Ele a usou quando se casou com minha mãe.
Uma abotoadura banhada em ouro, com um enfeite de marfim.
Um dia esse ouro foi encontrado na barranca de um rio.
Estava em estado bruto.
O garimpeiro o separou da areia e colocou em um saquinho que guardava em seu bolso.
Ele não mostrava para os outros garimpeiros, porque poderia morrer na próxima curva do rio, e seu corpo nunca mais seria encontrado.
Mais fácil encontrar mais ouro.
Na mineradora, os trabalhadores retiraram uma rocha enorme de minério de ferro.
Esse minério de ferro foi vendido para uma siderúrgica.
A siderúrgica beneficiou esse minério e fabricou lingotes de ferro.
Vários metalúrgicos trabalharam nesse beneficiamento.
Alguns morreram no trabalho.
Mexer com forja, calor excessivo, ferro líquido, é muito perigoso...
Os lingotes de ferro foram vendidos para várias empresas.
Um caçador na África matou um elefante e arrancou o marfim.
O contrabandista de marfim vendeu uma carga escondida no meio de toras de madeira, passando pelo Congo até chegar em Moçambique.
De Moçambique esse marfim chegou até a China e também à Europa.
Na Europa — artistas — trabalharam esse marfim e venderam para empresas de joias.
Uma fábrica de abotoaduras comprou lingotes de ferro, ouro e marfim.
Um artesão fez a abotoadura de forma quase manual e artesanal.
O ourives banhou com ouro.
O designer, que na época não devia ter esse nome, colocou um enfeite de marfim e deu o acabamento.
Esse fabricante vendeu as abotoaduras para várias distribuidoras.
Uma dessas distribuidoras vendeu para uma joalheria.
Meu pai comprou.
Isso tem mais ou menos 60 anos.
Hoje eu peguei a abotoadura na mão...
Que fim levou o garimpeiro?
A mineradora ainda existe?
Elefantes? Até quando existirão?
A joalheria? Existe?
Quem era o joalheiro?
Quem era o vendedor da joalheria?
O ourives, o artesão, o designer...
Meu pai? Será que seu espírito está onde?
Hoje eu encontrei uma abotoadura que um dia, meu pai me deu.
Ou será que foi minha mãe?
— Guarde bem guardado! Você pode usar quando se casar. É uma homenagem ao seu pai.
Usei mesmo...
Hoje, então, eu encontrei uma abotoadura que era do meu pai, mas que ganhei da minha mãe.
E sabe...
Um dia, todos nós seremos como o garimpeiro.
Nossa André, aqui se buscou a origem de tudo e eu fiquei assustada como as coisas são confeccionadas, beneficiadas à custa até de muito sofrimento alheio e quiçá a morte ( do garimpeiro e do elefante). E isso há mais de 60 anos quando seu pai comprou a peça...Até uma abotoadura chegar às mãos de seu pai, as peças de composição do mesmo percorreram o mundo...Eu até então, nunca tinha refletido sobre isso....
ResponderExcluirÉ uma reflexão muito poderosa amigo, sinceramente você tem umas ideias que não compreendo como angaria, simplesmente matuta aí na sua fértil cabeça e elabora um texto supimpa! Parabéns!!!
Antes eu imaginava como os produtos provenientes da China aqui chegavam à custa de um labor praticamente escravo, pois os trabalhadores chineses ficavam nas fábricas em uma jornada extenuante para ganhar um salário baixíssimo. Atualmente creio que isso tenha mudado, pois a China tornou-se uma grande potência mundial e o que chega aqui no Brasil agora são carros chineses extremamente tecnológicos... E como será que as fábricas de automóveis da China tratam seus colaboradores atualmente? Agora fiquei sem saber....Será que são os robôs que assumiram o trabalho pesado?
Mas a culpa é sua que com o seu texto me faz viajar para muito longe...rsrs
Maravilhosa semana amigo!!
ResponderExcluirPodemos ser o início de um longo processo que um dia, acabará resultando em uma abotoadura.
Que fim levará a abotoadura?
Bah,que lindo achado cheio de boas memórias e tanto a contar se pudesse falar... Saber de toda história, de tudo ,de todos. Instigante pensar! Adorei! abraçao praiano, chica
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