sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Seu Lourenço


Em dez minutos, eu conheci seu Lourenço.
Do nada, após um sorriso simpático, o velhinho de oitenta e cinco anos, me disse que foi criado na roça, sem pai, e quase sem mãe. Aos seis anos já trabalhava “panhando” algodão. Aos dez, já fumava, e fumou até os vinte e cinco anos! Mas um dia ele se levantou da cama e disse pra sí mesmo: “À partir de hoje não fumo mais!”
Não fumou mesmo, e também, nunca mais tomou café. Olha só! Ele disse que só o cheiro do café, até hoje, lhe traz à mente, o “saborzinho” do cigarro.
Seu Lourenço se mudou pra Barretos e começou a trabalhar como pintor de casas. Pintou mais de quarenta casas pela cidade, até que um dia, quando foi comprar pinceis em uma loja, conheceu o gerente de uma fábrica de tintas, chamada “Tintas Universo”. Seu Lourenço conversou muito com esse cidadão, e até saiu para almoçarem juntos.
Um belo dia, o velhinho viu na Folha de São Paulo, que a Tintas Universo estava procurando um representante de vendas.  Com coragem, ele, com pouquíssima escolaridade, trabalhador braçal, sem nunca ter ido a uma cidade grande, saiu de Barretos e foi parar na porta da fábrica de tintas.
Depois de uma tarde inteira de conversas, ele acabou sendo contratado não como vendedor, mas sim, para abrir mercados, demonstrando o produto Brasil afora. E olha que isso foi ideia dele, pois a fábrica não tinha esse cargo de demonstrador.
Seu Lourenço conhece todos os estados do Brasil, conhece tanta cidade que nem sabe a quantidade. Trabalhou vinte anos na Tintas Universo, mas um dia essa fábrica foi vendida para a Luksnova.
Ele trabalhou na Luksnova, e na Tintas Ypiranga por mais de dez anos. Como complemento, vendeu massa plástica Iberê. Chegou a vender em um mês mais de vinte mil latas de massa plástica!
Um dia, comprou um Fusca, e em uma de suas viagens, alguns bandidos tentaram roubar seu carro, parando-o na rodovia. Os caras estavam agressivos e colocaram um revólver em sua cabeça. O velhinho virou-se calmamente para um dos assaltantes e disse: “Pode levar meu carro! Eu comprei ele, sem precisar dele pra compra-lo. E tem mais, eu nasci antes dele, porque eu sou de 1930 e o primeiro carro que chegou ao Brasil foi em 32... Então eu não preciso dele pra nada.”
Os assaltantes foram embora sem roubar o Fusca, mas na primeira cidade que seu Lourenço chegou, logo deu um jeito de vender o carro e nunca mais dirigiu!
Seu Lourenço fez a vida! Voltou pra Barretos, e hoje mora em uma casa muito boa, num bairro chique da cidade. Suas duas filhas moram com ele. Cada uma delas é formada em mais de uma faculdade, e graças a Deus, - ele tirou o chapéu quando disse graças a Deus – hoje ele até parece um velhinho, negro, humilde e com cara de pobre, mas a história de vida que tem, é pra poucos!
Em dez minutos conheci seu Lourenço! Tem gente que acha que perde dez minutos do dia, conversando com gente assim. Eu ganhei! Ganhei a oportunidade de conhecer alguém tão legal!
Ah... Seu Lourenço antes de ir embora olhou bem dentro dos meus olhos, apertou a minha mão, e sorrindo me deu dois conselhos: “Menino, não compre nada que não precisar, não compre porque é bonito, ou porque está na moda, só compre quando tiver dinheiro pra comprar. Se não tiver dinheiro, não compre. – com o sorriso ainda estampado no rosto, tornou a olhar nos meus olhos e disse o segundo. - Quando ficar velho, e estiver perto de parar de trabalhar, seja viciado em palavras cruzadas! Elas não deixam o nosso cérebro enferrujar.”
Dizendo isso, virou-se e foi embora. Talvez nunca mais eu tenha o prazer de ver seu Lourenço, mas com certeza, ele sempre vai estar presente, algum dia, em algum pensamento, em alguma atitude minha, de hoje em diante.








17 comentários:

  1. Felizmente há pessoas assim. Com alguns minutos de conversa, deixam uma impressão para toda a vida.
    André, ainda não recebeu o livro?
    Já mandei há 12 dias. Não sei se leva muito tempo a chegar, mas penso que já teria de tempo disso. Por favor me diga alguma coisa.
    Um abraço

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  2. Sábios os conselhos de Seu Lourenço! Sigamos-los.

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  3. Amigo André, amei ler aqui seu belo conto bem escrito, conseguiste passar a emoção da alma da comunicação do Seu Lourenço e da sua!
    Tens uma sensibilidade ímpar!
    Sabe que em toda a minha vida aprendi com pessoas à quem dei a atenção e isso faz bem a elas e mais ainda a nós, pois trocar experiências é tudo de bom!
    Linda e história de vida desse seu amigo "relâmpago" que sei deixou marcado em você para sempre!Isso é que é saber viver, você sabe porque se dá a oportunidade, a Vida sempre sabe o que faz, sempre!
    Abraços bem apertados!

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  4. Belo exemplo.
    A historia boa é como a semente que se cai em terra fértil germina e prolifera.

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  5. Oi André, amei sua crônica. Aliás você é especialista em crônicas.
    Eu adoro crônica, fiz uma hoje, mas perto da sua não é nada.
    Estou dodói
    Beijos
    Lua Singular

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  6. SENSACIONAL!!! Desculpe minha ousadia emdizer que também adoro conversar com esses velhinhos e velhinhas, sempre nos passam essas lições de vida, coisas para se repensar a vida, essa vida materialista e imediadista que inventamos, como ele mesmo disse, na maioria das vezes, sem necessidade. Por coincidência, minha postagem de hoje também fala de um senhorzinho que conheci na estrada. Abração.

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    1. Ousadia nenhuma meu amigo!! Seu pensamento está corretíssimo!

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  7. OI ANDRÉ!
    PESSOAS ASSIM, PASSAM POR NOSSAS VIDAS MAS, DEIXAM MARCAS, SÃO ESPECIAIS, PELO SORRISO ABERTO? PELA SABEDORIA? TALVEZ PELOS DOIS.
    ÓTIMA CRÕNICA.
    ABRÇS

    http://zilanicelia.blogspot.com.br/

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  8. Sensacional, André!

    Leitura leve, descontraída, divertidíssima.

    E esse som aí é do puro!

    : D

    Obrigada por nos presentear com postagens assim.

    Um beijo!

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  9. Não o conhecia, boa partilha.

    http://retromaggie.blogspot.pt/

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  10. Caro André,

    Uma excelente experiência a sua com o seu Lourenço, um homem com idade avançada e carregado de sabedoria. Fosse ele egoísta, não teria dado os dois conselhos que lhe deu. O Brasil necessita de mais Lourenços, par entrar nos trilhos.
    Uma excelente história.

    Um abraço.

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  11. Há pessoas com quem vale a pena "perder" 10 ou 15 minutos.
    Gostei da história desse encontro, muito interessante. Para além disso, tem uma excelente narrativa, prendendo o leitor, que fica satisfeito por "perder" 10 minutos...
    Bom fim de semana, André.
    Abraço.

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