terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Podemos ser um Noel também

Eu re-posto alguns textos de vez em quando aqui no blog. Esse é um que vou postar de novo a cada natal. 




            Eu vejo essas pessoas que falam que se lembram de tudo o que aconteceu com elas desde que eram crianças, desde que tinham três ou quatro anos, que se lembram “como se fosse hoje”, aí eu penso que então eu sou meio ruim das ideias.

            Eu não me lembro de quase nada! Na verdade, eu tenho uns flashes de algumas coisas que me aconteceram e que geralmente, não sei porque, são lembranças de momentos não tão felizes.

            O pensamento mais antigo que lembro é um muito triste, ele é de um homem que vendia biju na rua.

            Hoje não se vê mais isso, mas o “bijuzeiro” era uma pessoa que andava pela rua, com uma coisa barulhenta na mão, que se chamava matraca. Essa matraca era uma plaquinha de madeira, que tinha uma alça e uma dobradiça, que o bijuzeiro balançava girando o braço, o que fazia a dobradiça bater pra cá e pra lá e fazer um barulho, tipo: “plac plac plac plac!

            — Olha o bijuuuuuuu!” — eles gritavam.

            E a criançada corria para comprar isso, que nada mais era, do que uma massa doce, quase igual a massa do sorvete cascão que a gente compra hoje nas sorveterias.

            Eu devia ter uns quatro anos, (sei disso pela casa em que a gente morava) e ainda não sabia contar o dinheiro. Eu lembro que fui correndo em casa e peguei uma nota qualquer que estava por ali e corri pra comprar o biju. O homem disse que o dinheiro não dava. Então eu voltei correndo e peguei outro dinheiro que encontrei, fui correndo e ele disse que ainda não dava. Eu falei pra ele esperar e voltei correndo vasculhei a casa toda e arranjei mais umas notas e moedas, voltei de novo ao bijuzeiro, que pegou as notas todas amassadas na minha mãozinha de criança e falou para as outras crianças que estavam em volta dele:

            — Olha o dinheiro desse gordinho! Hahahahaha! Não dá pra nada e até parece dinheiro de bêbado, todo amassado! — e virando-se pra mim, sorrindo com um sorriso de demônio banguela, disse. — Vai embora moleque, seu dinheiro não dá pra comprar nada.

            Todos os meninos deram risada da minha cara... Essa é a lembrança mais antiga que eu tenho: um bijuzeiro velho, banguela e desumano. Na verdade, acho que lhe faltava só os atacantes... Os laterais ele ainda tinha, naquela boca feia.

            Outra lembrança muito antiga, deve ser do ano seguinte, no Natal, que é o Natal que eu recebi meu primeiro presente do papai Noel, e olha eu já tinha quatro anos.

            Até então, meu pai que trabalhava muito, mas que também adorava gastar com as maravilhas da noite, não deixava faltar o básico em casa, que era comida, aluguel, água e luz; mas fora isso, tudo era luxo! Chocolate eu acho que ganhava uma barrinha a cada três ou quatro meses. Refrigerante deveria dar pra uma semana e não era toda semana que tinha. Bolacha recheada, iogurte, salgadinho... Eu nem sabia que essas coisas existiam.  Nesse contexto de humildade e pobreza, eu pedi numa redação da escola que o papai Noel me desse uma bola “dente de leite”, que era uma bola que tinha naquele tempo, e que parecia uma bexigona. Hoje em dia as crianças não querem nem ver uma bola dessas, seria quase um motivo de bulling, mas pra gente no final dos anos 70 era um brinquedo sensacional.

            Lembro que era de noite e meu pai foi a cozinha, voltou, e se deitou na cama com minha mãe. Eu dormia numa cama ao lado, porque nossa casa só tinha um quarto, um banheiro e uma cozinha.

            Depois de algum tempo meu pai falou como se estivesse assustado:

            — André, você escutou esse barulho na cozinha? Vai lá ver o que é?

            Eu fui e me lembro da bola ali em cima da pia! Embrulhada num papel vermelho. Puxa vida! — eu pensei. — O papai Noel havia leu a minha redação!

            Meu Natal não teve nada além da bola, eu nem sabia o que era panetone, não teve refrigerante, leitoa assada, churrasco... Imagina se isso era possível. Mas não importava nada disso, porque eu tinha ganhado uma bola dente de leite! O que mais que eu iria querer na vida?

            Essa, apesar de hoje eu saber que não era uma situação fácil e que não foi um Natal feliz, mesmo assim, acaba sendo uma lembrança boa.

            Meu primeiro presente de Natal, esse a gente nunca esquece.

            Esses dias eu estava pensando em como a vida melhorou, apesar de não ter mais meu pai aqui entre nós.

            Ele poderia ter sido muito mais feliz e fazer da gente uma família muito mais feliz também, mas reconheço que alguns anos antes dele morrer, ele já havia resolvido ser pai de família de verdade e a situação melhorou muito.

            Há algum tempo eu assisti uma reportagem sobre garotos muito pobres que estavam pedindo ao papai Noel lhes trazer alguma coisa no Natal. Um carrinho, uma bolinha, uma roupinha, qualquer coisa.

            Os correios têm uma iniciativa muito bacana, aonde você pode ir até lá, ler alguma das cartinhas endereçadas ao papai Noel e se resolver, dar o presente para a criança.

            Eu sei que só vai o presentinho que a criança pediu. Não vai churrasco, nem leitoa assada, e talvez essa criança também nem saiba o que é panetone, mas eu me lembro da felicidade que fiquei quando o papai Noel me trouxe aquela bola dente de leite e posso falar que valeu a pena!

            Talvez, se a gente, que hoje pode, resolver ter uma atitude de presentear uma criança dessas, essa atitude possa ser daqui a 30, 40, 50 anos, uma lembrança boa na cabeça de algum adulto, que talvez não quebre a corrente, e continue fazendo alguma criança feliz por aí.

            O que acha?

 


17 comentários:

  1. Dedé!
    Maravilhoso o texto!
    Sinceramente, nem sei o que comentar...
    o mundo é injusto, e é talvez o primeiro contato mais de perto que uma criança tem com o discernimento disso..., uma pena que seja assim.

    Texto muito, muito humano mesmo, difícil não chorar, Dedé...

    Abração para ti e família!

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  2. Eu me lembro de ter lido esse teu artigo no ano passado e realmente é tocante.
    Bom seria se todos pensassem assim e agissem dessa forma; certamente não consertaríamos o mundo, mas faríamos muitas crianças felizes.
    Até, André!

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  3. REALMENTE LINDO!! SE TODAS AS PESSOAS PUDESSEM AGIR DESSA FORMA...
    mE EMOCIONEI COM SEU TEXTO. UM GRANDE ABRAÇO!!
    JORGE-MENTEABERTA.BLOGSPOT.COM

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  4. André, conseguiste me emocionar cedinho... Lindo o texto de uma sensibilidade incrível... Aplausos sempre!! abração,chica

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  5. Meu comentário seria inutil.
    Tiugo.

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  6. Meu comentário seria inutil.
    Tiugo.

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  7. Oi André,
    Fiquei emocionada com o seu relato. Também já participei deste papai-noel pelo correio, mas acabei desistindo pela dificuldade que encontrei para remeter os presentes.
    Somente quem já sentiu como você sabe compreender o verdadeiro espírito do Natal e o desalento da criançada carente e pobre, que não tem a felicidade sequer de curtir ilusão do papel-noel.
    Abração.

    PS: Atualizei desde ontem, embora tenha havido
    incorreção na atualização do blogger.

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  8. Que lindo seu texto, André! Tão intenso... sinceramente, sem palavras!
    Só consigo dizer que acredito, que vc tenha sido um Papai Noel e tanto, na vida dessas crianças crianças, a cada ano que passa. Com certeza!!!!

    Sem mais... forte abraço pra vc e family.
    JoicySorciere - Blog Umas e outras...

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  9. Bahhhhh... que lindo, André!

    Eu e Ana tivemos bons natais, embora nossos pais não fossem de grandes festejos naquela época (íamos mais à missa e passeávamos para ver as casas enfeitadas).

    Por conta do trabalho do pai (arquiteto dono de construtora), tínhamos uma vida bem razoável e poderíamos pedir coisas legais no Natal.

    Mas lembro especialmente de um Natal (na época tínhamos 5 anos eu e 4 a Ana e vivíamos em Pelotas). Foi assim: o pai, tendo feito a reforma da Loja Mesbla naquela cidade, tinha direito de tirar os presentes de Natal de lá. Algum tipo de permuta... sei lá...
    Bom, nos levou num final de expediente e disse na frente da enorme seção de brinquedos: "escolham o que quiserem!".
    Pois, não é que eu escolhi um trenzinho e a Ana um cachorrinho de pelúcia que andava?... ou seja, naquele mundaréu de coisa grande, cara e interessante, escolhemos presentinhos bem singelos.

    Meu pai, meio desapontado, obviamente, entendeu e ficou satisfeito com a educação que passou pra nós de valorizar as coisas simples da vida, tenho certeza! E valorizar, principalmente, o quanto vale um brinquedo que uma criança quer muito... mesmo que seja um trenzinho de plástico.

    Hoje, a Ana ensina a Luíse a doar os brinquedos no Natal.

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  10. André..sei bem a sua emoção...

    Eu todo ano vou aos correios e adoro algumas ciranças.
    Começo a ler as cartas e saio de lá chorando.

    Bom poder ajudar...compartilhar....

    O mundo seria bem melhor.....

    Vc é um exemplo..me emocionei....

    Beijo

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  11. Querido André, no seu gesto está representado aquilo que de mais simples e ao mesmo tempo de mais puro e verdadeiro deveria está presente nas relações humanas, fazer ao próximo aquilo que gostaríamos que fizessem a nós. Seu texto contém sabedorias e ensinamentos meu amigo. Um grande abraço.

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  12. Quem inventou o natal tinha muito dinheiro para gastar com seus filhos e como todo ser humano egoísta não pensou nos necessitados. Tenho certeza que foi o capitalismo.

    Esta data não deveria existir, todos os dias o "espírito do natal" tão comentado deveria ser a regra geral.

    O Datena trabalha no natal?

    Abraço

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  13. Que bijuzero safado...fiquei com raiva agora, e quando vc descrevia o texto, pensei que ele ia te enganar e pegar mais do que o necessario. Uma lembrança forte que tenho do natal, foi quando morando com minha vô,um ano depois da morte dos meus pais,eu queria uma arvore de natal em casa, mas a gente não tinha condição. Então fui a um terreno baldio que tinha proximo a minha casa, e cortei um pedaço de arvore, pedi um enfeite para um vizinho aqui, outro ali, e roubei um pisca pisca de uma velha chata que morava na rua de cima ( toda vez que a bola caia no quintal dela ela furava ).Peguei porque ela ja tinha furado uma bola minha, então no meu discernimento, ela me devia. tive então uma arvore de natal destrambelhada, mas meus irmãos adoraram..eu tinha uns 9 anos.

    abraço André...

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  14. O vida pode não dar igualdade. Muitos se sentem sabotados por ela. Mas satisfazer os anseios de quem não tem nada a esperar traz mais felicidade a quem doa que a quem recebe.
    Para você, a chance de ser um Papai Noel é uma bênção, um resgate que apaga tristes lembranças.

    Grande beijo!

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  15. Boa noite querido!
    Estive aqui por tres vezes fazendo comentários,mas não enviei nenhum,pois estava tão nostalgico que preferi excluir.É o seguinte querido,como não tive uma infância feliz(minha vida está no ping pong da Emília )e lendo seu texto não tem como não retroceder no tempo.Peço desculpas não poder comentar na maneira que desejo...mas senti o seu desejo de mudança ...
    Bjs para aquecer teus dias até o Natal!

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  16. belo texto, querido amigo. quanto não vale o sorriso de uma criança?
    um forte abraço pré-natalício!

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  17. André poxa vida, vc falou uma coisa verdadeira mesmo. A criança que ganha o que pede no natal nao se importa com o resto da festa. Eu acho que nem comia nada tb... kkkkk

    E o teu gesto é maravilhoso. Continue fazendo isso que alem de alimentar teu espirito vai colocar um sorrisão no rosto de um crianca em algum lugar!

    Beijos!

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