sexta-feira, 22 de abril de 2016

Virgem Maria - parte 6




Os cem metros daquele corredor pareciam os cem metros mais compridos que seu Armando e Miguel já haviam percorrido, no caminho eles passaram em frente várias celas e viram muitos rostos famintos, sofridos, com doenças e muita sujeira, na cela não havia água pra banho, havia apenas uma pedra com uma esteira de palha que servia de colchão e um penico que servia de latrina, as pesadas grades fechavam aquelas celas como se elas fossem túmulos, que trancavam em seu interior almas penadas que esperavam a “salvação” que seria sair dali, mesmo que fosse para uma forca ou para a fogueira. Mais alguns passos e eles chegaram até a última cela à esquerda, senhor Armando ficou com o coração chocado quando viu seu filho Juanito, sentado no fundo da cela de cócoras, segurando suas pernas com seus bracinhos de criança e olhando fixamente para uma fresta de luz que vinha da rua por uma rachadura na parede de pedra.
-  Filho!
Juanito não se mexeu e nem acordou do transe de tristeza em que estava mergulhado.
- Ei Filho, sou eu, o papai!
Juanito levantou seu olhar para aquelas duas pessoas encapuzadas na porta de sua cela. O menino fitou os dois por um longo instante, e abriu um leve sorriso assustado e incrédulo, quando percebeu que um deles era seu pai, que notando o susto do menino, foi logo fazendo sinal para que ele não gritasse e nem fizesse barulho.
- Papai – sussurrou Juanito correndo até as grades - como o senhor entrou aqui?
- Fique tranquilo filho, eu vim pra te levar para casa!
- Mas como papai? – disse o menino deixando escorrer algumas lágrimas.
- Ainda não sei filho, mas eu vou te tirar daqui – repetiu Armando, também com os olhos lacrimosos.
- E você? - falou Juanito se virando para Miguel que havia retirado o capuz – eu te conheço da escola, porque você veio junto com meu pai?
- Filho, - falou seu Armando chamando a atenção de Juan - eu preciso saber se você escreveu mesmo essa tal poesia?
- Escrevi sim pai, mas não sabia que era um crime tão terrível...
-Você se lembra o que escreveu? - perguntou Miguel.
- Lembro bem.
- Você poderia declamar essa poesia pra gente escutar?
- Posso sim:
“Ó mulher que suga meu ar.
Que faz minha face enrubescer.
Não sou nada sem sua presença.
Nem sequer existo longe de ti.
E quando chego-me perto de ti, percebo minha insignificância.
Apenas me sinto uma planta, indefesa, imóvel, que necessita de seus raios! De sua energia!
Ó mulher, és a melhor entre as mulheres.
És aquela por quem meu coração dispara.
És aquela por quem minha vida grita a plenos pulmões! Quero ser teu escravo, quero ser teu súdito, quero ser seu!
Agora e para sempre!
Todos os homens, se te conhecessem fariam assim como eu!
            Jurariam amor, jurariam fidelidade.
Agora e para sempre!”
- Puxa que lindo Juanito. - falou Miguel limpando uma lágrima que teimava em escorrer. - Você escreveu isso com amor mesmo.
- Filho, amanhã na hora da execução fale que não foi você quem escreveu!
- Não posso pai, as perguntas são feitas depois de um juramento sobre a Bíblia sagrada. E foi eu mesmo que escrevi.
- Eu sei filho - lutou senhor Armando - mas você vai preferir morrer?
- Eu sei pai, mas como vou jurar, me salvar agora e depois ir para o inferno eternamente?
- Deixe Sr. Armando, nós vamos arrumar uma forma de salvar Juan! O senhor se importa de ir andando na frente porque eu tenho uma pergunta particular para fazer a ele?
- Pergunta particular?
- Isso mesmo, uma pergunta que me veio à cabeça e que talvez seja a nossa salvação, mas isso é entre eu e o Juan.
O senhor Armando se ajoelhou junto a grade, segurou a mãozinha do seu filhinho, lhe deu um beijo na testa, e evitando chorar diante dele, se afastou com o coração esmagado pela dor de deixar sua cria num lugar tão triste e desumano como aquele.





8 comentários:

  1. E cá estou eu relendo e acompanhando cada cena, como se fora a primeira vez.
    Abraço e bom fim de semana

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  2. Nossa, que emoção desse reencontro, como será o fim desse menino que cometeu sacrilégio?
    Não há exagero nenhum por aqui em seu belo conto, pois pelo que já lemos e conhecemos, a Igreja Católica cometeu esses e muitos outros crimes em nome de Deus, horror!
    Vamos indo, estou curiosa com a pergunta que o Miguel irá fazer ao Juan, o poema é lindo, mas imagino mesmo como seria um poema assim no tempo da Inquisição!!!
    Amigo Andre, que bom que não tenhas ficado aborrecido com minha observação, sobre a palavra usada "guri", não quis ser chata, só observei e amo te ler, como já disse, tens uma capacidade de prender a atenção em seus escritos, por isso observei, leio sempre com atenção!
    Abraços apertados!

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    1. Hahahahahaha, pode fazer qualquer observação, e todas são bem vindas!!!

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  3. Muito bom te acompanhar.Rico em detalhes e questionamentos! abração,chica

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