Em dez minutos, eu conheci seu Lourenço.
Do nada, após um sorriso simpático, o velhinho de oitenta e cinco anos, me disse que foi criado na roça — sem pai — e quase sem mãe.Aos seis anos já trabalhava “panhando” algodão. Aos dez, já fumava, e fumou até os vinte e cinco anos!
Um dia, se levantou da cama e disse pra si mesmo: — À partir de hoje não fumo mais!
Não fumou mesmo, e também, nunca mais tomou café.
Olha só!
Ele disse que só o cheiro do café, até hoje — me "volta" na cabeça o gostinho do cigarro.
Seu Lourenço se mudou pra Barretos e começou a trabalhar como pintor de casas.
Pintou mais de quarenta casas pela cidade, até que um dia, quando foi comprar pinceis em uma loja, conheceu o gerente de uma fábrica de tintas, chamada “Tintas Universo”.
Seu Lourenço conversou muito com esse cidadão, e até saiu para almoçar junto.
Um belo dia o velhinho leu na Folha de São Paulo, que a Tintas Universo estava procurando um representante de vendas. Com coragem, ele, com pouquíssima escolaridade, trabalhador braçal, sem nunca ter ido a uma cidade grande, saiu de Barretos e foi parar na porta da fábrica de tintas.
Depois de uma tarde inteira de conversas, ele acabou sendo contratado não como vendedor, mas sim, para abrir mercados demonstrando o produto Brasil afora.
— Quando eu vi que ele não ia me contratá como vendedor, porque ele disse com muita gentileza que eu não tinha estudado, eu falei pra ele que então eu podia demostrá a tinta nas cidades onde eles não tinha cliente.
A fábrica não tinha esse cargo e Seu Lourenço foi um dos primeiros demonstradores de tintas, diretamente de uma fábrica, do Brasil.
Ele me disse que conhece todos os estados do Brasil, conhece tanta cidade que nem sabe a quantidade.
Trabalhou vinte anos na Tintas Universo e quando ela foi vendida para a Luksnova ele continuou na empresa e dela pulou para a Tintas Ypiranga que era do mesmo grupo, por mais de dez anos.
Como complemento, acabou também sendo vendedor da massa plástica Iberê.
— O dono da Universo achou que eu não dava certo como vendedor, mas uma vez, eu vendi em um mês mais de vinte mil latas de massa plástica! Mas não posso reclamar. A Universo foi muito boa na minha vida.
— Um dia, comprei um Fusca! — ele falou levantando o dedo indicador e se ajeitando na cadeira. — Mas uns bandidos tentaram me roubar, me cercando na rodovia. Eles estavam agressivos e colocaram um revólver na minha cabeça.
Eu respirei fundo e calmamente falei para um dos bandidos:
— Pode levar meu carro! Eu comprei ele sem precisar. Quando eu nasci eu não nasci com carro. Nasci antes do primeiro carro chegar no Brasil, então, eu não preciso dele pra nada.
Os assaltantes foram embora sem roubar o Fusca, e na primeira cidade que seu Lourenço chegou, logo deu um jeito de vender o carro e nunca mais dirigiu!
Seu Lourenço voltou pra Barretos depois de se aposentar e hoje mora em uma casa muito boa, num bairro chique da cidade.
Suas duas filhas moram com ele. Cada uma delas é formada em mais de uma faculdade, e graças a Deus — ele tirou o chapéu quando disse graças a Deus — hoje ele até parece um velhinho, negro, humilde e com cara de pobre, mas a história de vida que tem, é pra poucos!
Em dez minutos conheci seu Lourenço!
Tem gente que acha que perde dez minutos do dia, conversando com gente assim.
Eu ganhei!
Ganhei a oportunidade de conhecer alguém tão legal!
Ah! Seu Lourenço, antes de ir embora, olhou bem dentro dos meus olhos, apertou a minha mão, e sorrindo me deu dois conselhos:
— Menino, não compre nada que não precisar, não compre porque é bonito, ou porque está na moda, só compre quando tiver dinheiro pra comprar. Se não tiver dinheiro, não compre.
Com o sorriso ainda estampado no rosto, tornou a olhar nos meus olhos e disse o segundo:
— Quando ficar velho, e estiver perto de parar de trabalhar, seja viciado em palavras cruzadas! Elas não deixam o nosso cérebro enferrujar.
Dizendo isso, virou-se e foi embora. Talvez nunca mais eu tenha o prazer de ver seu Lourenço, mas com certeza, ele sempre vai estar presente. Algum dia, em algum pensamento, em alguma atitude minha ou simplesmente — fazendo palavras cruzadas.
Que bela história, André. Exemplar.
ResponderExcluirHá tantas lições, há tantos exemplos pela vida afora.
Se pudéssemos colecionar todas, publicá-las como você o fez com esta e as pessoas lessem! Talvez fosse um pouco melhor.
Um abraço, André
José Carlos
This is such a lovely story, Andre. Thank you so much for sharing.
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