Os
cem metros daquele corredor pareciam os cem metros mais compridos que seu
Armando e Miguel já haviam percorrido, no caminho eles passaram em frente
várias celas e viram muitos rostos famintos, sofridos, com doenças e muita
sujeira, na cela não havia água pra banho, havia apenas uma pedra com uma
esteira de palha que servia de colchão e um penico que servia de latrina, as
pesadas grades fechavam aquelas celas como se elas fossem túmulos, que
trancavam em seu interior almas penadas que esperavam a “salvação” que seria
sair dali, mesmo que fosse para uma forca ou para a fogueira. Mais alguns
passos e eles chegaram até a última cela à esquerda, senhor Armando ficou com o
coração chocado quando viu seu filho Juanito, sentado no fundo da cela de
cócoras, segurando suas pernas com seus bracinhos de criança e olhando
fixamente para uma fresta de luz que vinha da rua por uma rachadura na parede
de pedra.
- Filho!
Juanito
não se mexeu e nem acordou do transe de tristeza em que estava mergulhado.
- Ei
Filho, sou eu, o papai!
Juanito
levantou seu olhar para aquelas duas pessoas encapuzadas na porta de sua cela.
O menino fitou os dois por um longo instante, e abriu um leve sorriso assustado
e incrédulo, quando percebeu que um deles era seu pai, que notando o susto do
menino, foi logo fazendo sinal para que ele não gritasse e nem fizesse barulho.
- Papai
– sussurrou Juanito correndo até as grades - como o senhor entrou aqui?
- Fique
tranquilo filho, eu vim pra te levar para casa!
- Mas
como papai? – disse o menino deixando escorrer algumas lágrimas.
-
Ainda não sei filho, mas eu vou te tirar daqui – repetiu Armando, também com os
olhos lacrimosos.
- E
você? - falou Juanito se virando para Miguel que havia retirado o capuz – eu te
conheço da escola, porque você veio junto com meu pai?
- Filho,
- falou seu Armando chamando a atenção de Juan - eu preciso saber se você
escreveu mesmo essa tal poesia?
- Escrevi
sim pai, mas não sabia que era um crime tão terrível...
-Você
se lembra o que escreveu? - perguntou Miguel.
- Lembro
bem.
- Você
poderia declamar essa poesia pra gente escutar?
- Posso
sim:
“Ó
mulher que suga meu ar.
Que
faz minha face enrubescer.
Não
sou nada sem sua presença.
Nem
sequer existo longe de ti.
E
quando chego-me perto de ti, percebo minha insignificância.
Apenas
me sinto uma planta, indefesa, imóvel, que necessita de seus raios! De sua
energia!
Ó
mulher, és a melhor entre as mulheres.
És
aquela por quem meu coração dispara.
És
aquela por quem minha vida grita a plenos pulmões! Quero ser teu escravo, quero
ser teu súdito, quero ser seu!
Agora
e para sempre!
Todos
os homens, se te conhecessem fariam assim como eu!
Jurariam
amor, jurariam fidelidade.
Agora
e para sempre!”
-
Puxa que lindo Juanito. - falou Miguel limpando uma lágrima que teimava em
escorrer. - Você escreveu isso com amor mesmo.
- Filho,
amanhã na hora da execução fale que não foi você quem escreveu!
- Não
posso pai, as perguntas são feitas depois de um juramento sobre a Bíblia
sagrada. E foi eu mesmo que escrevi.
- Eu
sei filho - lutou senhor Armando - mas você vai preferir morrer?
- Eu
sei pai, mas como vou jurar, me salvar agora e depois ir para o inferno
eternamente?
- Deixe
Sr. Armando, nós vamos arrumar uma forma de salvar Juan! O senhor se importa de
ir andando na frente porque eu tenho uma pergunta particular para fazer a ele?
- Pergunta
particular?
- Isso
mesmo, uma pergunta que me veio à cabeça e que talvez seja a nossa salvação,
mas isso é entre eu e o Juan.
O
senhor Armando se ajoelhou junto a grade, segurou a mãozinha do seu filhinho,
lhe deu um beijo na testa, e evitando chorar diante dele, se afastou com o
coração esmagado pela dor de deixar sua cria num lugar tão triste e desumano
como aquele.
E cá estou eu relendo e acompanhando cada cena, como se fora a primeira vez.
ResponderExcluirAbraço e bom fim de semana
Ainda bem que gostas!!
ExcluirNossa, que emoção desse reencontro, como será o fim desse menino que cometeu sacrilégio?
ResponderExcluirNão há exagero nenhum por aqui em seu belo conto, pois pelo que já lemos e conhecemos, a Igreja Católica cometeu esses e muitos outros crimes em nome de Deus, horror!
Vamos indo, estou curiosa com a pergunta que o Miguel irá fazer ao Juan, o poema é lindo, mas imagino mesmo como seria um poema assim no tempo da Inquisição!!!
Amigo Andre, que bom que não tenhas ficado aborrecido com minha observação, sobre a palavra usada "guri", não quis ser chata, só observei e amo te ler, como já disse, tens uma capacidade de prender a atenção em seus escritos, por isso observei, leio sempre com atenção!
Abraços apertados!
Hahahahahaha, pode fazer qualquer observação, e todas são bem vindas!!!
ExcluirMuito bom te acompanhar.Rico em detalhes e questionamentos! abração,chica
ResponderExcluirObrigado Chica!!
ExcluirUm texto tocante!
ResponderExcluirObrigado Ana!
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