segunda-feira, 3 de novembro de 2025

Borracharia Brás Cubas


— Interessante o nome da borracharia do senhor. 
— É... — respondeu o borracheiro sem olhar pra mim.
— Borracharia Brás Cubas, — continuei intrigado — como foi que o senhor chegou nesse nome?
O borracheiro retirou o pneu furado e o colocou no chão, depois começou a desmontá-lo e, ainda sem olhar pra mim, respondeu:
— É que eu sou comunista.
— Comunista? Como assim? Não entendi.
— Uai, comunista. O doutor não sabe o que é comunista?
Pelo tom áspero de sua voz, me pareceu que o borracheiro não gostou muito das minhas perguntas, mesmo assim, resolvi continuar perguntando:
— Eu sei o que é comunista, mas o que tem a ver o nome Brás Cubas e o comunismo?
— Me desculpe doutor, — falou o borracheiro se levantando com a câmara de ar na mão e se dirigindo até uma bancada — mas é só o senhor pensar um pouquinho. Brás Cubas é o ajuntamento de Brasil e Cuba.
“Meu Deus! — pensei surpreso. — Eu aqui achando que o borracheiro era uma pessoa culta e ele me vem com uma ideia dessas.”
— O senhor é doutor mais não sabe de algumas coisas que nós aqui da periferia sabemos. — desafiou o borracheiro, agora parecendo empolgado com o assunto.
— Ah é? E o que o senhor entende de comunismo?
— Entendo muito mais do que o senhor acha que eu entendo. Eu sigo as ideias de Raul... Saiba o senhor, que o Raul foi um grande pensador comunista.
— Raul? Que Raul? — perguntei cada vez mais surpreso. — O Raul Castro, irmão do Fidel Castro?
— Não meu amigo, — caçoou o borracheiro com um sorriso de conto de boca, expressando desdém pela minha pessoa — o Raul Seixas!
— Raul Seixas???
— Isso mesmo doutor; Raul Seixas. Da sociedade alternativa, do novo Aeon, quem não tem colírio usa óculos escuros! O senhor não entende as mensagens? O Zé entendeu.
— Zé? Que Zé? O Zé Dirceu?
— Não doutor. O Zé Ramalho!
— Zé Ramalho????
— Isso doutor! Nós vivemos uma vida de gado. — anunciou o borracheiro olhando para o além como se fizesse um discurso para uma multidão. —  Zé toca Raul! Um dia a sociedade alternativa vai descer no nosso planeta e a gente vai pra outra galáxia.
— A gente quem? Eu e você?
— Não doutor. — respondeu o borracheiro balançando a cabeça. — Tá na Bíblia! O senhor lê a Bíblia? Pessoas assim como o senhor, que acham que sabem de tudo não vão! Só nós... Os puros de coração é que vamos ser arrebatados! Pessoas que acham que sabem tudo são arrogantes. 
— Arrogantes não vão ser arrebatados? — perguntei maliciosamente.
— Não doutor! — respondeu o borracheiro apontando o dedo para mim. — Mas tem uma salvação pro senhor.
— Ah é... Ufa! E qual é a minha salvação?
— A metamorfose ambulante.
— O que?
— A metamorfose ambulante! Se o senhor preferir ser a metamorfose ambulante, ao invés de ter essa sua velha opinião formada sobre tudo; quem sabe o senhor não vai também.
Não sei como e nem por quê, mas essa última resposta do borracheiro me acertou feito um soco no estômago. Tanto, que depois dela eu resolvi me calar e saí de lado, fingindo que falava ao telefone, esperando-o terminar o serviço.
Eu saí da borracharia Brás Cubas diferente. Meu intelecto me dizia que as coisas que o borracheiro falou, eram coisas malucas e sem nexo, que só poderiam existir na cabeça de um lunático, mas uma pulga ficou atrás da minha orelha. Será que querer sempre dar uma de intelectual, e brigar para ter razão em tudo, não nos transforma em pessoas arrogantes? 
Aquele maluco me deu uma lição. Acho que vou preferir a metamorfose ambulante, a partir de hoje. Vai que a nave me esquece no dia do arrebatamento...


12 comentários:

  1. Boa tarde André,

    que crônica maravilhosa!
    Entre Brás Cubas e Raul Seixas, o borracheiro vira filósofo e dá uma lição de humildade ao “doutor”. O final é um soco suave ser uma metamorfose ambulante é mesmo o caminho da sabedoria.

    Fernanda

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    1. Fernanda.

      Um filósofo meio às avessas, mas é um filósofo.
      Kkkkkkkkk.

      Obrigado pela visita!!

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  2. Olá, André,
    Então doutor, rs , eu também prefiro a metamorfose ambulante. É, de longe, o melhor caminho a seguir. Esse povo anda tão bitolado, tão cheio "das" razão, que até me dá preguiça de argumentar sobre um assunto qualquer.
    Ótima crônica, gostei muito.
    Bjs, marli

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    1. Marli.
      Que bom que veio.
      Sabe que eu sou uma metamorfose ambulante. Minhas ideias e ideais já mudaram várias vezes.
      Tenho dó daqueles irredutíveis, que não vêem que a vida vive e se transforma.

      Um abraço!

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  3. Rapaz, pega o contato desse borracheiro, o cara é um visionário!! Olha as conexões ocultas que ele achou, só quem consegue ver é quem consegue tirar os óculos da obstinação prepotente das coisas incausadas no reportório galáctico da nova era de aquário!
    Adorei.

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    1. Dudualdo.

      Sabia que iria gostar. Essa crônica é a nossa cara.
      Kkkkkkkkkkkkk.

      Um abraço, amigo!

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  4. Hahaha Que legal André, que crônica incrível, leve, um diálogo fora de série com o borracheiro que está acima de seu tempo. Também é óbvio, se tem como guru o Raul Seixas não tem pra ninguém...rsrs
    Aproveito para desejar um ótimo início de mês de novembro... Já estou percebendo no ar, uma certa correria de final de ano e isso me incomoda um pouco...As pessoas ficam bitoladas e malucas, mas nenhuma delas com o bom senso do borracheiro!
    Fica bem!! :))))

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    1. Adriana.
      Eu fiquei pensanndo: O que a Adriana vai achar dessa crônica.
      Kkkkkkkkk. Normalmente ela acha que sou meio maluco.
      É mesmo, Dri. No final de ano as pessoas querem fazer o que não fizeram o ano inteiro, inclusive, dar o amor e atenção que não deram aos filhos, maridos, esposas, mães, pais, irmãos...

      Um abraço minha amiga!

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  5. Era só o que faltava mesmo. "Não tenha conhecimento, pois isso pode agredir quem prefere a ignorância!"
    Sabe o que você me fez lembrar, com esse comportamento do borracheiro? O livro que li, do Jack London, A Praga Escarlate. O velho contava aos netos como sobreviveu à Praga que devastou o mundo e agora eles sobreviviam literalmente sem nada em um mundo pós apocalíptico. Os netos eram muito ignorantes, então eles debochavam das coisinhas obvias que o velho dizia.
    Acho que vou falar sobre ele no meu blog.

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    1. Achei interessante a sua leitura do texto.
      Mas na verdade, ele retrata apenas uma conversa de um senhor lunático, que acredita em coisas inexistentes, ou no mínimo alternativas, com outro que procurou medir a intelectualidade desse maluco.
      Que se viu intrigado pelo nome da borracharia, porqeu na visão dele, um borracheiro não poderia ter coilocado aquele nome.
      No final, mesmo sendo divagações por parte do borracheiro, a conversa mexeu com o íntimo intelectual do "doutor."
      Mas entendi o seu ponto de vista.
      Um abraço!!!

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  6. Muito bom.
    Lembrei-me logo do novo livro que comprei recentemente: "Correio Mercantil de Brás Cubas", de Pedro Almeida Vieira, crónicas mordazes da sociedade portuguesa actual. Brás Cubas, o eterno personagem de Machado de Assis.

    Abraço.

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    1. Olá Fá.
      Brás Cubas é um personagem tão bom, que até parece real.
      Um abraço!

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