segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Kaiser

Mais uma história de meu irmão da série: Quando eu morava com minha avó em  Barretos.



No ano de 1972 eu tinha 9 anos de idade e morava com minha avó Lourdes em Barretos numa casinha branca tão pequena e distante da cidade que parecia ter o silencio eterno. Só perturbado pela passagem dos trens na linha férrea há alguns 100 metros de nossa casa, e pelos cavalos do jóquei quando relinchavam em seu palco de corridas pertinho dali. A água de poço era tão cristalina quanto difícil de se retirar, “teimosa que só ela”. Energia... Apenas dos nossos corpos e de todos aqueles amigos bichos, não tinha nada que pudesse significar algum conforto, mas tudo nos dava muita alegria e movimentava nossos corpos e mentes além de ser muito divertido!
Minha avó era muito rígida comigo (á moda das pessoas rústicas e honestas como antigamente), também uma polivalente pois cuidava da casa, cuidava de um mercadinho, criava galinhas e o melhor de tudo... Era a única parteira da cidade, além de fazer caridade em trabalho social para sua Igreja. Não preciso nem dizer que eu participava de tudo isto de forma direta ou indireta.
É nesse cenário e contexto que vem a história a seguir:
Um dos meus melhores amigos era um amigo bicho cão chamado Kaiser (nada a ver com a cerveja), minha Avó era fã de um general que tinha esse nome, daí ela achou que homenagearia o coitado do amigo cão... Valeu a intenção.
Se Kaiser fosse gente com certeza seria meu irmão, pois quantas vezes nos dias de frio eu o colocava debaixo do cobertor sem minha Avó perceber e ali ele ficava por muito tempo pela manhã. mas algumas vezes não era assim que funcionava.
Como já disse em outras historias, minha Avó era uma exímia criadora de galinhas, acho que devíamos por volta de umas 50 galinhas, fazendo dupla, de criador, com ela estava o fiel... Kaiser! Um exímio cão pegador de galinhas, acho que estava cursando ultimo ano da faculdade de pegar galinhas... Então, aos domingos pela manhã sempre as sete horas em ponto... Oh senhor! Maldita pontualidade! Quando as galinhas se ajuntavam para comer, era “o circo no seu ápice do espetáculo” .
Minha Avó como uma sirene de bombeiro. chamava o Kaiser, eu já acordava me lembrando de que pelo barulho e estardalhaço deveria ser domingo! Eu torcia para que ela não chamasse o Kaiser por mais de 3 vezes porque se isso acontecesse era a fatídica comprovação de que ele tinha se mandado pra dar umas voltas, (acho que ele usava relógio), se isso acontecesse, minha avó carinhosamente me acordava aos solavancos dizendo: “Aquele cão mardito sumiu de novo! Vamo! Levanta que tem umas 10 galinha pa pegá depois oçê dorme dinovo!” Realmente, acho que o Kaiser usava relógio, aquilo pra mim era o mais indesejado desjejum matinal , mas como sempre eu obedecia e lá ia eu correndo feito louco em campo aberto, ás vezes me embrenhando pelo mato, subindo até em árvores, e ai de mim se não pegasse todas as galinha que minha avó apontasse... Já nas últimas galinhas, eu já exausto recebia o elogio fatal da adorável vovó: “Vai muleque lerdo, larga de ser mole, vo cuspir no chão, antes de secar quero essas galinha na minha mão senão çe sabe, te dou uma surra.”
Depois destas doces palavras como não ia me reanimar? Minha avó deveria ser psicóloga! Ela mexia com minha cabeça... Eu pensava: Hehhhh Kaiser, eu pego as galinhas, mas eu também vou te pegar!
Mas como sempre, eu tinha um plano!
Resolvi que aos sábados á noite eu iria prender o Kaiser, e no domingo lá pelas 6:30 hs antes do horário fatídico que era as 7:00 horas eu o soltaria e voltaria a dormir, perfeito não?
Sabe que isso funcionou bem. Mas como tudo tem um fim isso foi apenas por um tempo, pois eu comecei a não acordar em tempo de soltar o Kaiser.
Resultado? Uma surra fatal.
Daí então eu desisti desse plano e parti para outra estratégia, levantava as 6:00 horas procurava o Kaiser colocava-o debaixo do cobertor para depois soltá-lo logo que minha Avó acordasse!
Outro plano perfeito que resultou em outra surra (acho que eu fazia coleção de surras!), pois muitas vezes eu esquecia de colocá-lo para fora do cobertor.
Só me restou me conformar com aquela vida de corredor, pegador, sei lá como se chamava aquilo, só sei que com tudo isto eu era bem magrinho, ágil e bem esperto!
Terminado estes shows de domingo, o Kaiser chegava com aquela cara de “não sei de nada” e eu bem cansado mas bem mais faminto o perdoava como sempre e ia com o Kaiser para o pomar, e lá eu colhia algumas frutas, pouca coisa como 20 laranjas, pitangas, uns maracujás do mato, seriguelas e tudo que visse já maduro e levava para cima da árvore e em seguida içava o Kaiser lá pra cima com um invento que meu Avô arrumou e ficávamos por horas lá em cima. Sabe que o bichinho danado até gostava da árvore? Malandro...
Apenas por momentos eu tentava descobrir o porque de tudo aquilo, talvez aquilo fosse um acordo entre o Kaiser e as galinhas? Uma trama dos vizinhos se vingando dos pães amassados? (Isso é uma outra história), talvez uma louca experiência da minha Avó ? Ou então seria o meu dia a dia mesmo...
Eu logo esquecia de tudo porque desde esses dias eu aprendia que Deus sabia de tudo e se Ele sabia então estava tudo bem. Aprendi que em tudo ele me amava.
Assim eu seguia cumprindo os meus dias repletos de muita emoção, mas de pensamentos simples e na beleza da inocência de menino.
Abraços a todos vocês

Crisógono Júnior.

24 comentários:

  1. Ótima história!!

    Era por isso que nós, quando garotos, não engordávamos: corríamos muito de lá pra cá, fosse brincando de "pique", fosse correndo das surras da mãe, fosse correndo atrás dos nossos amigos cães...

    abraços e ótima semana pra vocês

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    1. Ola Eduardo !

      Realmente o sedentarismo era algo muito distante .
      Quem sabe possamos resgatar essa conciencia de necessidade a fim de nos
      dar uma melhor condição .
      Que Deus nos ajude nesse processo !

      Boa semana pra voce tambem

      Abração

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  2. Que linda e divertida história. Mesmo as surras não apavoravam, pois repetiam-se as travessuras. Adorei o Kaiser, danado despertador e pegador de galinhas... abração,linda semana,chica

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    1. Fico feliz de ter gostado .

      As surras estão para travessuras assim como a tampa pra panela . ehehh
      tem que ter as duas !

      Ótima semana pra voce também .

      Deus lhe abençoe.

      Abrãçao

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  3. Que linda história!
    Parece o filme da minha infância, juntamente com meus irmãos.
    E os carreirões que dávamos para fugirmos das surras depois de fazermos artes...
    e como trabalhávamos! E éramos felizes... aprendendo os valores da vida!
    Abraços e boa semana!
    Mariangela

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    1. Ola Mariangela ! ( tenho uma prima com este nome )

      Que bom poder trazer á voce boas lembranças ...

      Acho que a verdadeira felicidade é como voce disse , tem o sabor do aprendizado e bons valores( reais ) da vida

      Boa semana pra voce tambem .

      Abraçao

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  4. Muito interessantes essas histórias do seu irmão. Como eram diferentes aqueles tempos, sem TV, sem computador sem coisa nenhuma a não ser a nossa imaginação.
    Vou contar-lhe uma história autentica. Quando nós eramos pequenos, vivíamos na maior pobreza. A rocar mesmo a miséria, como já se deve ter dado conta na historia do Manuel, que é a nossa história, já que o Manuel era o nosso pai.
    Nós vivíamos num enorme barracão de madeira, composto por um salão de 11 metros de cumprimento, coberto apenas com telhas, e 4 quartos, estes com forro por baixo do telhado. Os quartos tinham portas que eram feitas de tábuas muito fininhas, das mesmas que eram usadas para a construção dos pequenos dóris que iam nos lugres para a pesca do bacalhau na Gronelândia. As portas não tinham chave, mas um fecho de correr como se usam nalguns portões hoje em dia. Tinha eu 6 anos quando a minha avó paterna que vivia connosco e tomava conta de nós faleceu. A minha irmã ia fazer ia fazer 5 e meu irmão 4. Depois que minha avó morreu e até que chegou meu tio Luis, irmão de minha mãe que tinha 9 anos, e veio viver para o barracão para tomar conta de nós, ficamos sozinhos para os pais irem trabalhar. Então meus pais fechavam a porta do quarto correndo o fecho por fora, depois fechavam a porta do salão e iam trabalhar. Ora acontece que o quarto não tinha janela e só tínhamos a luz que passava pelas frinchas da madeira. Ora um dia descobrimos que se puxássemos a porta com força em baixo ela abria uma boa nesga pela qual o meu irmão que era o mais pequenino e magrinho conseguia passar. Então ele punha um banco junto à porta e de cima dele corria o fecho e abria a porta. Escusado será dizer que "pintávamos a manta". Quando pela janela víamos que meus pais vinham a caminho, metia-mo-nos
    as duas no quarto. o meu irmão fechava a porta, arrumava o banco, e voltava a entrar no quarto. Devo dizer-lhe que se a situação se prolongasse mais um pouco dava com os meus pais em doidos, pois eles não compreendiam como encontravam a casa toda revoltada se nós estávamos fechados no quarto e a porta da rua também estava fechada.
    Um abraço e desculpe este comentário tão longo.

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    1. Muito engraçada sua história também , voces poderiam até seguir carreira ehehehh .. imagino a curiosidade de seus pais ...

      É verdade , tínhamos apenas nossa imaginação , Estou certo de que não há nada que substitui a nossa imaginação não é mesmo ? , imagino porque foi Deus quem nos deu , e vindo Dele só pode ser tão poderosa !

      Abraçao

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  5. Oi amigo,

    Tudo bem? Esse tempo é impar, pois havia felicidade ao ar livre e o cachorro sempre era o melhor amigo frente ao que o computador representa na vida das crianças.

    Boa semana a todos da família Mansim.

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    1. Oiii Luciana !!

      Verdade ! um tempo tão diferente do de hoje que torna-se imaginável para as crianças de hoje , que pena !
      e o que se estima hoje realmente é algo que me preocupa , pois o computador tem tido maior valor que deveria ter , tem substituído pessoas e muitas vezes tem sido usado por nós mesmos para nos corromper nos dando falsas satisfações , e o pior é que perigosamente tem nos dito que não há limites .
      Que bom saber que reflete neste assunto .

      Grande abraço


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  6. Só vou te dizer um negócio meu querido sobrinho, se ela tivesse a oportunidade de ler este seu lindo conto lhe arrancaria as orelhas (novamente)só em perceber que você tirou os 'esses' e os 'erres' que ela tanto prezava.
    Ela foi professora substituta na escolinha da fazenda coqueiros e se orgulhava disso he he 'tais pensando o que?'
    Mas o conto está legal, está se tornando um "quase José Mauro de Vasconcelos" parabéns.
    Coitado do Kaiser e mais coitado ainda do Leão e do Duque de tristes lembranças.
    Deixa pra lá...o bom é tentar preservar as melhores lembranças.

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    1. Me lembro também desta habilidade dela de ensinar ( ela sempre nos contava , mas todos os alunos sobreviveram , kkk )
      Ouvi falar destes personagens caninos também .. Que saudade !
      Que continuemos a compartilhar estas lembranças de modo que nos faça bem e edifique a todos .

      Abração Tio !

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  7. Essa história me fez lembrar vários fatos de minha infância com os meus irmãos e primos, sempre morei na cidade, mas na época em que eu era criança, nos anos 70, ainda era sadio brincar nas ruas. Ótimo texto Mansim, parabéns.

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    1. Então Paulo !


      era muito bom mesmo brincar nas ruas ...curti bastante isso , infelizmente hoje somos prisioneiros em nossas proprias casas .
      Más que bom que nos restam as lembranças ne ?
      e que Deus continue a nos abençoar com tais agradáveis lembranças

      Abraço e ate a proxima

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  8. Olá André,

    Seu irmão escreve de uma maneira deliciosa.
    Adorei a crônica, recheada de humor e simplicidade.
    Ele foi bem sapeca, hein?

    Grande abraço.

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    1. Ola vera !!!

      Então .. que bom ter gostado !
      Muitas coisas simples estão a um passo de serem engraçadas ne ?

      Sim ! muito sapeca ! eheh

      Abraçao

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  9. Olá!Bom dia!
    Amigo Dedé e Junior...
    Bela crônica!Gostei demais!
    penso que esses momentos são tão importantes que tendem a propiciar grande desenvolvimento, e também grandes aprendizagens, como o respeito ao próximo e
    às regras estabelecidas. Tempos em que as crianças se via frente a problemas e desafios e buscava soluções para essas situações, passando a ser um momento para obter respostas através da experimentação, da busca de novos caminhos,do raciocínio e da
    descoberta......e ...risos...das surras corretivas...
    Obrigado!
    Ótima semana!
    Abraços á todos.

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    1. Ola Felis !

      Então .. crescemos e perdemos as habilidades naturais .. as quais as crianças não precisam se esforçar para usar .

      Sonhemos em um dia resgata-las ne ?

      Grande abraço

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  10. Este comentário foi removido pelo autor.

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  11. Muito bom! Eu tenho um tio, que nem é tio mas consideramos como se fosse, que colocava em prática essa contagem do tempo a partir da cuspida no chão. E ai dos filhos que ousassem falhar.

    Não consigo imaginar o que eu faria com um cão Kaiser desses, me tirando da cama em pleno domingo de madrugada. Mas se não fosse ele, leríamos menos coisas contadas assim, né?

    Esses irmãos estão aí pra brincadeira, fazem valer a palavra. Abraços!

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    1. Oi Milene !!

      Ehhhh entao imagina as cuspidas eca !
      e o melhor era o Kaiser mesmo .. tão inocente .. tão ordinário !
      foi um grande amigo !

      abracao

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  12. Mesmo com toda essa agitação, digamos assim, creio caro André, com toda certeza, ser essa uma das melhores fases de nossas vidas. Agente ri com o texto, é verdade, mas faz também uma gostosa viagem nele. Muito bom! Um grande abraço.

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  13. Ola Paulo !

    Verdade ! cada viagem !!! , e sejamos gratos a Deus por nos dar a primeira e melhor maneira de viajar .

    Grande abraço !

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  14. Meu Deus do céu como faz falta maus exemplares dessa vó aí né?!
    HJ em dia as crianças nao tem mais vida como vc narra, perdem uma coisa tao bacana que é fazer arte. Tentar não ser pego e mesmo assim respeitar, mesmo depois de umas MERECIDAS palmadas! Kkkk
    Adorei mais esse conto! Bjs

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