sábado, 26 de dezembro de 2020

O pão de Antônio

 

 


                                          


Noel virou a esquina errada quando estava chegando à Londres e quando caiu em si, estava viajando com seu trenó no meio do oceano.

- Que estranho, - pensou – onde está a terra firme? Eu não me lembro que da Lapônia até Londres tinha esse pedaço tão grande de mar...

Mesmo achando que estava no caminho errado, Noel continuou em frente confiando no instinto de suas renas, que continuavam a cavalgada como se soubessem o caminho.

Depois de algumas horas ele avistou algumas luzes no meio do nada, parecia um vilarejo. Mas o velho ficou surpreso quando percebeu que o vilarejo era muito precário,

- Com certeza não estamos na Inglaterra. – disse para si mesmo em voz alta. Tudo estava muito escuro. Alguns lampiões colocados em locais estratégicos iluminavam pedaços da noite em meio as vielas enlameadas devido a alguns dias de intensa chuva.

Os casebres ficavam espalhados pela vila sem alguma ordem que desse para entender, a não ser o fato de que rodeavam a igreja que ficava numa espécie de praça central.

As pessoas estavam reunidas num galpão que ficava ao lado da igreja.

Noel escondeu seu trenó atrás numa árvore, disse para as renas não fazerem barulho e foi com cuidado dar uma espiada.

Pé ante pé Noel chegou até a janela do barracão e furtivamente começou a espiar. Ele viu que um homem vestido com túnica branca falava para pessoas, que atentamente o escutavam sem ao menos piscar.

Noel achou interessante aquilo, porque sabia que não existia nada a quilômetros de distância, mesmo assim na pobreza extrema daquele povo ele percebeu pela feição deles que eles respeitavam aquele homem. Ele até se lembrou de outro homem, a muitos anos atrás que pregava e batizava às margens do Rio Jordão, e que pessoas humildes o seguiam sem pestanejar. Esse homem parecia ser um messias para aquelas pessoas. Até um cajado ele tinha nas mãos, como se fosse um novo Moisés.

Entretido na sua observação e nas velhas lembranças, Noel escutou um "click" atrás de si e lentamente virou-se dando de cara com os dois canos de uma carabina apontados no meio da sua testa.

- Quem é vósmecê?

- Eu sou o Noel. Também conhecido como papai Noel. – disse arregalando os olhos.

- Pai de quem?

- Noel... Você nunca ouviu falar?

- Vosmecê é português?

- Hã...? Português? Não, eu sou da Lapônia.

- Mas o sinhô fala português. – falou o homem aumentando a vós.

- É... – respondeu Noel levantando os braços. – Isso se deve a magia natalina.

- Você então é um bruxo?

- Não... – falou Noel tentando consertar o mal entendido. – A magia do Natal não sou eu quem faço. Ela existe porque hoje o mundo inteiro se une para adorar o nascimento do cordeiro.

- É melhor vosmecê parar de falar, porque essas suas conversas estão muito estranhas. Eu vô levá ocê pra conversá com o mestre Antônio Conselheiro.

O homem, apontando a carabina para Noel, fez um sinal para que ele andasse e entrasse no barracão.

Lá na frente, em cima de uma espécie de púlpito feito com tábuas, o velho com o cajado na mão franziu o cenho e seu susto fez com que as pessoas que estavam sentadas em silêncio se voltassem para a entrada do barracão. Todos estranharam ao ver aquela figura estranha. Alguns se colocaram de pé, outros fizeram o sinal da cruz, e outros esperaram para ver o que o mestre Antônio Conselheiro iria fazer.

- Mestre! - falou o sentinela. - Esse sujeito aqui tava espiando ali da janela. Eu perguntei quem ele era e ele me falou que era o pai dum tal de Noel.

- Não meu filho - interrompeu o bom velhinho - eu sou o papai Noel!

As pessoas sem entender nada, olhavam e cochichavam umas com as outras e procuravam no seu velho mestre Antônio Conselheiro uma razão para essa situação. O mestre, por sua vez, levantou o cajado e como se entendesse cada movimento do messias, as pessoas se sentaram e ficaram quietas observando. 

Depois virando-se para Noel o velho Antônio Conselheiro falou:

- O senhor é português? Veio aqui mandado pelo rei?

- Pelo rei? – falou Noel fazendo cara de desentendido. - Que rei?

- Senhor, - falou o Conselheiro ainda demonstrando calma - não te faças de desentendido. O rei de Portugal colonizador que se acha o dono dessa terra chamada Brasil.

- Olha meu filho, hohohohoho, eu sou o papai Noel, eu venho das terras gélidas do norte europeu e vim trazer paz e alegria junto com o espírito natalino.

- O que é espírito natalino? - perguntou Antonio Conselheiro olhando Noel de cima abaixo.

- É o espírito de paz, alegria, felicidade, amor! Eu faço isso a muitos anos lá na minha terra, e parece que meu chefe mexeu uns pauzinhos para eu começar a fazer isso aqui nessas novas terras também.

- Seu chefe é o rei de Portugal? O senhor é português? 

- Hohohohoho! - gargalhou papai Noel – Não, eu sigo apenas as ordens de Deus! Eu represento a união dos povos em torno do nascimento de Jesus!

- O senhor é chegado a uma falácia hein senhor Noel? – disse Antônio Conselheiro coçando a barba. - Onde já se viu dizer que trabalha diretamente com Deus... O senhor é português e trabalha para o rei de Portugal e está aqui pra confundir meu povo, mas nós não vamos deixar! O senhor tem dez minutos pra se retirar da vila de Canudos e se voltar aqui mais uma vez, não vai sair com vida. E por favor não seja ridículo com essa roupa vermelha e esse chapeuzinho horroroso! - Virando-se para o sentinela que estava com a carabina Antônio Conselheiro falou – Chico! Leve esse senhor daqui.

O sentinela levou Noel até onde o trenó estava amarrado. Papai Noel subiu no trenó e levantou vôo sumindo entre as estrelas. Engraçado é que Chico não se lembra disso e nem sabe como Noel foi embora. No outro dia de manhã era dia de Natal e uma coisa estranha aconteceu na vila de Canudos. Todas as crianças acordaram com roupas e sapatos novos. Alguns vestiram sapatos pela primeira vez na vida. Ninguém sabe de onde os presentes vieram. Nas mesas dos casebres apareceu uma espécie de pão engraçado e muito gostoso todo cheio de umas frutinhas cristalizadas no meio.

As pessoas perguntaram a Antonio Conselheiro o que era aquilo e ele simplesmente respondeu que devia ser mesmo coisa de Deus ou simplesmente uma tentativa do rei de Portugal em fazer as pazes com o povo da vila.  

Diz a lenda que essa foi a primeira vez que papai Noel veio ao Brasil. Mas desse dia em diante ele nunca mais deixou que ninguém o visse quando viesse deixar os presentes para as crianças brasileiras. Dizem que numa conversa informal com um dos anões da fábrica mágica, papai Noel teria comentado que o povo do Brasil é diferente porque mesmo achando que ele fosse um inimigo ainda o deixaram ir embora. Desde aquele dia, até hoje, Noel sempre volta ao Brasil; pena que já no ano seguinte a Vila de Canudos, e Antonio Conselheiro, não existiam mais.

Mas para a surpresa de Noel quando Conselheiro chegou ao céu ele perguntou a Deus sobre aquele velhinho de roupa feia e chapeuzinho horroroso que apareceu uma vez na vila de Canudos dizendo ser um enviado do próprio divino.

Deus explicou para ele com detalhes quem era o papai Noel e o velho Conselheiro, agradecido, pediu à Noel para trabalhar com ele na confecção daqueles pães engraçados. O messias de Canudos desde esse dia trabalha fazendo os “pães do Antônio” com gosto, pois se lembra da alegria das crianças do seu antigo povoado se deliciando com aqueles pães, como se ele fosse a maior alegria da vida delas.

 

5 comentários:

  1. Quanta doçura nesse vteu conto,André. Magia faz bem pra grandes e pequenos! Tenham um lindo 2021! abração,chica

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  2. Um belo conto de Natal André. Tenho tanta pena que não escreva mais, pois gosto imenso da sua escrita.
    Espero que você e a sua família atravessem este tempo estranho com saúde.
    Abraço e feliz 2021

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  3. Um conto magnífico, que se lê de um fôlego, já que o texto é muito apelativo.
    FELIZ ANO NOVO, dentro do possível e em segurança.
    Confina-te mas não te feches, infeta os outros de esperança e promove o contágio da paz, da fraternidade e da justiça social.
    Abraço.

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  4. Hoje passo para lhe desejar um 2021 tão pacifico como um bebé, tão luminoso como o sorriso de uma criança. Que a saúde e a normalidade voltem à nossa vida, como a Primavera regressa após cada Inverno. Feliz 2021
    Abraço e saúde

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  5. Deve ter acontecido a muitos anos, hoje além de não acreditar pedem a Papai Noel: celular de marca...
    Abraços
    Lua Singular

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