A
água bateu no rosto de Armando que começou a recobrar os sentidos lentamente. Primeiro,
zonzo, ele viu uma imagem desfocada se mexendo em sua frente, trêmula e embaçada,
que fez Armando buscar lá no fundo de sua mente de quem seria aquela figura. Depois de piscar os olhos várias vezes Armando
esforçou-se e reconheceu a imagem de Matildes, que se materializou na sua
frente. No primeiro momento ele não entendeu muita coisa, e olhou com indecisão
para o mundo, não sabendo o que se passava. Foi então que olhando à sua volta, ele
viu que todos os seus vizinhos estavam ali parados, com cara de triste, como se
velassem algum defunto. Algumas vizinhas, com o terço na mão, oravam pedindo a
Deus que nada lhe acontecesse, enquanto sua esposa, desesperada, batia em seu
rosto e gritava: - Armando! Armando! Levaram Juanito! Levaram Juanito!
- Levaram Juanito? – disse finalmente
acordando de seu transe. - E agora mulher? Temos que ir buscá-lo!
- Mas como meu marido, se foi o próprio
monsenhor Fernando quem veio pessoalmente buscá-lo? Eles vão queimar nosso
filho!
Armando se levantou apoiado pelo
vizinho Sr Argemiro, andou lentamente até os fundos de sua casa, abriu a porta
de um antigo armário, pegou seu cinto transversal, ajeitou a bainha de sua
espada, apanhou a espada que estava dependurada no armário, embainhou-a, foi
até seu cavalo, arriou-o, deu água, deu um pouco de milho e veio até a frente
de sua casa puxando o cavalo pelo arreio. Os amigos e vizinhos ainda estavam
ali consolando dona Matildes, que chorava desesperada. Dona Matildes olhou para
o marido e conhecendo bem o quanto ele era teimoso e irredutível quando tomava
uma decisão, conseguiu apenas falar: - Meu marido eu sei que você vai atrás de salvar
o nosso filho, mas se isso não for possível, por favor, pelo menos volte você,
vivo, aqui pra nossa casa.
- Calma Matildes. – falou o marido
mansamente. - Vamos voltar os dois.
Armando ainda sentindo dores na
cabeça, olhou zonzo para a estrada que saia do vilarejo em direção as muralhas
do castelo de Manzaneda, e depois de alguns passos de seu cavalo, percebeu que
alguém vinha em sua direção, cavalgando, gritando e acenando para que ele o
esperasse. Armando parou o cavalo e se virou para ver quem seria aquele que
gritava e acenava insistentemente. Para sua surpresa, tratava-se de rapaz, muito
jovem que se aproximou e com uma saudação apresentou-se: - Olá senhor Armando,
eu me chamo Miguel, conheço seu filho lá da escola do convento, ele é uns
quatro anos mais novo do que eu.
- Olá
Sr. Miguel - respondeu Armando sem saber no que pensar.
- O
Sr. pode me chamar de Miguelito, eu estudo as leis dos homens e da Igreja lá na
escola, e vi que condenaram seu filho sem julgamento algum, para queimar na
fogueira, por isso resolvi ir buscá-lo junto com o senhor!
- Não
meu jovem...
-
Miguelito por favor!
- Não
Miguelito, isso pode ser perigoso, eu estou disposto a trocar minha vida pela
do meu filho, mas você não tem nada a ver com isso.
-
Pode deixar Sr Armando... Vou lhe ajudar mesmo assim e nenhum de nós vai perder
a vida. Eu vou junto com o senhor, mesmo o senhor querendo ou não.
Armando coçou a barba rala, franziu a
testa e pensou se aquilo estava correto. Olhou para aquele rapazinho franzino, trajado
com roupas rústicas de pano grosseiro, montado em uma mulinha velha e magra,
sem espada e sem porte de cavaleiro. Analisou-o de cima abaixo, até que fixou seu
olhar nos olhos de Miguel, percebeu pelo brilho deles, que não teria jeito. O rapazinho
iria mesmo até o fim.
-
Vamos então Miguelito. Fazer o quê? Você parece ser mais teimoso do que essa
mula velha que monta.
- Hahahahahaha,
o senhor não conhece minha mula, ela é velha, mas é muito competente.
Armando apenas olhou de rabo de olho
para quele menino e balançou a cabeça pensando em como poderia se arrepender mais
adiante por deixá-lo ir.