sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

Cartinha de Natal

 


            Eu vejo essas pessoas que falam que se lembram de tudo o que aconteceu com elas desde que eram crianças, desde que tinham três ou quatro anos, que se lembram “como se fosse hoje”, aí eu penso que então eu sou meio ruim das ideias.

            Eu não me lembro de quase nada! Na verdade, eu tenho uns flashes de algumas coisas que me aconteceram e que geralmente, não sei porque, são lembranças de momentos não tão felizes.

            O pensamento mais antigo que lembro é um muito triste, ele é de um homem que vendia biju na rua.

            Hoje não se vê mais isso, mas o “bijuzeiro” era uma pessoa que andava pela rua, com uma coisa barulhenta na mão, que se chamava matraca. Essa matraca era uma plaquinha de madeira, que tinha uma alça e uma dobradiça, que o bijuzeiro balançava girando o braço, o que fazia a dobradiça bater pra cá e pra lá e fazer um barulho, tipo: “plac plac plac plac!

            — Olha o bijuuuuuuu!” — eles gritavam.

            E a criançada corria para comprar isso, que nada mais era, do que uma massa doce, quase igual a massa do sorvete cascão que a gente compra hoje nas sorveterias.

            Eu devia ter uns quatro anos, (sei disso pela casa em que a gente morava) e ainda não sabia contar o dinheiro. Eu lembro que fui correndo em casa e peguei uma nota qualquer que estava por ali e corri pra comprar o biju. O homem disse que o dinheiro não dava. Então eu voltei correndo e peguei outro dinheiro que encontrei, fui correndo e ele disse que ainda não dava. Eu falei pra ele esperar e voltei correndo vasculhei a casa toda e arranjei mais umas notas e moedas, voltei de novo ao bijuzeiro, que pegou as notas todas amassadas na minha mãozinha de criança e falou para as outras crianças que estavam em volta dele:

            — Olha o dinheiro desse gordinho! Hahahahaha! Não dá pra nada e até parece dinheiro de bêbado, todo amassado! — e virando-se pra mim, sorrindo com um sorriso de demônio banguela, disse. — Vai embora moleque, seu dinheiro não dá pra comprar nada.

            Todos os meninos deram risada da minha cara... Essa é a lembrança mais antiga que eu tenho: um bijuzeiro velho, banguela e desumano. Na verdade, acho que lhe faltava só os atacantes... Os laterais ele ainda tinha, naquela boca feia.

            Outra lembrança muito antiga, deve ser do ano seguinte, no Natal, que é o Natal que eu recebi meu primeiro presente do papai Noel, e olha eu já tinha quatro anos.

            Até então, meu pai que trabalhava muito, mas que também adorava gastar com as maravilhas da noite, não deixava faltar o básico em casa, que era comida, aluguel, água e luz; mas fora isso, tudo era luxo! Chocolate eu acho que ganhava uma barrinha a cada três ou quatro meses. Refrigerante deveria dar pra uma semana e não era toda semana que tinha. Bolacha recheada, iogurte, salgadinho... Eu nem sabia que essas coisas existiam.  Nesse contexto de humildade e pobreza, eu pedi numa redação da escola que o papai Noel me desse uma bola “dente de leite”, que era uma bola que tinha naquele tempo, e que parecia uma bexigona. Hoje em dia as crianças não querem nem ver uma bola dessas, seria quase um motivo de bulling, mas pra gente no final dos anos 70 era um brinquedo sensacional.

            Lembro que era de noite e meu pai foi a cozinha, voltou, e se deitou na cama com minha mãe. Eu dormia numa cama ao lado, porque nossa casa só tinha um quarto, um banheiro e uma cozinha.

            Depois de algum tempo meu pai falou como se estivesse assustado:

            — André, você escutou esse barulho na cozinha? Vai lá ver o que é?

            Eu fui e me lembro da bola ali em cima da pia! Embrulhada num papel vermelho. Puxa vida! — eu pensei. — O papai Noel havia leu a minha redação!

            Meu Natal não teve nada além da bola, eu nem sabia o que era panetone, não teve refrigerante, leitoa assada, churrasco... Imagina se isso era possível. Mas não importava nada disso, porque eu tinha ganhado uma bola dente de leite! O que mais que eu iria querer na vida?

            Essa, apesar de hoje eu saber que não era uma situação fácil e que não foi um Natal feliz, mesmo assim, acaba sendo uma lembrança boa.

            Meu primeiro presente de Natal, esse a gente nunca esquece.

            Esses dias eu estava pensando em como a vida melhorou, apesar de não ter mais meu pai aqui entre nós.

            Ele poderia ter sido muito mais feliz e fazer da gente uma família muito mais feliz também, mas reconheço que alguns anos antes dele morrer, ele já havia resolvido ser pai de família de verdade e a situação melhorou muito.

            Há algum tempo eu assisti uma reportagem sobre garotos muito pobres que estavam pedindo ao papai Noel lhes trazer alguma coisa no Natal. Um carrinho, uma bolinha, uma roupinha, qualquer coisa.

            Os correios têm uma iniciativa muito bacana, aonde você pode ir até lá, ler alguma das cartinhas endereçadas ao papai Noel e se resolver, dar o presente para a criança.

            Eu sei que só vai o presentinho que a criança pediu. Não vai churrasco, nem leitoa assada, e talvez essa criança também nem saiba o que é panetone, mas eu me lembro da felicidade que fiquei quando o papai Noel me trouxe aquela bola dente de leite e posso falar que valeu a pena!

            Talvez, se a gente, que hoje pode, resolver ter uma atitude de presentear uma criança dessas, essa atitude possa ser daqui a 30, 40, 50 anos, uma lembrança boa na cabeça de algum adulto, que talvez não quebre a corrente, e continue fazendo alguma criança feliz por aí.

            O que acha?

 


sábado, 2 de dezembro de 2023

Limpem os túneis

 

 

            Todo dia era a mesma coisa!

            Eles nem se lembravam mais, qual foi o primeiro dia em que eles começaram a trabalhar naqueles tuneis. No começo o percurso era menor e os tuneis eram novos e fáceis de trafegar, mas com o passar do tempo o percurso só foi aumentando e os túneis cada vez mais foram ficando cheios de obstáculos.

            O serviço deles era de vital importância nesse sistema. Eles tinham que levar oxigênio para o controle central, e de lá, esse oxigênio era distribuído para todos os departamentos por esses túneis.

            O problema, é que com o passar dos anos, o gerente dessas instalações não tomou as devidas providências para manter os túneis limpos e fáceis de trafegar. Esse gerente deixou muito lixo se aglomerar nas paredes dos túneis, o que infectou e degradou todo o sistema com produtos tóxicos que estragaram quase todas as vias.

            Assim, os funcionários responsáveis pelo transporte de oxigênio estavam com muita dificuldade de executar o seu serviço, o que exigia que o comando central mandasse cada vez mais energia nos túneis, em uma tentativa muitas vezes inútil, de fazer com que o fluxo de oxigênio continuasse correspondendo as necessidades. O descaso com a malha de túneis era tanta, que o controle central não conseguia socorrer em todas as direções, e por isso, o processo e o sistema inteiro estava sofrendo, e poderia até, entrar em colapso.

            O setor responsável pela filtragem da água não filtrava direito e mandava impurezas para todos os lugares, o setor responsável pela renovação do oxigênio dos túneis não conseguia sugar e nem transferir esse ar para o sistema, o setor responsável pela inteligência do comando central e pela mecanização do todo, começava a falhar e tudo estava desencarrilhado, como engrenagens que não se encaixavam mais... Até que um dia; o sistema todo parou!

            — Vamos tentar mais uma vez — falou o médico na ambulância!

            — Carregando! — respondeu o enfermeiro com os olhos arregalados. — O senhor pode colocar os eletrodos no peito dele.

            — Pronto!

            — Então vamos. — falou o enfermeiro olhando para o médico. — Um, dois, três, lá vai!

            O corpo estrebuchou e o coração deu novamente sinais de vida.

            — De novo! — gritou o médico.

            — Um, dois, três... Lá vai!

            O corpo estrebuchou de novo e o médico começou a fazer massagem no peito do paciente e respiração boca a boca. Depois de mais de quinze minutos de luta, finalmente os socorristas conseguiram salvar o paciente.

            Ele foi internado na UTI e por lá ficou mais de uma semana. Quando saiu, o médico lhe passou um regime, um plano de exercícios e alguns remédios. O médico falou que seu corpo estava muito descuidado e debilitado e que se ele não se cuidasse fatalmente não teria muitos meses de vida.     — Ainda dá pra recuperar, — advertiu o médico — só depende de você!

            Assim as coisas foram melhorando para as células que eram os funcionários dos túneis. Agora eles poderiam levar oxigênio para todo o corpo e assim continuar a semear a vida. As placas de gordura foram sumindo das veias, as artérias foram se limpando, o sangue conseguia levar vida a todos os órgãos e por isso, o sistema conseguiu uma sobrevida melhor e com mais qualidade.

            O controle central parecia que estava mudado. Parecia que tinha entendido que as engrenagens necessitavam de cuidado constante... Os funcionários dos túneis agradeciam.

            A vida melhorou para todos



quinta-feira, 2 de novembro de 2023

A ciranda

 

 

            Pedro detesta novela que tem como personagem, algum casal homossexual, mas ele não perde um capítulo.

            Manoel fala que o Brasil vai de mal a pior, e que esses políticos que estão aí são todos ladrões, mas a cada eleição, ele vota nas mesmas pessoas.

            Barbara não gosta das baixarias que os participantes do Big Brother fazem, mas ela assiste, torce e às vezes até vota.

            Claudete fala que sua vizinha é fofoqueira, e que ela detesta fofoca. Ela fala isso pra uma, pra duas, pra três, quatro, cinco... Vinte pessoas.

        Juliano acha que nos atuais programas de humor tem muitas mulheres seminuas e indecorosas e que isso não faz bem para a sua família, mas ele assiste e dá muita risada com os comediantes e suas piadas repetidas.

            Marcio fala que o que acaba com nosso país é a malandragem, mas ele tem uma antena pirata instalada em sua casa.

            Andressa acha que nenhum homem presta. Vive dizendo que os homens são todos iguais, mas no último ano teve cinco namorados.

            Paulo detesta seu serviço, fala mal de seus patrões pelas costas, tem o sonho de ter seu próprio negócio, mas trabalha no mesmo lugar a treze anos.

            O pastor Lauro ensinou na igreja que o que está acabando com as famílias é a tecnologia, e que a internet é coisa do capeta, mas ele tem uma conta no Facebook, WhatsApp, Instagram e prega usando um tablete de última geração.

            Raul é racista, não gosta de negros e nem de nordestinos, mas Raul adora samba, dobradinha, forró, baião de dois, vatapá, carnaval e ler a sorte nos búzios de vez em quando.

             Ana critica as prostitutas, mas trai seu marido.

           João Alfredo brada em alto e bom som, que lugar de ladrão é na cadeia, mas ele vira seu hidrômetro todo mês, para roubar a companhia de água e esgoto da cidade. 

       Todo mundo tem uma reclamação sobre a forma que o mundo gira, mas infelizmente somos os primeiros a entrar na roda, somos os primeiros a entrar na ciranda.           

              A ciranda da esperteza, a ciranda de Gerson, a ciranda do malandro, que leva vantagem sobre um e joga a culpa no sistema, no governo, na TV, no diabo e as vezes até em Deus.

 


segunda-feira, 15 de maio de 2023

A festa do arcanjo Miguel



 


 

Lucio voltou da caminhada diária, abriu o portão e fez um carinho na cabeça de Bóris, seu cachorro, que o esperava balançando o rabo de alegria. Entrou em casa e foi direto tomar um banho. No banho, ele começou a pensar, que de três anos pra cá, desde a morte de sua esposa Carmem, como sua vida estava mudada. Ele nunca havia imaginado, que ao completar setenta anos estaria morando sozinho, pois os filhos estavam todos casados e cada um trabalhando num canto do país.

Logo ele, que sempre zelou tanto pela unidade da família, pela alegria e relacionamento dos filhos com os pais. Mas é assim mesmo, os filhos crescem e querem voar por conta própria. Eles tem de enfrentar o mundo e a vida que tem pela frente, a parte dos pais é apenas prepará-los para isso...

Lucio tomou banho, enrolou a toalha na cintura, foi até a cozinha, pegou um copo de leite e umas torradas, depois foi até o escritório abrir seus e-mails.

Enquanto o computador iniciava, ele se deliciou com sua torradinha besuntada de geleia de morango, e seu copo de leite gelado.

            Lucio era um idoso pra frente, tinha Facebook, Instagram e se comunicava por WhatsApp com todos os netos, sobrinhos e de vez em quando até com um dos quatro filhos. Ele se orgulhava disso, pois era um velho conectado no novo mundo.

Quando seus e-mails carregaram, Lucio foi abrindo um a um, para ver do que se tratavam. E-mail de propaganda de lojas virtuais, e-mail de sacanagem que seu neto João sempre mandava, e-mail com vírus que teimavam em mandar, falando que era do banco, da receita federal, do SPC e um e-mail do seu amigão Marcel.

O e-mail do Marcel falava assim: Bem-vindo a minha festa, se você abrir esse e-mail não poderá mais fechá-lo, até que receba os quatro presentes.

— Lá vem... — pensou Lucio sorrindo. — O Marcel só manda bobagem... — falou consigo, quando percebeu que era um e-mail daqueles com correntes religiosas e de “crendices bobas”.

O e-mail do Marcel dizia: A partir de agora, você faz parte da corrente do bem, da festa do arcanjo Miguel! Quatro coisas vão acontecer com você:

1- Uma ligação telefônica inesperada.

2- Alguém vai lhe dar uma notícia boa.

3- Você fará uma viajem.

4- Encontrará a pessoa que ama.

Mas como sempre, era preciso enviar a mensagem para toda sua lista de contatos. Lucio não acreditava nessas correntes, mas resolveu enviar, só pra participar da brincadeira. Depois disso, ele leu mais alguns e-mails, navegou um pouquinho pela internet até que o telefone tocou.

— Alô!

— Paaaaaaiiiiiii, me sequestraram paiiiiiiiiiiiii, socorro!

— Quem, sequestraram quem? Jonas? É você?

— Sou eu pai, é o Jonas, me sequestraram, eles querem um resgate! Pai socooooorrroooo!

— C.. co... como is.. isso f... filho...

— Nós estamos com seu filho, Jonas! — falou uma vós áspera. — Se você não mandar o dinheiro que vamos pedir, nós vamos matar seu filho!

Ma... mas como? Quem é v... você? — O coração do velho Lúcio não aguentou o baque, ele sentiu uma enorme dor no peito e cambaleando, foi até a calçada, onde caiu no chão.

A vizinha chamou a ambulância que o levou até o hospital e chegando lá foi direto para a UTI.

Algumas horas mais tarde, seu filho Manoel que morava na cidade vizinha, chegou ao hospital desesperado. Quando chegou perto do pai, Manoel foi logo acariciando sua cabeça grisalha e falando ao velho.

— Puxa papai... — balbuciou em meio a uma lágrima. — Como é que isso foi acontecer? Eu amo o senhor e a correria da vida fez a gente ficar tão distante. Ainda agora eu estava falando isso pro Jonas. Eu já liguei pra ele e ele vem vindo, vê se aquenta aí...

A mente de seu Lucio estava atenta e apesar dele parecer estar dormindo, ele ouviu a notícia boa de que seu filho Jonas estava bem.

“Deve ter sido um trote daqueles de presidiários, — pensou ele, mas sem forças pra acordar e se levantar do coma.”

Nesse momento, quando seu coração se acalmou pela boa notícia, Lucio viu parado em sua frente, uma pessoa muito bonita com cabelos loiros e uma roupa branca bem brilhante e iluminada, que chegou perto dele, pegou-o pela mão e falou:

— Olá senhor Lúcio, tudo bem?

— Tudo bem quem é você?

— Eu sou um anjo!

— Um anjo?

— É... Eu vim buscar o senhor pro senhor fazer uma pequena viajem...

— Pra onde?

— Por enquanto não posso falar, mas vai ser muito bom, e sabe quem está te esperando lá?

— Eu sei, a Carmem.

— Como sabe disso?

— Eu li num e-mail... — respondeu Lucio sorrindo.

— O senhor leu em um e-mail? — falou o anjo com cara de desentendido.

— Li... E olha que eu que pensava que esses e-mails do Marcel eram tudo besteira...

 

 


domingo, 26 de março de 2023

Resenha: Billy Summers

 






Sabe quando você vê uma pessoa e não vai com a fachada dela?

E mesmo sem conhecê-la você fica com ranço dessa pessoa? E não sabe porque, mas não pretende ficar amiga dela, nunca?

 Aí, no alto da nossa ignorância, a sobe em cima de uma caixa de fósforos e faz o discurso: — Meu santo não bateu com a dela!

Então, eu nunca fui com a cara do Sthepen King, ainda mais porque acho que essas histórias de terror que ele conta não são legais. (Na verdade eu sou medroso.)

Mas depois de conversar com ele através de outros livros que tem histórias de suspense e policiais, sem a participação do capiroto, eu acabei fazendo amizade com ele.

Eis que ontem terminei de ler: Billy Summers!

Que livraço!

O Billy é um matador de aluguel, cruel, atirador de elite, sniper, frio e calculista, além de gente boa pra caramba! Olha que loucura isso?

Ele foi contratado para “um último serviço”, segundo ele.

Até então ele sempre ganhava de 200 a 300 mil dólares por seus servicinhos, mas nesse, ofereceram 2 mil dólares com adiantamento de 500 mil! Eita! Estava bom demais pra ser verdade...

Ele, para fazer o serviço, teria que morar em uma cidadezinha do interior, até o dia em que um bandido fosse à um julgamento no fórum dessa cidade, e então, de um prédio a 500 metros, o Billy, enfiaria uma bala em sua cabecinha.

Como dizia meu falecido padrinho Zelmo: — Isso é mole pro gato!

É seria mesmo fácil, se o Billy não se envolvesse com as pessoas da cidade, com as pessoas do prédio onde deveria atirar, com uma menina que foi estuprada e jogada na rua, com os vizinhos legais da casa que alugou e os da outra casa que alugou para usar de esconderijo depois do serviço.

Parecia fácil também, se o contratante pagasse o restante do combinado depois do serviço, e se não colocasse a cabeça do Billy à prêmio...

Parecia fácil, se o Billy não fosse um cara tão justo, legal e certo com os combinados.

Logicamente ele quis fazer justiça no caso da menina estuprada, no caso do restante de seu pagamento e até, quando descobriu o porquê de ter sido contratado e porque teve que matar o cara na frente do tribunal.

Realmente Stephen, meu amigo... Um livraço!

Leiam.

Leiam sem medo!

Deliciem-se com a história. Envolvam-se... Vale a pena.

 

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Resenha: É facil matar. Autor: Agatha Crhistie

 





            É fácil matar, é o primeiro livro que leio esse ano, e é o primeiro livro que leio da Agatha Christie.
Tudo bem, tudo bem... Como pode um escritor de histórias policiais nunca ter lido Agatha? Eu já pedi desculpas pra ela e pra nossa senhora do romance policial! E elas me perdoaram! Então, se você me julgar, fique sabendo que vai para o inferno literário, cuidado!
            Confesso que até a metade do livro, onde os personagens foram apresentados, apresentados e apresentados, eu achei o ritmo muito lento, e por isso dei uma empacada. Mas agora que terminei a leitura, entendi, que as apresentações e a lentidão podem ter sido intencionais.
            É fácil matar, conta a história de um investigador, (Luke), que através de uma conversa informal com uma senhorinha, é apresentado a um possível cenário de homicídios em série. A velhinha (senhora Pinkerton), disse que devido a essa onda de assassinatos estava indo à Scotland Yard contar o que sabia, pois não confiava na polícia de sua cidade.
Durante a conversa, Luke não deu credibilidade ao que escutou da senhora Pinkerton, achou até que poderia ser uma fantasia da cabeça dela.
No dia seguinte, ao ler a página de obituários, o investigador se deparou com a notícia de que a senhora Pinkerton havia morrido atropelada. Essa notícia foi o suficiente para que a chama investigativa acendesse, e Luke não resistindo, teve que ir até a cidade onde teoricamente existia um serial killer e começar a investigar.
            À partir desse momento, o livro nos apresenta muitos suspeitos, muitos motivos, alguns álibis não confiáveis, possíveis tramas e muita investigação.
Luke depois de investigar várias pessoas da cidade, e encontrar um suspeito que poderia ter problemas não resolvidos com todos os assassinados, finalmente encontra o serial killer. Bom pelo menos ele acha que encontrou, porque a gente sabe, que nunca é fácil assim! E tem mais! A gente quer que o policial sofra um pouco! Detetives resolvendo crimes facilmente é frustrante para o leitor.
            A Agatha sabia disso e deixou "o legal" para as últimas páginas, onde existe um plot, que vai surpreender os menos desavisados.
            O "não legal", é que em dado momento, um personagem conta uma história antiga, e aí, a capa do livro, denunciou quem era realmente o assassino... Por isso o plot não foi tão surpreendente pra mim!
            Fica aqui um pedido à editora Harpper Collins: Mudem essa capa por favor, ela é bonita, mas denuncia as coisas! Pensem nisso.
            Pensando aqui, em dar uma nota de 1 a 10, o livro, pra mim, merece 7. Boa leitura, fluída da metade para frente e interessante.
            Apesar de escrita em 1938, a história não é tão datada e a gente consegue ler e interagir com os personagens perfeitamente.
Enfim, é uma boa leitura e uma grata surpresa. Obrigado Agatha! Vou ler mais livros seus, minha nova amiga!

           

           


sábado, 18 de fevereiro de 2023

Borracharia Brás Cubas

 



— Interessante o nome da borracharia do senhor.

— É... — respondeu o borracheiro sem olhar pra mim.

— Borracharia Brás Cubas, — continuei intrigado — como foi que o senhor chegou nesse nome?

O borracheiro retirou o pneu furado e o colocou no chão, depois começou a desmontá-lo e, ainda sem olhar pra mim, respondeu:

— É que eu sou comunista.

— Comunista? Como assim? Não entendi...

— Uai, comunista! O doutor não sabe o que é comunista?

Pelo tom áspero de sua voz, me pareceu que o borracheiro não gostou muito das minhas perguntas, mas, mesmo assim resolvi continuar perguntando:

— Eu sei o que é comunista, mas o que tem a ver o nome Brás Cubas e o comunismo?

— Me desculpe doutor, — falou o borracheiro se levantando com a câmara de ar na mão e se dirigindo até uma bancada — mas é só o senhor pensar um pouquinho. Brás Cubas é o ajuntamento de Brasil e Cuba.

“Meu Deus! — pensei surpreso. — Eu aqui achando que o borracheiro era uma pessoa culta e ele me vem com uma ideia dessas!”

— O senhor é doutor mais não sabe de algumas coisas que nós aqui da periferia sabemos. — desafiou o borracheiro, agora parecendo empolgado com o assunto.

— Ah é? E o que o senhor entende de comunismo?

— Entendo muito mais do que o senhor acha que eu entendo! Sigo as ideias de Raul. Saiba o senhor, que o Raul foi um grande pensador comunista.

— Raul? Que Raul? — perguntei cada vez mais surpreso. — O Raul Castro, irmão do Fidel Castro?

— Não meu amigo, — caçoou o borracheiro com um sorriso de conto de boca, expressando desdém pela minha pessoa — o Raul Seixas!

— Raul Seixas?

— Isso mesmo doutor! Raul Seixas! Da sociedade alternativa, do novo Aeon, quem não tem colírio usa óculos escuros! O senhor não entende as mensagens? O Zé entendeu...

— Zé? Que Zé? O Zé Dirceu?

— Não doutor... O Zé Ramalho!

— Zé Ramalho?

— Isso doutor! Nós vivemos uma vida de gado! — anunciou o borracheiro olhando para o além como se fizesse um discurso para uma multidão. —  Zé toca Raul! Um dia a sociedade alternativa vai descer no nosso planeta e a gente vai pra outra galáxia.

— A gente quem? Eu e você?

— Não doutor. — respondeu o borracheiro balançando a cabeça. — Tá na Bíblia! O senhor lê a Bíblia? Pessoas assim como o senhor, que acha que sabe de tudo não vão! Só nós... Os puros de coração é que vamos ser arrebatados! Pessoas que acham que sabem tudo são arrogantes.

— Arrogantes não vão ser arrebatados? — perguntei maliciosamente.

— Não doutor! — respondeu o borracheiro apontando o dedo para mim. — Mas tem uma salvação pro senhor.

— Ah é... Ufa! E qual é a minha salvação?

— A metamorfose ambulante.

— O que?

— A metamorfose ambulante! Se o senhor preferir ser a metamorfose ambulante, ao invés de ter essa sua velha opinião formada sobre tudo; quem sabe o senhor não vai também.

Não sei como e nem por quê, mas essa última resposta do borracheiro me acertou feito um soco no estômago! Tanto, que depois dela eu resolvi me calar e saí de lado, fingindo que falava ao telefone, esperando-o terminar o serviço.

Eu saí da borracharia Brás Cubas diferente. Meu intelecto me dizia que as coisas que o borracheiro falou, eram coisas malucas e sem nexo, que só poderiam existir na cabeça de um lunático, mas uma pulga ficou atrás da minha orelha. Será que querer sempre dar uma de intelectual, e brigar para ter razão em tudo, não nos transforma em pessoas arrogantes? Aquele maluco me deu uma lição. Acho que vou preferir a metamorfose ambulante, a partir de hoje. Vai que a nave me esquece no dia do arrebatamento...