quinta-feira, 30 de outubro de 2025

As rua engole



 

Ele tava no corre.
Entregava marmita, Ifood, pagava boleto nos banco e fazia uns bico de moto-taxi.
Ele já não era mais moleque. Tinha trinta e pouco.
Mas depois que a firma faliu ele teve que se virá, porque tinha que pagá a pensão da menina e ajudá cas conta da casa da ex-mulher.
Ele tentô otros trampo, mas ninguém tava contratâno.
Mandô currículo, conversô, mas as porta tava fechada.
No começo ele estranhô.
A vida nas rua é diferente.
Conheceu uns mano do corre.
Uns só trabalhava mêmo.
Otros fumava uns baseado pra passá o tempo, enquanto esperava as corrida dos aplicativo.
Outros fazia uns aviãozinho pro tráfico.
Isso ele nunca fez.
Ele começô a comer marmita entre um corre e outro.
Depois ele começô, — quando dava — comer uns salgado.
Depois só tomava café e fumava um baseado junto com os mano.
Mas ele não era desse tipo. 
Não era bruto.
Não precisava entrá na onda dos irmão errado.
De vez em quando ele lembrava que tava com fome.
Trabalhava desde cedo até as onze da noite.
A moto de vez em quando furava o pneu e ele de vez em quando passava mal.
De vez em quando ele vomitava.
Um dia vomitô sangue.
Sentia tontura.
Quando sentia tontura ele comia um doce ou tomava café.
Os dia foram ficano ruim pra ele.
Pediu dinheiro emprestado pruns cara errado.
Pagô, mas levou um pau uns dia antes, porque tava atrasado.
O médico disse que a pressão dele tava muito alta.
Disse que tava desnutrido e com falta de várias vitamina.
O médico disse que ele tava com infecção na urina. Acho que é assim que fala.
Disse que era magro demais, e que mesmo assim a diabete tava quase pegano ele.
Acho que era um lance de hormônio e falta de dá umas dormida.
Ele só pensava no corre.
Parece que a rua engoliu ele.
As rua não é fácil...
Eu até acho que ele tava com pobrema de cabeça.
Podia sê a canceira.
De vez em quando ele falava do trabalho antigo.
Da ex-mulher.
Da filha...
Chorava.
Mas não podia pará de fazê as coisa.
Os corre loco das rua.
Ele tinha que pagá a pensão em dia, senão a Maria mandava os home atrás dele.
Um mês ele atrasô.
Dormiu na cadeia três dia.
Até os mano do corre se juntá e ir lá tirá ele.
Pagaro a pensão e ele foi liberado.
Hoje ele tava locão! Foi entregá quatro café da manhã, foi pagá boleto em cinco banco, depois foi entregá várias marmita, e quando encostô pra trocá ideia co's mano do corre, as três da tarde, ele disse que tudo tava ficano preto.
Deu tontura.
Uma sede que ele não aguentava.
Bebeu quase um litro d'agua.
Caiu duro no farol.
Um cara chamou o SAMU.
Mas não deu mais tempo.
Agora ele não tá mais no corre.
Acabô.
Foi conhecê Jesuis... 


terça-feira, 28 de outubro de 2025

Xadrez

 



 

— Bom Dia!
— Bom dia!
— O senhor poderia responder uma rápida pesquisa que estou fazendo?
— Que pesquisa?
— A diferença de oportunidades na sociedade brasileira em relação à raça e classe social.
— Nossa! Que bacana! Posso sim.
— Qual a sua cor?
— Como?
—Sua cor? Negro, branco, amarelo, pardo?
— Uai? A senhora não está me vendo aqui?
— Eu estou vendo, mas o senhor tem que declarar a sua cor.
— Eu acho que sou pardo.
— Por quê?
— Porque sou moreno, bem moreno.
— Seu pai era negro?
— Não… na verdade meus avós paternos vieram já casados lá de Portugal, minha avó materna era italiana e meu avó materno era bem pardo, mais escuro do que eu, mas não era negro.
— Então vou marcar aqui que você é pardo.
— Isso a gente pode ver só de olhar pra mim.
— Eu sei, mas a gente tem que chegar nessa conclusão depois de investigar direito, a nossa metodologia é científica.
— Ah tá… Legal!
— Qual seu grau de escolaridade?
— Estou na faculdade.
— Certo, então vou marcar aqui branco.
— Branco? Mas eu não sou pardo?
— É pardo, mas com esse grau de escolaridade é branco.
— Como assim?
— Nossa pesquisa é científica, baseada na escola Juliana francesa inspirada na metodologia de Frankfurt da Alemanha.
— Ah… Desculpa! Então deve ser coisa séria.
— Lógico que é séria. Posso continuar?
— Pode, uai.
— O senhor tem casa própria?
— Não, moro de aluguel.
— Então é negro.
— Negro? Mas... dona? Eu não era pardo e depois branco?
— Mas nesse quesito o senhor é negro!
— Aiaiaiaiai, vai dona; continua…
— Que tipo de música o senhor gosta?
— Rock, eu sou roqueiro.
— Ah… Branco…
— Branco?
— Isso, porque quem gosta de rock é branco! Negro gosta de pagode e axé…
— Dona, de onde é esse seu método científico mesmo?
— Escola Juliana francesa inspirada na metodologia de Frankfurt na Alemanha.
— E essa sua pesquisa é pra quem?
— Para um jornal e uma TV, que agora não posso revelar.
— Hummmm.
— Continuando: Que tipo de comida é a sua preferida?
— Feijoada.
— Negro.
— De novo?
— Com que regularidade o senhor come feijoada?
— Umas duas ou três vezes no ano.
— E que tipo de comida o senhor mais come na sua casa?
— Arroz, feijão, carne, legumes e salada.
— Branco.
— Branco?
— Comida balanceada é de branco, mas vou colocar uma observação de subnutrição negra.
— Subnutrição negra!?
— Sim...
— Mas por quê?
— Porque o senhor come feijoada só duas ou três vezes no ano.
— Mas subnutrição? Olha o tamanho da minha barriga!
— Isso não importa na nossa metodologia científica.
— O senhor disse que gosta de rock.
— Disse e por isso a senhora me disse que sou branco.
— Certo! Aí, já está entendendo. Mas me diga, com qual frequência o senhor vai aos grandes shows de rock, tipo Lollapalooza, Rock in Rio, João Rock...?
— Nunca fui.
— Negro.
— Uai, mas quem gosta de rock na sua metodologia não é branco?
— É, mas quem não tem direito à cultura é negro.
— Olha dona, essa sua pesquisa é furada! Me desculpe, mas segundo a senhora eu sou pardo, branco e negro, dependendo da ocasião e isso não está certo!
— É a metodologia…
— Metodologia furada e ridícula! Eu não vou mais responder isso não!
— Branco!
— Como? 
 — Pessoas avessas a pesquisas sociais são brancas.

 


sexta-feira, 24 de outubro de 2025

Eles


Eles falam.
Cantam.
Combinam coisas.
Dançam.
Eles são eles quando estão com eles.
Eles são os outros quando não estão com eles.
Contra os outros, eles falam.
Cantam... 
Combinam coisas.
Mas não dançam.
Eles matam.


quarta-feira, 22 de outubro de 2025

Ele


Ele fez tudo.
Fez em sete dias.
Ele disse como era o jogo.
Coube a nós jogarmos.
Se jogarmos bem... Aplausos!
Se jogarmos mal... O mau...


segunda-feira, 20 de outubro de 2025

Eu


Eu andei por aí.
Corri atrás de nada por muito tempo.
Perdi tempo.
Não encontrei o que queria. 
Aliás...
O que eu queria?


sexta-feira, 17 de outubro de 2025

Nós


Do pó viemos e para o pó voltaremos.
Mas enquanto esse dia não chega...
Subimos em nossos saltos e apontamos os nossos dedos.
Somos bons em julgamento.
Excelentes em condenar.
Condenamos por qualquer motivo.
Até sem motivo.
Condenamos por atitudes que vemos nos outros.
Mas que somos mestres em fazer igual.
Talvez pior.


terça-feira, 14 de outubro de 2025

A história dos nomes apagados.


Meu tataravô, cujo nome eu não sei, veio da Itália.
Ele se estabeleceu em uma fazenda em Jaborandi.
Ali nasceu meu bisavô, que também não sei o nome.
Ele se mudou para Barretos e aqui nasceu meu avô Caetano.
Meu pai que se chamava Crisógno, nasceu em Barretos e viveu muito tempo em São Paulo, onde eu nasci.
Eu me chamo André.
Meu pai voltou para Barretos. Eu vim com ele.
Meu pai fez uma casa e comprou um terreno ao lado.
Eu construí a minha casa nesse terreno.
Meu filho se chama Samuel.
Ele um dia vai herdar a casa do meu pai e a minha.
Não sei se o Samuel se lembra do nome do meu pai.
Meu neto, que talvez saiba meu nome, um dia vai herdar tudo isso do Samuel e talvez, mais alguma coisa que ele construa, se tudo correr bem.
Meu bisneto, talvez saiba o nome do Samuel, mas seus filhos, certamente não saberão.
Por isso eu digo... Será que nós somos tão importantes e inesquecíveis assim como achamos que somos?



quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Pequeno manual prático, para poder viajar feliz



 
Você tem que nascer, tem que crescer, estudar, brincar, adolescer, aprender a amar, aprender a trabalhar, continuar a estudar.
Você não pode magoar ninguém, não se magoar com ninguém, ser inteligente, interessante, descolado, casual — uma pessoa legal.
Você tem que orar, rezar, batizar, crismar (ou não), ir à missa, ir ao culto, acreditar em Deus, acreditar na vida, nas pessoas e no coração das pessoas.
Você tem que acreditar nos políticos, nos patrões e nos padrões.
Padrões da vida, da moda, do pensamento, do momento, das gerações.
Tem que entender o culto ao corpo, o culto ao "ter" e mesmo entendendo, você tem que tentar ser... antes de ter!
Você tem que plantar uma arvore, fazer uma casa, escrever um livro, adotar um animalzinho, um cãozinho ou um gatinho, tem que ser gentil, sorrir, falar bom dia, boa tarde, boa noite, durma com Deus!
Falar "saúde", quando alguém espirrar perto de você, e falar obrigado se alguém falar "saúde" quando você espirrar.
Você tem que ser competitivo, tem que dar lucro, tem que se adequar aos padrões da empresa, tem que faturar em prol do grupo.
Você tem que vestir as camisas: do seu serviço, da sua família, do casal, do bairro, da cidade, do país...
Você tem que ir a palestras motivacionais, pois apesar de todas serem iguais sempre alguma coisa é diferente e você tem que se diferenciar.
Você tem que se emocionar com pequenos gestos, tem que fazer grandes gestos, tem que entender pequenos problemas e resolver os grandes sem se descontrolar!
Você tem que se manter “zen” ...
Se alimentar direitinho, de 3 em e horas no máximo, não comer muito carboidrato à noite e beber pelo menos 2 litros d'agua por dia!
Você não pode se embriagar, não pode brigar, não pode discutir, não pode partir para a agressão, nem verbal e nem física. Você tem que ser gentil mesmo onde não cabe a gentileza, você tem que ser sábio mesmo nas horas de burrice em meio aos burros.
Você tem que viver feliz, ser feliz, fazer os outros felizes, seus pais, irmãos, amigos, parentes, conhecidos e desconhecidos...
Você tem que envelhecer feliz e viver bem. Amar seus pais e fazê-los orgulhosos de você existir, amar seus filhos e fazê-los orgulhosos de serem seus filhos, amar seu cônjuge e fazê-lo orgulhoso de ser seu cônjuge.
Essa é uma fórmula muito simplificada do que você tem que ser, conquistar e viver, mas no final de tudo, quando você for viajar daqui pra sempre, no final da sua vida, existem ainda mais duas coisinhas que são muitíssimo importantes e que você não vai poder se esquecer de fazer:
Não esperar reconhecimento de ninguém e morrer...



segunda-feira, 6 de outubro de 2025

Padaria Dornele's

 

— Vamos comer pizza na padaria do Dorneles?
— Ixi, Carla... O Dorneles é chato pra caramba.
— É mesmo, Carlinha, — concordou Marcos colocando a mochila cheia de cadernos nas costas — ninguém merece aquela cara dele.
— Eu sei gente, — insistiu a menina fazendo charme — mas a pizza e os salgados de lá são top.
— Os salgados são bons mesmo, mas o Dorneles é dose pra elefante.
— Ah gente... Vamos lá!
— Bom, — ponderou Toninho ajeitando os óculos — se você quer tanto, a gente vai, né...
— Eu sabia que poderia contar com vocês! Eu tô morrendo de vontade de comer pizza de frango com catupiri.
Os amigos entraram na padaria e escolheram uma mesa perto da porta. Toninho colocou sua mochila em uma das cadeiras e foi encarar seu Dorneles, que estava de pé atrás do balcão.
— Oi seu Dorneles! — disse mostrando um sorriso falso. — Bom dia!
— Dia... 
O rapaz, sem ligar para a resposta mal educada, olhou para a estufa em cima do balcão. Examinou os salgados e perguntou:
— O senhor tem pizza de frango com catupiri?
— Não, só fazemos de quatro queijos e calabresa.
— Mas o senhor fazia...
— Fazia. Disse bem.
— Mas se a gente pedir o senhor faz pra nós três? — perguntou apontando para a mesa onde estavam seus dois amigos.
— Quatro queijos e calabresa.
— Uai? — estranhou Toninho. — Por que isso?
— Porque aqui não é uma pizzaria, aqui é uma padaria que faz pizzas para colocar na estufa. E pizza de frango na estufa, resseca e ninguém compra.
— Ah... Tá... Mas, o senhor faz os salgados e pizzas o dia todo né?
— Fazemos.
— Tem coxinha de frango com catupiri?
— Coxinha, tem.
— Deixa eu perguntar, — falou o rapaz, já sacando que o dono da padaria, além de chato, não parecia estar num de seus melhores dias. — O senhor faz quatro coxinhas de frango com catupiri e assa uma pizza de calabresa pra gente.
— Tem aí na estufa.
— Não, — retrucou Toninho tentando ser gentil — eu queria dessas que o senhor faz na hora. Pode ser?
— Se vocês quiserem a gente faz.
— Então... Mas eu queria a coxinha sem a massa, e a pizza sem a calabresa.
— Não estou entendendo.
— O senhor tem as massas e os recheios todos prontos, não tem?
— Temos sim.
— Então. O senhor pega a massa da pizza, coloca o recheio da coxinha em cima dela, espalha bem e assa. Pode ser?
— Mas eu vou cobrar quatro coxinhas e uma pizza de calabresa.
— Tudo bem, — respondeu Toninho fazendo mais uma carinha simpática.
— E o que faço com a massa da coxinha e a calabresa?
— O que o senhor quiser, — respondeu o rapaz, pensando em um lugar bem específico para ele colocar a massa e a calabresa, mas só sorriu.
— Então está bem. — respondeu Dorneles esboçando um sorriso e pensando em como aquele menino era bobo. — Vou fazer as coxinhas e a pizza pra vocês.
— Obrigado, — agradeceu Toninho — espalha bem o recheio da coxinha na massa da pizza e capricha no catupiri.



quarta-feira, 1 de outubro de 2025

Até parece gente...

 

No Zoológico de Burirama,
um chimpanzé rolava na lama.
Sorrindo com todos os dentes,
para uma pessoa contente.

O gorila encabulado,
assistia as micagens assustado,
e perguntou para o colega do lado,
que também assistia passado:

— Esse aí, nem parece inteligente.
— Pois é, de tão bobo, até parece gente.
— E dizem que viemos do mesmo ancestral.
— Conversa fiada do Darwin... aquele animal.