Fazia
algum tempo que Armando não vinha à cidade, toda sua vida era trabalhar todos os
dias, de sol a sol, no plantio de cevada, trigo, batatas e na criação de porcos,
cabras e coelhos. Raramente Armando tirava um dia para descansar com a família,
geralmente quando fazia isso era porque a neve estava tão alta que emperrava a
porta, deixando-os enclausurados dentro de casa. Seus produtos eram trazidos
para serem vendidos e trocados na cidade pelo seu vizinho Honorato, que era
quem geralmente vendia todos os produtos de todos os agricultores da sua
aldeia. Por isso, Armando olhava admirado ao perceber o quanto a vila havia crescido
e como as casas haviam se agrupado em volta do castelo, da prefeitura e do
mosteiro da santa Igreja.
As
pessoas andavam pela rua com pressa parecendo que iriam a algum lugar
importante. Deu pra ver que na vila havia a loja do ferreiro, a loja dos
mantimentos trazidos da roça e a loja de produtos importados, entre eles, especiarias
vindas da África, azeite e vinho dos Algarves e lindos tecidos vindos do Oriente
Médio. Armando e Miguel também repararam, que algumas mulheres usavam lindos
vestidos de algodão e que algumas crianças já calçavam sapatos de couro e não
chinelos de pano de saco com solado de madeira, como era lá na aldeia. “Meu
Deus! - pensou Armando. - Como a cidade está mudada...”
Os
dois andaram um pouco pela cidade procurando algum lugar para comer algo e
esperar, pois o turno da tarde na masmorra ainda iria demorar algumas horas e o
guarda Natanael falou que só deveriam entregar a carta ao tal chefe da guarda, Sr.
Antonio Fernandes. Entraram os dois numa taberna e ajeitaram-se numa mesa. Uma
mulher sorridente chegou perto deles e perguntou:
- Bom
dia senhores, vão querer beber alguma coisa? Hoje temos vinho e cerveja
fermentada de trigo.
-
Traga vinho e um bom pedaço de queijo com alguns pães para acompanhar a bebida.
- falou Armando.
- Bom
mesmo Sr. Armando, porque eu estou com muita fome. –falou Miguel, que virando-se
para a atendente, perguntou: - Onde é o banheiro aqui senhora?
- Lá
nos fundos meu rapaz, pode seguir por aquele corredor e virar à esquerda.
Miguel
levantou-se e seguiu pelo longo corredor ladeado por mesas, todas cobertas com
linho branco e com um candelabro de quatro velas ao centro, a taberna já devia
ser bem antiga porque as teias de aranha desciam do telhado até os arcos que
sustentavam as paredes, e assim, formavam desenhos que faziam a imaginação
passear sobre a idade e as estórias que aquele lugar já viveu. Miguel olhou a
sua volta e viu um homem sentado atacando ferozmente um prato de cozido de
cabra, deu pra ver que este homem usava um uniforme igual ao do guarda da
estrada, Miguel passou encarando-o tanto que o homem parou por um momento de
comer e olhou fixamente para o rapaz.
Quando
chegou ao banheiro, Miguel foi direto até a pia, lavar as mãos e o rosto,
porque a poeira da estrada havia deixado seu rosto imundo e ele não conseguiria
almoçar sujo daquele jeito, enquanto lavava o rosto, ele não percebeu, que
alguém entrou furtivamente, feito um gato, pé ante pé, e se colocou bem atrás
dele com a espada em punho esperando alguma reação sua. Miguel, distraído, se
virou, e deu de cara com a ponta da espada em frente seu nariz.
- Posso
saber porque o senhor passou por mim me encarando daquele jeito guri? -
Perguntou o soldado faminto que a pouco estava sentado à mesa junto ao
corredor.
-
Nada senhor! - falou Miguel tremendo de medo. - Eu apenas estava olhando.
- De
onde é você rapaz?
- Daqui
de Manzaneda mesmo, eu moro na área de
plantação, meu pai tem um pedaço de terra...
- E o
que você está fazendo aqui na vila?
-
Eu e o Sr. Armando meu vizinho viemos buscar o filho dele que foi preso
injustamente, viemos procurar o soldado Antonio Fernandes, mas como o turno
dele só começa daqui a algumas horas nós resolvemos comer alguma coisa antes.
-
De onde vocês conhecem o Antonio Fernandes?
- Foi
o soldado Natanael quem nos indicou pra falar com ele. O soldado Natanael deu
até uma carta de apresentação pra gente.
- Onde
está essa carta? Me deixe vê-la!
- Está
com o Sr. Armando lá na mesa.
O
soldado aproximando-se de Miguel, o segurou pela orelha e saiu puxando para
fora do banheiro falando: - Vamos ver se você está falando a verdade.
Quando
passaram pelo batente da porta do banheiro, Miguel percebeu que Armando não
estava mais sentado à mesa, foi então que o guarda que já quase arrancava sua
orelha falou aos berros: - Onde está seu amigo, guri mentiroso?
- Estou
aqui atrás de você companheiro - falou Armando encostando um punhal no pescoço
do guarda - solte meu amigo Miguel e jogue sua espada no chão que nada vai te
acontecer!
O
guarda soltou a orelha de Miguel que latejava ardendo feito pimenta e jogou sua
espada ao chão.
- Miguel,
pegue essa espada - falou Armando – e o senhor, soldado, - disse encostando o punhal
mais forte no pescoço do guarda - sente-se nesta cadeira a sua frente e ponha
as mãos atrás da cabeça.
O
soldado sentou-se e olhou para aquelas duas figuras a sua frente, um velho e um
guri estavam lhe rendendo, logo ele um guarda da real corte da prefeitura de
Manzaneda. Foi então, que com um simples golpe de sua bota, o guarda derrubou a
espada das mãos de Miguel, e como um leão à caça, pulou em cima de Armando imobilizando-o
e retirando o punhal de sua mão. Depois dessa facilidade toda, falou em meio a
gargalhadas:
-
Vocês dois achavam mesmo que poderiam render uma pessoa talhada na arte da
guerra? Onde está a tal carta que Natanael mandou vocês me entregarem?
- O
senhor é Antonio Fernandes?
- Capitão
Antonio Fernandes meu rapaz, vamos, deixem eu ver a carta logo!
-
Aqui está Capitão Fernandes - falou Armando entregando a carta ao homem - o
soldado Natanael falou que o senhor nos ajudaria pois é um homem de bem.
- Hummm,
deixe eu dar uma olhada nisso.
O
capitão Fernandes leu tudo com atenção e depois de umas coçadelas na cabeça,
olhou como se não acreditasse naquela situação, e falou: - Esse Natanael só me
arruma encrenca mesmo! Tudo bem, vocês podem ir até a porta da masmorra ao pôr
do sol sem falta, podem entrar que eu já vou deixar avisado, vou deixar vocês
conversarem com esse seu filho alguns momentos, mas não serão muitos, então,
pensem no que vão conversar para não perderem tempo.
Dizendo
isso, o capitão Fernandes fez um gesto de cumprimento e, ao sair pela porta da
taberna, frisou olhando para seu Armando com o dedo em riste:
- Até
ao por do sol então, e não se atrasem.
Muito bom o conto, suspense eim?
ResponderExcluirAmigo Andre, como disse no primeiro capítulo, foi uma época de se ter de recordar para não se repetir, Inquisição, mas se me permite, já que está postando partes de um livro seu, só achei estranha a palavra "guri", ela é usada ainda aqui no Brasil, principalmente no sul/sudeste, mas como tens a intenção de nos fazer pensar e sendo assim acho que faz parte da analogia que, com sua inteligência está querendo passar aqui nesse seu conto.
É, quem lê interpreta como achar melhor, mas eu estou fazendo essa analogia, se não for, tudo bem também, está sendo bem escrito, eu nem sei se poderia escrever assim, claramente!Parabéns!
Abraços apertados!
Verdade! Obrigado pela dica!
ExcluirContinuo a reler esta história, que me encantou desde o primeiro momento.
ResponderExcluirAbraço e bom Domingo
Valeu Elvira!
ExcluirPeguei o bonde andando, mas já li todos os capítulos; agora, é esperar os restantes. Meu abraço, boa semana!
ResponderExcluirIsso que dá ficar sumidinho, hahahahahahahahahaha.
ExcluirUm abração!
Que forma "meiga tem António Fernandes de se apresentar!...
ResponderExcluirUma escrita bem cadenciada, deixando vontade de ler logo a continuação.
xx
O povo daquela época devia ser meigo mesmo! Hahahahahaha.
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