sábado, 27 de fevereiro de 2016

Show


Show: uma republicação de um texto que tem pelo menos uns 15 anos. Mas acho que vão gostar.





E o show vai começar...
Abrem-se as cortinas.
O publico está ali... Esperando.
As luzes? Ok!
O som? Ok!
Um... Dois... Três, testando...
Um... Dois, três, testando.
Um... Dois...
As luzes?
O som? Ok!
Respeitável público. E agora com vocês, o mais espetacular show da terra!
Os risos... Os olhares... Os dentes à mostra!
Alegria, alegria!
Vamos sorrir.
Respeitável público... E agora com vocês... O show!
O show da vida.
O palco é a sua vida, o público é você, a bilheteria é a sua sorte ou o seu azar, o roteiro é você que escreve, baseado num enredo sugerido por Deus.
Atores convidados: Seu pai, sua mãe, seus amigos, seus inimigos, e mais alguns figurantes contratados de última hora.
E o show vai começar...
Ela se contorce de dor, o homem de branco repete insistentemente:
- Força! Força! Vamos você pode, força!
E o show vai começar...
Ela se contorce de dor, e o show está começando, está dilatando, está despontando, está sangrando, está... Está...
Luzes? Ok!
Som? Ok!
Umas palmadas na bunda!
Um choro anuncia.
Um choro anuncia.
Um choro anuncia o começo de mais um show!
O show começou!
Ela sorri, ela é a mãe!
Ele sorri, ele é o pai!
Todos batem palmas... É o show.
O show da vida.
Respeitável público, aqui agora, tem inicio o show mais espetacular da terra... O ator acabou de nascer. O ator principal de seu show, mas o ator coadjuvante do show do seu pai, e de sua mãe, e do seu médico, e da enfermeira... E... Enfim, somos um emaranhado de shows, que vem e que vão, com público ou não.
Você é o ator e ao mesmo tempo o “ videspectador “.
Luzes? Ok!
Som? Ok!
Um, dois, três... Começou !!!!!





segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Os sonhos e os dragões



Walfredo é um cavaleiro que vive em um reino medieval cartunesco, onde toda semelhança com nosso mundo de hoje, com pessoas que conheço e comigo mesmo, não é coincidência. Na verdade ele é a mistura de tudo isso, e de vez em quando, geralmente em dias em que estou encabulado, pra baixo, ou estressado, ele aparece em meus escritos como um desabafo, e no final, sempre vai embora me trazendo alegria e compreensão de algumas coisas, que são claras, mas que teimam em nos atingir.
Parece loucura, mas é só mania de escritor. Mania de responder a tudo com imaginação. Mania de criar, de gritar através da escrita, de falar verdades, mesmo que essas verdades não sejam verdadeiras pra ninguém além de mim.
O cavaleiro Walfredo está espalhado nesse blog, em várias aventuras eletrizantes, mas hoje, ele aparece aqui em um momento onde sua espada não precisou ser desembainhada. Hoje nosso cavaleiro estava apenas pensando na vida. Espero que se divirtam, e não me achem muito maluco!

  



Walfredo andava triste com sua vida. Quando era criança, Walfredo assistia ao Sir Arquimedes Senna ganhar as corridas de dragão, geralmente competindo contra o mago Proustputin, que usava de vigarices e encantamentos mágicos para ludibriar Arquimedes Senna. Mas no final, sempre o dragão branco e vermelho de Arquimedes conseguia saltar todos os obstáculos e chegar na frente.
Walfredo se lembra que a alegria no reino de Sambunda era imensa. O narrador Gavião do Valle, transmitia toda a corrida com muita emoção, apesar dos excessos e chatices, mas mesmo assim, conseguia alegrar todo mundo, graças a competência de Arquimedes.
Walfredo se imaginava um corredor de fórmula dragão, mas no fundo sabia, que ter um dragão era muito caro, e que seu pai nunca teria dinheiro nem pra comprar um unicórnio, pra ele correr no unicortódromo, que era onde as crianças aprendiam a correr, para depois se aventurarem na corrida de vassouras de bruxas europeias e só depois, com sorte ou patrocínio de algum rei, entrar para o circuito de corridas de dragão.
Walfredo, mais tarde passou da fase de se imaginar corredor, e passou a se imaginar um cantor, ou ator de sucesso. Mas ele, coitado, nunca teve dinheiro pra ir a uma arena assistir uma ópera. Nunca teve dinheiro para ir aos castelos assistir a algum sarau. Nunca aprendeu a tocar nenhum instrumento musical. Nunca recitou uma poesia. Na verdade, Walfredo não era afeito a poesias... Ele era afeito a aventuras.
Walfredo estudou o suficiente para ser um cavaleiro. E apesar de hoje, algumas pessoas olharem para Walfredo e sentirem vontade de ser a pessoa que ele é, e ter a fama que ele tem, para Walfredo isso não faz sentido algum. Ele não se sente lisonjeado por isso, não tem orgulho de ser um cavaleiro do rei, salvador de donzelas, matador de dragões malvados, e caçador de bruxas. Walfredo é uma pessoa vivida, e sabe que a maioria do povo de Sambunda também mata um dragão por dia, também caça uma bruxa por ora e se bobear... Também salva alguma donzela por aí...
Walfredo, às vezes, também queria ser outra pessoa. Ele queria ter outra rotina, conhecer outros reinos, viver outras emoções, mas ele é só o fiel cavaleiro do rei.
Walfredo sabe que o reino de Sambunda precisa dele, e quando cai em si, Walfredo aquieta seu coração, e deixa seu sorriso brotar de novo em seu rosto... Afinal, sonhar é bom, mas os dragões malvados da vida estão por aí, esperando para serem caçados. Todos os dias!






sábado, 13 de fevereiro de 2016

Amor primitivo




Ontem eu saí para ir até o mercado, mas antes, perguntei para o Samuel meu filho de quatro anos, se ele queria que eu comprasse algo pra ele.
“Papai, - ele disse pensando em qualquer coisa – compra água de côco, porque eu nunca tomei água de côco.”
Eu achei graça da escolha dele, ainda mais, porque da última vez que ele tomou água de côco, (que ao que parece, nem se lembra), ele achou amargo, fez careta e disse que era “horrivu”.
Eu demorei um pouco, porque além do mercado estar lotado, eu ainda sou meio lerdo fazendo compras, porque fico entretido olhando os rótulos das coisas, escolhendo os temperos, analisando as frutas e os legumes, vendo de onde vem o azeite, se ele é envasilhado aqui ou no país de origem, escolhendo alho a granel e vendo se não tem algum dente podre,  comprando vinho, e escolhendo as uvas, como se eu entendesse alguma coisa. Minha esposa fala que supermercado pra mim é um parque de diversões... Exagerada!
Quando eu cheguei em casa, minha esposa viu a água de côco e falou para o Samuel que estava na sala assistindo desenho:
- Sabe o que o papai trouxe pra você?
- Sei, água de côco, - respondeu ele, deixando a cara de surpresa que ela estava fazendo meio sem graça.
- Como você sabe?
- Eu sei porque eu pedi pra ele, e ele disse que ia trazer.
- Mas e se ele não trouxesse?
- Não mamãe, quando o papai promete, ele sempre trás.
Eu escutei essa conversa dos dois, e posso afirmar pra vocês, que me senti feliz pela confiança que meu filho tem em mim. Na cabecinha dele era impossível eu esquecer de trazer a água de côco, porque eu sou o papai, e o papai nunca esquece.
Depois, refletindo sobre esse fato, eu me peguei divagando em pensamentos ruins, onde alguns pais esquecem seus filhos. Abandonam suas esposas, namoradas, e nunca mais aparecem.
Crianças, que deveriam ter um pai para confiar, que deveriam ter a figura paterna para formar seu caráter... Estão abandonadas.
Eu abri a água de côco, coloquei o canudinho e dei pro Samuel, que ao primeiro gole, fez uma careta feia e me disse: - Crédo papai, é horrível!
Eu soltei uma gargalhada, o Samuca teve mais uma experiência com água de côco, e já está falando horrível corretamente. Esses pais desnaturados não sabem o que estão perdendo. Não sabem como é bom viver e fazer parte da vida de seus filhos.
Na verdade, nessa irresponsabilidade paterna, os filhos perdem muito, mas os pais perdem mais. Perdem a grande oportunidade de encontrar felicidade e amor na forma mais primitiva da história. Amor de pai e filho.