Quando eu era
menino, mais ou menos com 10 anos, eu comecei a frequentar a biblioteca da
minha escola. Lá tinha uma moça, que ficava dando palpites sobre qual livro eu
deveria ler, e que depois de muito tempo eu descobri que ela não era "tia
da biblioteca", mas sim: A Bibliotecária.
Essa moça
indicava de qual estante da biblioteca eu deveria escolher o livro que iria
ler, e quando eu via um livro interessante em outra estante, ela dizia:
"Não André, essa estante ainda não é para você."
Com o passar
do tempo ela me dizia que agora eu poderia pular para a outra estante, porque
eu já estava no nível de me divertir com esses outros livros. E quando fazia
isso, ela sempre pegava um dos livros da nova estante e falava: "Você vai
começar por esse."
Eu me lembro
de que em algumas vezes eu a achava folgada; mas como eu sempre fui um menino
educado, eu lia todos que ela indicava.
Um dia quando
eu fui devolver um livro ela me disse que finalmente eu poderia escolher um
livro da prateleira: Literatura clássica europeia, e me deu um monstro de um
livro, de quase 600 páginas chamado; Os três mosqueteiros, de Alexandre Dumas.
— Você vai
começar por esse! — ela disse com um sorriso de canto de boca, enquanto marcava
na ficha dos empréstimos, anotando, 20 dias.
— Vinte dias?
Não... É pouco tempo.
— Não é não!
Eu sei que você consegue.
Essa moça
sabia das coisas. O livro era tão bom, tão empolgante, que eu li e entreguei
com dias de sobra. Os três mosqueteiros praticamente me sequestraram e eu não
conseguia parar de ler.
Quando
entreguei o livro na biblioteca eu perguntei para ela:
— Como a
senhora sabia que eu conseguiria ler em tão pouco tempo?
Aí ela me
disse uma coisa que eu nunca mais me esqueci:
— André, já
faz quatro anos que você vem aqui na biblioteca, e eu estou preparando você,
assim como faço com todos que se interessam pela leitura, para se encantarem e
terem os livros como amigos e não como um dever chato. — Ela se levantou
enquanto falava, foi até a estante e pegou um livro. — Por que eu faço isso?
Porque um livro muito bom, pode ser chato, se você não tiver bagagem
intelectual para entendê-lo. É por isso que umas pessoas amam algumas obras e
outras detestam. Mas coloque na sua cabeça, — ela continuou apontando para mim,
olhando por cima dos óculos — quando uma pessoa te disser que um livro clássico
é ruim, na verdade, essa pessoa não teve condições intelectuais de entender o
livro.
— A senhora
está dizendo que não tem livro clássico com história chata?
— Não é isso
que estou dizendo! — retificou ela me passando a caneta para assinar que estava
levando o próximo livro, que ela havia escolhido e que eu nem sabia qual era. —
O que estou te dizendo, é que mesmo que você não goste da história, todos os
livros clássicos, são livros que literariamente são acima da média. Enredo,
ritmo, desenvolvimento de personagens, narrativa, tudo o que tecnicamente
pode-se avaliar em um livro, o clássico é nota 10; portanto, não existe livro
clássico ruim.
O livro que
ela havia separado pra mim, era: A ilha do Tesouro, e tem uma crônica aqui no
blogue que fala só sobre ele, e sobre como a bibliotecária acertou mais uma
vez.
Agora, vamos
pular 40 anos à frente.
Um amigo meu,
promotor de justiça, literato, conhecedor e colecionador de livros. Dono de uma
biblioteca com mais de 3000 livros e gibis, que ele diz, ter lido todos mais de
uma vez, um dia me disse:
— André,
quando eu tinha mais ou menos 20 anos, eu li Dom Quixote e achei mais ou menos.
Depois, quando eu tinha mais ou menos 40 anos, eu li Dom Quixote novamente e
achei ótimo. Mas agora, semana passada, agora com 70 anos, eu li, Dom Quixote
novamente e vou te confessar uma coisa; quando eu terminei a leitura, eu fechei
o livro e chorei copiosamente durante uns 15 minutos. Esse é o melhor livro que
já li em toda a minha vida! E só agora eu tive bagagem intelectual para
entender.
"Olha só!
— eu pensei — A teoria da bibliotecária da minha infância sendo provada, depois
de tantos anos."
Rapaz, tu teve sorte. Na pré-adolescência eu não frequentava bibliotecas, onde eu morei elas não existam ou eram longe. Mas as escolas públicas da minha época sempre tinham uma biblioteca, por menor que fosse.
ResponderExcluirEu comecei a ler mesmo com os gibis, esses eu devorava. Não sei qual foi o primeiro livro que li e não tive nenhuma orientação do que lê em cada época, eu fui indo no tranco. Eu acho que o primeiro livro que eu tive curiosidade era um de educação sexual que minha mãe escondia na gaveta da sua penteadeira e eu descobri...claro que fui ler escondido. E nem era propriamente de educação sexual, era de como evitar filhos pelo método da tabelinha. Eu deveria ter uns 7 anos. Não entendi muita coisa mas achei as figuras legais.
Oi Dudu! Tive mesmo.
ExcluirTive uma professora na terceira e quarta séries, que comprou um livro por aluno, e a gente lia e trocava.
Lemos mais de 20 livros nesses anos.
Depois tive essa bibliotecária, na mesma escola.
Realmente foi uma época boa.
ah, e eu concordo com o seu amigo, Dom Quixote é o melhor livro já escrito, ouço dizer sem ter lido todos os outros...estou me programando para ler outra vez. Já falei com o Eduzin sobre Quixote e ele leu uma versão juvenil feita pelo Monteiro Lobato mas ainda não está no tempo...13 anos, falta ler muita coisa ainda.
ResponderExcluirAh, e ele já acabou de escrever o livro dele. Um livro meio de fantasia, meio de ação, meio de distopia, meio sei lá, entende? No arquivo está com 191 páginas. Pretendo mandar para a IUCLAP.
Corrige o livro do Dudualdinho, formata certinho. Corrige as incongruências, manda fazer uma capa bacana e manda lá pra Uiclap.
ExcluirDepois me manda o link.
Que legal!!! Deve estar feliz pelo seu filho.
já fizemos várias releituras e correções. Alguma dúvida mais forte de gramática, estamos pesquisando no google e também no GPT, é um bom auxílio. Aliás, acho que a profissão de revisor de livros estão com os dias contados. Pior, a profissão de escritor vai acabar também...já tem plataformas te pedindo uma ideia e deixa que a IA faz o livro...lamentável.
ExcluirQue isso...fiz dois comentários enormes e eles sumiram!!!!!
ResponderExcluirÉ um bug do blogue.
ExcluirEles macharam que era um spam.
Kkkkkkkkkk.
entendi, pelo menos estão aí...rss
ExcluirOi André fiquei encantada com a sabedoria da Bibliotecária. São personagens assim que fazem a diferença na vida da gente , como fez positivamente na sua. Por isso tornou-se um excelente escritor, apaixonado pela leitura e conhecedor de grandes obras literárias. Parabéns!!
ResponderExcluirO seu amigo Promotor também sabe das coisas. Fiquei impressionada com a narrativa da releitura da obra Dom Quixote que ele mencionou e que também farei em breve. Mas antes, vou reler o livro "O Nome da Rosa "de Humberto Eco, para saber se agora eu tenho capacidade de compreender melhor a obra...Quando li, há mais de 30 anos, achei tão maçante, com descrições prolongadas que detestei. Agora já é hora de retomar uma série de obras "incompreendidas". Mas tem um problema: E se eu ainda não tiver a bagagem intelectual necessária? rsrs Ichi, aí fica difícil não é? rsrs
Adorei tudo isso!! Grata amigo!!
Aproveito para desejar um ótimo feriado!!! :))))
Olá, Adriana!
ExcluirEu também sou encantado com ela. Inclusive, acho que ela foi muito importante na minha vida.
infelizmente, muitas pessoas que trabalham com educação, apenas empurram com a barriga.
Um abraço, minha amiga!
Lindo texto meu amigo! Conversamos hoje sobre. Obrigado por compartilhar conhecimento. Forte abraço!
ResponderExcluirVerdade, Marcelo.
ExcluirSua profissão é linda.
Olá, André!
ResponderExcluirLi desde que fui alfabetizada.
Aliás, tenho meus dois primeiros livros presenteados pelo meu padrinho, datados da década se 60...
Ele me deu toda biblioteca dele, há um tempo. 350 livros. Está com 90 anos...
D. Quixote dentro da biblioteca.
Gosto muito de ler.
Tenha uma nova semana abençoada!
Abraços fraternos de paz
Que bacana Roselia! Esse foi um tesouro que seu padrinho te deu.
ExcluirTotalmente de acordo, cada livro tem um nível mínimo de conhecimentos que é necessário ter.
ResponderExcluirEu não tive a mesma sorte, não tive qualquer apoio e, por isso, o meu percurso de leitura foi errático, lia tudo a que podia deitar a mão, incluindo jornais, a partir da 2ª classe. Mas faço releituras de vez em quando e acontece-me o mesmo que ao seu amigo.
Um post muito interessante, gostei de ler.
Boa semana caro André.
Um abraço.
Olá Jaime!
ExcluirQuando temos algupem que nos oriente é sempre mais fácil mesmo. Ainda bem que tive isso.
Apesar de que existem pessoas que nem com um bom empurrão, conseguem pegar gosto pela literatura.
Obrigado pela visita!
Um abraço.
Ei Andre!
ResponderExcluirMe publicação mais gostoso.
Me vi como você menino,
mas também como a Tia da Biblioteca,
e mais maravilhosamente ainda
me vejo como seu amigo!
Eu sempre frequentei Bibliotecas,
sempre tive fome de ler. E sempre
que pude na vida adulta eu indiquei
livros e direcionei para a leitura
pessoas fossem:
crianças, adolescentes,
jovens ou adultos.
Mas agora depois dos 6.0
de idade reencontrei títulos classicos
e me senti exatamente como a Tia
da Biblioteca falou pra você e como
seu amigo se sente. E Dom Quixote
causou em mim exatamente a mesma
emoção que causou em seu amigo!
Mas Maquiavel me causou impacto.
Porém o que me faz até hoje parar e
relembrar é o Victor Hugo
com Os Miseráveis. Tenho uma linda
historia com Ele e com Meu Filho mais velho.
e já contei em uma publicação.
Sem contar que em casa no
Rio, tivemos uma Biblioteca de apoio
aos estudantes do nosso Bairro.
Hoje leio papel, digital lido e ouvido.
Ler é o meu grande trunfo nessa vida.
Amei mais essa sua publicação.
Bjins
CatiahôAlc.
entre sonhos e delírios
Eu quero ler os Miseráveis. Estou me preparando pra isso.
ExcluirTenho certeza que à primeira leitura posso não captar toda a grandiosidade da obra, por isso tenho que ler já, pra daqui a alguns anos, ler novamente.
Um abraço minha amiga!