-se e bebeu muita água.

— Puxa, como é que alguém tem um cavalo bonito desse e deixa ele aqui no meio da rua? — falou Diogo pensando em voz alta. — O coitado está morrendo de sede!

Foi quando o Aristides, um velho padeiro, desses de cidade pequena, que antigamente entregavam pães e roscas de casa em casa, virou a esquina correndo e chegou até eles aflito.

Aproximando-se do cavalo, ele sorriu e acariciando a sua cabeça disse:

— Olá amigo... Puxa você não quer parar um só dia hein!

Diogo vendo aquela cena indagou Aristides:

— Por que você deixou seu cavalo solto e sem água?

— Eu era padeiro e entregava pães com esse cavalo puxando a carroça por 6 anos. Todos os dias a gente fazia a mesma coisa. A gente entregava pão de manhã e de tarde, sempre fazendo mesmo caminho todos os dias. Mas esse negócio de padeiro entregar pão de carroça não dá mais certo hoje em dia, e eu não estava ganhando mais nada com isso, eu já estava com a vida feita, com algumas casinhas de aluguel e com uma chácara onde nós moramos, então resolvi parar de trabalhar.

— E abandonou o cavalo? — reprovou Diogo, nervoso.

— Não meu jovem! — sorriu Aristides — Esse cavalo é como se fosse da minha família. Acontece que ele foge de vez em quando e vem fazer o nosso antigo caminho de tantos anos... Coitado ele nunca olhou para as coisas boas da vida, sempre viveu tapado, só trabalhando todos os dias e nunca teve a alegria de viver solto, por isso, agora ele não consegue ser feliz.

Aristides então agradeceu a Diogo e foi embora puxando seu amigo por uma corda.

À medida que os dois andavam e sumiam no horizonte Diogo foi refletindo e pensando sobre sua situação: — Será que se eu continuar correndo e trabalhando tanto assim eu vou encontrar alguém para me dar água, ou me guiar com uma corda no pescoço no final da vida?



quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Bate papo literário: Bagagem intelectual

 



Quando eu era menino, mais ou menos com 10 anos, eu comecei a frequentar a biblioteca da minha escola. Lá tinha uma moça, que ficava dando palpites sobre qual livro eu deveria ler, e que depois de muito tempo eu descobri que ela não era "tia da biblioteca", mas sim: A Bibliotecária.

 

Essa moça indicava de qual estante da biblioteca eu deveria escolher o livro que iria ler, e quando eu via um livro interessante em outra estante, ela dizia: "Não André, essa estante ainda não é para você."

 

Com o passar do tempo ela me dizia que agora eu poderia pular para a outra estante, porque eu já estava no nível de me divertir com esses outros livros. E quando fazia isso, ela sempre pegava um dos livros da nova estante e falava: "Você vai começar por esse."

 

Eu me lembro de que em algumas vezes eu a achava folgada; mas como eu sempre fui um menino educado, eu lia todos que ela indicava.

 

Um dia quando eu fui devolver um livro ela me disse que finalmente eu poderia escolher um livro da prateleira: Literatura clássica europeia, e me deu um monstro de um livro, de quase 600 páginas chamado; Os três mosqueteiros, de Alexandre Dumas.

 

— Você vai começar por esse! — ela disse com um sorriso de canto de boca, enquanto marcava na ficha dos empréstimos, anotando, 20 dias.

 

— Vinte dias? Não... É pouco tempo.

 

— Não é não! Eu sei que você consegue.

 

Essa moça sabia das coisas. O livro era tão bom, tão empolgante, que eu li e entreguei com dias de sobra. Os três mosqueteiros praticamente me sequestraram e eu não conseguia parar de ler.

 

Quando entreguei o livro na biblioteca eu perguntei para ela:

 

— Como a senhora sabia que eu conseguiria ler em tão pouco tempo?

 

Aí ela me disse uma coisa que eu nunca mais me esqueci:

 

— André, já faz quatro anos que você vem aqui na biblioteca, e eu estou preparando você, assim como faço com todos que se interessam pela leitura, para se encantarem e terem os livros como amigos e não como um dever chato. — Ela se levantou enquanto falava, foi até a estante e pegou um livro. — Por que eu faço isso? Porque um livro muito bom, pode ser chato, se você não tiver bagagem intelectual para entendê-lo. É por isso que umas pessoas amam algumas obras e outras detestam. Mas coloque na sua cabeça, — ela continuou apontando para mim, olhando por cima dos óculos — quando uma pessoa te disser que um livro clássico é ruim, na verdade, essa pessoa não teve condições intelectuais de entender o livro.

 

— A senhora está dizendo que não tem livro clássico com história chata?

 

— Não é isso que estou dizendo! — retificou ela me passando a caneta para assinar que estava levando o próximo livro, que ela havia escolhido e que eu nem sabia qual era. — O que estou te dizendo, é que mesmo que você não goste da história, todos os livros clássicos, são livros que literariamente são acima da média. Enredo, ritmo, desenvolvimento de personagens, narrativa, tudo o que tecnicamente pode-se avaliar em um livro, o clássico é nota 10; portanto, não existe livro clássico ruim.

 

O livro que ela havia separado pra mim, era: A ilha do Tesouro, e tem uma crônica aqui no blogue que fala só sobre ele, e sobre como a bibliotecária acertou mais uma vez.

 

Agora, vamos pular 40 anos à frente.

 

Um amigo meu, promotor de justiça, literato, conhecedor e colecionador de livros. Dono de uma biblioteca com mais de 3000 livros e gibis, que ele diz, ter lido todos mais de uma vez, um dia me disse:

 

— André, quando eu tinha mais ou menos 20 anos, eu li Dom Quixote e achei mais ou menos. Depois, quando eu tinha mais ou menos 40 anos, eu li Dom Quixote novamente e achei ótimo. Mas agora, semana passada, agora com 70 anos, eu li, Dom Quixote novamente e vou te confessar uma coisa; quando eu terminei a leitura, eu fechei o livro e chorei copiosamente durante uns 15 minutos. Esse é o melhor livro que já li em toda a minha vida! E só agora eu tive bagagem intelectual para entender.

 

"Olha só! — eu pensei — A teoria da bibliotecária da minha infância sendo provada, depois de tantos anos."





sábado, 2 de novembro de 2024

O álbum branco




               Hoje escutei o álbum branco dos Beatles.

               Eu tinha uma trava emocional com ele.

        Quando era criança, meus pais não se davam muito bem. Eles viviam se separando e se juntando. E numa dessas separações, eu vim parar em Barretos, que é a cidade de meus avós e vários tios.

            Nessa época eu estava triste. Era um menino meio apagado, que não pensava muito em quase nada.

            Essa época, na verdade, é um pouco obscura na minha vida. Eu sei que da casa dos meus avós, eu fui para a casa de um anjo que era a minha tia Mariana! Ela foi uma das pessoas mais amáveis que eu conheci na vida. Linda, educada, alegre, carinhosa... Ela era a tia que todo mundo deveria ter.

Mas; porém, contudo, entretanto, o tio Kleib marido dela, não era muito legal! Eu não me lembro dele ter se sentado e conversado comigo em nenhum momento. Ele só se dirigia a mim quando todos da família estavam conversando. Particularmente, parece que eu não existia.

            Uma noite, o tio Kleib, que gostava de ficar sentado na sala tomando cerveja e assistindo TV, me chamou e falou quase rosnando:

            — Grrrrr Andrrrrré; pega grrrr aquele disco de capa grrrrrrr brrrranca ali!

            Eu peguei o disco e entreguei a ele, que ficou um tempo olhando para a capa. Depois abriu e olhou o encarte do disco, depois escolheu entre os dois discos que estavam acomodados na parte de dentro.

            “Nossa, — eu pensei — dois discos em uma capa só!”

            Eu na verdade, acho que nunca tinha manejado um disco. Lembro que em casa não tinha aparelho de som e muito menos discos.

            Então o tio Kleib me estendeu um dos discos e apontou com o beiço para o toca-discos.

            Eu fiquei olhando para a cara dele feito um bobo, porque não sabia o que fazer.

            — Grrrrrrrr, Andrrrrré! Pega esse disco aqui e coloca pra tocarrrrrr.

            Eu peguei, fui até o aparelho de som, mexi aqui e ali, até que ele fez um barulho.

            — Abaixa. — ele rosnou.

            Eu me abaixei assustado e ele rolou de rir.

            — Você nunca mexeu com um toca-discos?

            — Hã!? T... to... toca discos?

            O tio Kleib se levantou, foi até o toca-discos e colocou um dos LPs para tocar.

            Ele colocou faixa por faixa e escutou apenas alguns acordes de cada uma; depois desligou o toca-discos e saiu resmungando que os discos de seus filhos eram horríveis.

            Ele não me ensinou, mas eu o vi ligando o som e aprendi. Por isso no dia seguinte eu mesmo coloquei o disco para tocar. Os dois discos. Sem parar, de um lado, do outro, do outro, do outro, do outro e do outro.

            Meus pais reataram o casamento, e ainda bem que foi até que a morte os separasse dessa vez.

            Meu pai faleceu em 1996, e minha mãe sofreu muito. Eles estavam muito bem nessa época.

            Mas... Não sei por que, eu tinha um ranço enorme desse disco branco dos Beatles. Nunca mais consegui escutá-lo. Parece que só de olhar para ele, alguma coisa ruim se remexia dentro de mim.

            Até hoje!

            Hoje coloquei o disco branco dos Beatles para tocar e vi o tanto que a gente é refém de nossas memórias e crenças limitantes.

            O disco é muito bom! Eu não me lembrava de algumas músicas e me surpreendi.

            Eu tenho toda a discografia dos Beatles, mas o disco branco nunca havia sido tocado. Trinta anos esperando aqui em casa, e pelo menos quarenta na minha vida.

            Como a gente cria monstros, né?

            Somos especialistas nisso... Esses monstros fazem mal, mas temos que chamar nossos caça fantasmas internos e exterminá-los.

            Escutem! O álbum branco dos Beatles é muito bom!

            Outra coisa, pra acabar: Com o tempo, depois que eu cresci, eu aprendi algumas coisas sobre o tio Kleib e a tia Mariana. Ela era muito mais anjo do que eu imaginava, e ele... Bom, antes dele morrer, a gente até fez uma amizade.

 

 

quinta-feira, 24 de outubro de 2024

Tudo me é lícito, pero no mucho!




A gente converte, "vira" cristão; mas, talvez não tão cristão assim... Apesar de que essa reflexão, não sirva apenas para cristãos, mas para todos que acreditam em ação e reação. Nesse caso; da vida!

Porque, na nossa cabeça de novos convertidos, dizemos que Deus sabe que estamos tentando mudar, e que por isso ele tem que ter paciência com a gente, e na nossa cabeça de velhos convertidos, dizemos que Jesus já pagou pelos nossos pecados; então não tem problema dar umas mancadinhas.

Por isso, algumas coisas que gostamos de fazer e que talvez não sejam tão boas, nós acabamos cedendo e fazendo, só mais uma vez, só mais uma vez, só mais uma vez...

Todos nós conhecemos aquele versículo que diz:

12 Tudo me é permitido, mas nem tudo me convém. Tudo me é permitido, mas eu não deixarei que nada me domine; (1 Coríntios 6:12).

É permitido que eu beba bebidas alcoólicas? Sim; é permitido, mas como diz a parte 2 do versículo: "... eu não deixarei que nada me domine." Então, se a bebida me domina, é melhor que eu não beba!

Essa é velha, já escutamos isso em incontáveis pregações, e às vezes as pregações ficam rasas porque ficam batendo na mesma tecla e focando em proibições autoritárias, que são lógicas e que todo mundo sabe. Mas vamos tentar aprofundar e pensar mais um pouco, perguntando e respondendo para nós mesmos:

Eu posso faltar do serviço sempre que não estiver à fim de trabalhar? 

Posso!

Vou para o inferno se fizer isso? 

Não, não vou para o inferno.

Que bom, então pelas leis de Deus eu não serei castigado! Mas pelas leis trabalhistas e pela lei do meu patrão, ele pode me mandar embora.

Então concluímos que é permitido que eu falte, mas não convém que eu falte. E se faltar e ficar em casa, se tornar gostoso demais e isso me dominar, aí a coisa fica pior ainda.

Entendeu?

Vamos pensar em outro exemplo:

É permitido que eu não estude para uma prova da faculdade? 

Sim é permitido.

É pecado?

Não, não é pecado. 

Ninguém vai sofrer a ira divina se não estudar para uma prova. Mas como consequência, certamente vai tirar nota baixa.

Concluímos que é permitido ficar sem estudar, mas não me convém ficar sem estudar?

Então, num exercício de futurologia, podemos prever que, se a gente faltar muito no serviço porque ficou gostoso ficar em casa, logo, logo, seremos mais um desempregado.

Se não estudarmos para a prova na faculdade, provavelmente ficaremos de DP, ou desistiremos da faculdade.

Então pensem meus amigos e comentem o que acharam da frase: Tudo nos é lícito, mas nem tudo nos convém... 

E não estamos falando sobre bebida!


terça-feira, 15 de outubro de 2024

Resenha do livro: Até o fim. De Harlan Coben.

 


Acabei de ler: "Até o fim", mais um livro do; na minha opinião, maior contador de histórias policiais da atualidade, Harlan Coben.

Mas dessa vez ele forçou um pouco a barra.

Ele tinha uma pré-estória na cabeça, de um passado do personagem, que só ele sabia e que maldosamente não contou para ninguém, só para ter um plot nas últimas páginas. E com isso, confundiu um pouco o meio de campo!

Aconteceu um assassinato e a investigadora que começou a trabalhar nesse caso procurou um investigador chamado Nap em outra cidade, porque esse investigador, há algum tempo, colocou na base de dados da polícia as digitais que foram encontradas na cena do crime.

As digitais eram de Maura, uma ex-namorada do Nap, que estava sumida há alguns anos e a pessoa que morreu era Rex, um amigo da época de escola.

Teoricamente, o crime foi um assassinato cometido por um homem que estava acompanhado de Maura, que depois de ter feito o serviço, desapareceu.

Aqui é que vem o problema do livro, porque ao invés de investigar o assassinato do amigo e o possível envolvimento da ex-namorada no caso, o Nap resolve reabrir um caso de sua infância, que já estava encerrado, onde seu irmão gêmeo, Léo e a namorada, Diana, morreram atropelados por um trem. 

Na época, as investigações apontaram para um descuido movido à álcool e drogas, ou um suicídio duplo.

Acontece que Léo, na adolescência tinha um clube secreto de amigos, onde tanto a Maura, quanto o Rex, faziam parte. E isso foi suficiente para o Nap partir para esse lado da investigação.

Na cidade deles tinha uma base secreta do governo, que ninguém sabia ao certo do que se tratava. Todos fofocavam que era coisa da CIA. Diziam que era para fabricar armas nucleares, fazer contato com extraterrestres, ou que era apenas uma base científica ligada à agricultura. Léo e seu clube secreto, eram intrigados com essa base, e queriam a todo custo descobrir para o que ela servia. Até que um dia, eles foram à noite bisbilhotar essa base, e na manhã seguinte Léo e Diana apareceram mortos.

O suspense aumenta, porque assim que Nap começa a investigar esse passado, outros membros do clube secreto de seu irmão começaram a morrer misteriosamente.

O livro é bom? Sim... é bom. 

Ele prende o leitor do início ao fim, e no fim, como sempre nos livros do Harlan Coben, nas derradeiras páginas, ele desvenda o mistério, trazendo como culpado, uma personagem acima de qualquer suspeita.

O que me incomodou foi o ponto de partida para a investigação, que só fez sentido na cabeça do Harlan e do Nap. Inclusive, alguns personagens falam isso para o detetive!

Só ele via algum sentido no que estava investigando e por vezes, até ele duvidou se estava no caminho certo.

De 0 a 10, a minha nota para esse livro é 7. A menor nota que já dei para um livro do Harlan. Mas como disse, o livro é bom e diverte.

Se a gente não ligar para as incongruências, o livro é perfeito.