sábado, 7 de setembro de 2024

Amigos de rua

 



Ele acordou, suas costas estavam doendo pelo mal jeito que foi dormir naquele banco. Por mais que forrasse o banco com jornal e papelão para improvisar um colchão, as suas costas estavam lhe matando.

Seus dois cachorros, acostumados a dormir ao seu lado, estavam de guarda nos seus pés, esperando que ele acordasse. O sol já vinha nascendo e os primeiros raios ajudavam a esquentar seu corpo franzinho e debilitado.

"Puxa vida... Como esfria no nascer do dia." — pensou se sentando e esfregando os olhos com as costas das mãos.

Depois de espreguiçar, dobrou seus trapos que servem de cobertor e guardou junto com os jornais, colocando-os dentro da carrocinha que usa para catar latinhas e plásticos recicláveis pela cidade.

"Vou guardar esses jornais aqui, porque eles quebram um galhão à noite."

Seus dois companheiros desceram do banco e ficaram em sua frente balançando o rabo à espera de um afago. Esse era o melhor bom dia que ele poderia ter, e todos os dias ele se repetia, sempre com todo o carinho que ele poderia ganhar e retribuir.

Depois do bom dia canino, ele sorriu, e foi até a fonte da praça dar uma lavada no rosto e nas mãos, para depois voltar ao banco e abrir seu saco de pão com mortadela, que cuidadosamente havia guardado debaixo de seu travesseiro, para que no outro dia cedo servisse de café da manhã.

— Pitoco, Juquinha, venham aqui! — falou ele chamando seus dois amigos. — Olha, hoje só tem esses dois pães aqui, então eu vou dividir um entre vocês dois que são pequenos, e vou comer um inteiro. Vocês sabem que eu tô numa tosse dos infernos e tenho que comer um pouco mais senão não eu num guênto!

Os dois cachorros pararam em sua frente novamente e ficaram esperando o café da manhã. Então, ele dividiu um dos pães com os dois e começou a comer o outro. Dalí um pouco ele separou mais um pedaço agora de seu pão e falou novamente:

— Toma vai... Seus dois gulosos, ficam aí me olhando com essa cara de pidão...

Depois do pão, ele pegou um resto de guaraná que estava no fundo de uma latinha, colocou na boca, fez uns gargarejos e engoliu. Depois ajeitou sua roupa, passou seu pente banguela no cabelo, e colocou seu boné de propaganda eleitoral da eleição passada.

Em seguida saíram os três, andando juntos pelas ruas da cidade.

Ele tinha que procurar nas latas de lixo do calçadão, e ver se coletava alguma coisa que lhes garantisse o almoço.

Para ele era assim, a noite era seu quarto, o dia era seu escritório, as latas de lixo eram seu estoque de mercadorias e seu mercado. Ele tinha que ganhar o próximo pão. Sua vida era para ser vivida, para ele e para os seus amigos, que alegres, o seguiam pela cidade, sem protestar em viver daquela forma. Porque eles eram amigos... Amigos sinceros. Amigos de rua, e por toda a vida.

 

Esse texto é bem antigo, e por incrível que pareça, ele foi o que me inspirou a escrever meu segundo livro, que é a história da investigação de um sequestro de uma garotinha de 12 anos, filha de um servente de pedreiro e uma manicure.

Aqui esse personagem é um andarilho anônimo, no livro ele ganhou nome, sobrenome e foi um coadjuvante muito interessante e cativante. Inclusive o livro termina com ele. 





11 comentários:

  1. É impressionante e comovente ver esses homens que sem nada ter, carregam consigo amiguinhos de quatro patas e com eles diividem tudo o que têm... É triste a vida deles, mas um exemplo de amizade e respeito uns aos outros.

    Beleza de enredo para teu livro!

    abração, chica

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  2. Fala aí, Mansim!!
    Uma cena muito bem descrita que vemos muito em nossas ruas. Os cães são amigos de sempre, independente da situação.
    Já encomendei teu livro tem uns 3 dias, estou esperando chegar para ler e falar mal depois...

    Bom domingo.

    Hehhhh

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    1. Kkkkkkkkkkk! Não vai falar mal.
      Kkkkkkkkkkk. Se ler né? Porque o primeiro não leu.
      Seu malvado!

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    2. Como não, li também, ué.

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  3. Uma história bem atual, já que os sem abrigo continuam a dormir na rua ou, quando têm sorte, num lugar abrigado de um centro comercial ou de um metro.
    Gostei de ler. E percebo que esta história o tenha inspirado para o livro.
    Boa semana.
    Um abraço.

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    1. Olá amigo poeta!
      Infelizmente esse tipo de situação está muito longe de terminar.

      Um abraço!

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  4. Triste vida la de algunos, y quizás su corazón es tan grande y necesitan tan poco, que lo comparten, la trama para un libro es impresionante, la amistad entre los animales y los humanos...grandiosa
    Me ha gustado leerte
    Un abrazo

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    1. Olá Stella! Que bom te receber aqui.
      A amizade com os animais as vezes é mais sincera que com as pessoas.

      Um grande abraço. Tenha uma semana abençoada.

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  5. Oi Andre, a sua crônica é muito emocionante!
    Quantos rapazes estão nas ruas tentando sobreviver e o que eles tem de mais precioso, são os amigos caninos. Fico encantada!
    Aqui em Vitória, tem um senhor exatamente como descrito no seu conto. Ele perambula com seu carrinho repleto de papelão pela Praia de Camburi e o que mais chama a atenção, é que ele tem três cães e todos eles dormem confortavemente no carrinho, enquanto ele faz as manobras necessárias com o veículo de apenas duas rodas. Seja debaixo do sol forte, do frio ou da chuva, primeiro ele se preocupa se os seus filhos peludos estão bem acomodados e seguros.
    E já parabenizo por seu livro, deve ser incrível! Logo notei que era escritor no post que fez sobre os Ramones!!
    Maravilhosa semana!! :))))

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    1. Olá Adriana!
      Eu sempre noto essas pessoas que passam anônimas pelas ruas da cidade. O personagem andarilho é um personagem intrigante, porque a gente nunca sabe a bagagem que ele carrega.
      Eu já escrevi 2 romances policiais e participei de várias coletâneas.
      Meus livros estão disponíveis no site da Uiclap, ou em ebook na Amazon.

      Um abraço minha amiga!

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