domingo, 7 de dezembro de 2014

Saber viver



 Ela chegou da rua exausta, trabalhou o dia inteiro na casa da dona Ester. Lavou, passou, secou, limpou, enquanto dona Ester tomava um chá com as amigas, para passar com mais alegria as horas enormes que o dia lhe trazia.
 Ela passou pela varanda com o balde enquanto dona Ester e suas amigas pareciam não lhe enxergar, ela passou pela varanda com a vassoura, com o rodo, com a roupa suja, com o sabão em pó e com sua dignidade ferida, pois em nenhuma das vezes ninguém nem olhou pra ela. Nem lhe ofereceram uma xicara chá, afinal ela não deveria gostar, pois seu paladar não era acostumado com essas coisas...
Seu dia era curto, e ao contrário das horas de dona Ester, seus minutos corriam e seu relógio lhe lembrava a cada instante que seu marido e seu filho, chegariam as seis horas do serviço.  As sete e meia o menino teria que entrar na escola, jantado e com a roupa impecavelmente passada, e agora ela lembrava que a roupa dele ainda estava no varal! "Deus ajude que não chova..."
Ela passou mais algumas vezes pelas animadas e cheias de chá amigas de dona Ester, quando ouviu uma delas falar, em como era chato a serviçal da casa ficar passando pra lá e pra cá bem na hora do chá! Ela engoliu em seco, e num breve instante teve vontade de voltar e falar um monte de coisas para essa infeliz. Mas tudo bem, o que lhe interessava no momento era o dinheiro do final do dia.
- Olha aqui o seu dinheiro, – falou dona Ester olhando pra ela – acho que não vou precisar mais dos seus serviços, eu não gostei das suas idas e vindas perto das minhas amigas...
- Mas o que a senhora queria que eu fizesse se a sua varanda fica no meio do caminho entre a casa e a lavanderia?
- Bom, como eu disse, eu não vou mais precisar dos seus serviços.
Ela foi embora cansada, humilhada e feliz... Passou no açougue, comprou meio quilo de carne moída e um quilo de músculo cortado em cubos, passou no mercadinho, e comprou cebola, cenoura e batata, passou no bar do seu Zé e comprou uma garrafa de refrigerante. Valeu a pena trabalhar hoje!
Ela chegou da rua exausta, trabalhou o dia inteiro na casa da dona Ester. Lavou, passou, secou, limpou e chegou em casa finalmente. Chegou na casa onde era tratada com carinho pelo marido, com amor pelo filho, com festa pelo cachorro e como gente pelas vizinhas. Ela fez um picadinho de cenoura com carne moída, fez um feijãozinho novo, um arroz branquinho e junto com sua família jantou alegremente. Depois ela e o marido conversaram sobre o dia, juntos arrumaram a casa e esperaram felizes o filho voltar da escola... A vida dela era assim, triste e revoltante em alguns momentos mas muito feliz no restante do dia, afinal, ela se amava e não desistiria da felicidade nunca!







6 comentários:

  1. Meu amigo André, amei ler aqui, sei que há muitas pessoas assim como a dona Ester, superficiais, ainda bem que "ela" tem capacidade de mesmo depois de um dia cansativo e sem incentivo, conseguiu ser recebida em sua casa pelo marido e filho, desfrutar do amor desses e do bom convívio com os amigos vizinhos!
    Sabe André, fico pensando, como pessoa do tipo da dona Ester pode se sentir feliz?
    Seu texto é bem reflexivo, temos de tentar entender como é a psique de pessoas assim superficiais!
    Abraços meu amigo, obrigada pelo seu carinho lá no meu espaço, fico sempre feliz com sua amável visita e comentário!

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  2. Ah, esqueci de dizer, adoro carne moída com cenoura,arroz branquinho e fresquinho com feijão hummm, delícia!
    Mais abraços!

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  3. Infelizmente o mundo está cheio de donas Ester. Bom que "ela " é amada e respeitada em casa. Cada vez há mais violência sobre a mulher por parte de quem com ela vive. Pelo menos em Portugal onde em 10 anos mais de 400 foram mortas pelos maridos, namorados ou companheiros, e quase um milhar ficou estropiada física, ou moralmente.
    Um abraço e uma boa semana

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  4. Para as donas Ester da Vida , meu pesar mais profundo , pois não vêem o que importa nessa vida !!
    Sem sua capa de invisibilidade nossa "heroina" é realmente vista e amada por quem interessa!!! Ainda bem, né ??
    Abraços e boa semana

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  5. Que lindo ! E pena a invisibilidade que certas pessoas tem que sentir ainda hoje...
    è fácil para uma D.Ester dispensar os serviços. Com dinheiro, logo outra parecerá lá!

    Ainda bem que a outra, sabe viver e apesar de tudo ,mantém a casa com amor e o desfruta!abração,chica

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  6. Olá menino
    A vida é assim, momentos felizes e tristes, porém não podemos nunca perder a dignidade, deixemos isso para os políticos brasileiros.
    Abração

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