domingo, 1 de maio de 2016

Virgem Maria - parte 9






Os guardas trouxeram Juanito, que ainda estava encapuzado e com as mãos amarradas nas costas e o colocaram junto a Monsenhor Fernando.
- Tirem o capuz e desamarrem suas mãos. - ordenou o santo homem.
A olhos atentos esta era uma visão surreal, dois guardas enormes, com aquelas armaduras reluzentes, e suas espadas afiadas e prontas para atravessar facilmente as entranhas de qualquer inimigo, desamarrando cuidadosamente, um garotinho de alguns poucos anos de vida, com a estatura normal de uma criança, com as mãozinhas normais de uma criança, amaradas como se fossem de um leão prestes a atacar e engolir toda aquela multidão.
Monsenhor Fernando pegou uma Bíblia, colocou-a na frente de Juanito e falou:
 - Senhor Juan de Castro, o senhor reconhece que esta é a Bíblia sagrada e que ela é a palavra de Deus entre os homens na terra?
Juanito olhou a sua volta, viu os rostos das pessoas que o encaravam como se encarassem o próprio demônio, com olhares de desaprovação e condenação, e no meio da multidão, reconheceu seu pai, com o olhar marejado, aflito e triste que a situação merecia.
- Sim Monsenhor Fernando – falou o menino - eu reconheço que a Bíblia é a palavra de Deus.
- Senhor Juan de Castro - prosseguiu Monsenhor Fernando - o senhor sabe que um juramento feito publicamente e com a mão sobre a Bíblia é um juramento muito sério e que se tratado com injúrias pode te levar para o inferno sem salvação?
- Sim Monsenhor Fernando eu sei.
- Senhor Juan de Castro o senhor sabe que queimando na fogueira santa, você poderá pagar seu crime com o sofrimento e depois de um tempo no purgatório terá absolvição para sua alma?
- Sim Monsenhor eu sei.
Monsenhor Fernando, com um sorriso de sarcasmo, olhou para a multidão e com um leve balançar de ombros como se dissesse “eu tentei ajudar” continuou o juramento:
- Senhor Juan de Castro, o senhor, então ciente de tudo o que eu lhe expliquei, mesmo assim, ainda quer fazer o juramento com a mão sobre a Bíblia?
Juanito dá uma rápida olhadela para seu pai que faz que sim com a cabeça e diz: 
-  Sim senhor eu quero.
Sua resposta causou um alvoroço sobre a multidão que não entendia como uma pessoa preferia a punição eterna ante a chance de salvação.
- Senhor Juan de Castro repita comigo - falou Monsenhor Fernando. – Eu, Juan de Castro.
- Eu Juan de Castro.
- Prometo com as mãos sobre a Bíblia.
- Prometo com as mãos sobre a Bíblia.
            - Reconhecendo nela a palavra de Deus.
            - Reconhecendo nela a palavra de Deus.
            - Que falarei toda a verdade, nada mais que a verdade e não impedirei com nenhuma injúria que meu julgamento seja feito na mais correta justiça.
            - Que falarei toda a verdade, nada mais que a verdade e não impedirei com nenhuma injúria que meu julgamento seja feito na mais correta justiça.
            - Muito bem senhor Juan de Castro - falou Monsenhor Fernando entregando a Bíblia para um dos frades - o senhor está sobre juramento santo, então me diga, foi o senhor mesmo que escreveu aquele poema?
            - Sim senhor, fui eu mesmo.
          - O senhor sabe que é proibido escrever qualquer tipo de coisa que tenha como tema os sentimentos carnais entre homens e mulheres?
- Sim senhor eu sei.
- O tal poema que o senhor escreveu o senhor se lembra dele?
            - Sim me lembro.
            - Ele foi escrito para uma mulher?
            - Sim senhor, foi escrito para uma mulher!
            - Hahahaha, obrigado senhor Juan de Castro! - falou Monsenhor Fernando se virando aos soldados. - Amarrem ele de novo e vamos começar o sacrifício da purificação de sua alma.
Foi então que do meio da multidão Miguelito, subiu em cima de um barril e começou a declamar em alto e bom som: 
- “Ó mulher que suga meu ar.
Que faz minha face enrubescer.
            Não sou nada sem sua presença.
            Nem sequer existo longe de ti.
            E quando chego-me perto de ti, percebo minha insignificância.
          Apenas me sinto uma planta, indefesa, imóvel, que necessita de seus raios! De sua energia!
Ó mulher, és a melhor entre as mulheres.
            És aquela por quem meu coração dispara.
         És aquela por quem minha vida grita a plenos pulmões! Quero ser teu escravo, quero ser teu súdito, quero ser seu!
            Agora e para sempre!
            Todos os homens, se te conhecessem fariam assim como eu!
            Jurariam amor, jurariam fidelidade.
            Agora e para sempre!”





4 comentários:

  1. Bom dia amigo Andre!
    O belo poema nem sequer menciona paixão carnal,(pode ser amor à Virgem Maria, quem sabe?!) Só você né? No seu belo conto mostras com clareza a cegueira que é o domínio dos homens, uns sobre os outros em nome da fé, da igreja e o pior, em nome de Deus!
    Eu quando leio a Bíblia também encontro cada coisa, pois a leio não como evangélica, não tenho e não quero ter nenhuma religião, já tentei ir em igrejas, mas todas elas nos faz sentir culpados, eu não gosto disso!
    Abraços e esperemos o desenrolar do conto!

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  2. Caro André bom dia.
    Primeiro pensei que o poema fosse dedicado à mãe do Juanito. E depois também me ocorreu ser à Virgem Maria.
    A Inquisição foi um manancial de crimes. Arrepia pensar na falta de sensibilidade de toda aquela corja.
    Estou a seguir o seu conto. Voltarei.
    Abraço.
    Dilita

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  3. Passei para reler mais um pedacinho deste belo conto.
    Abraço e boa semana

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  4. Comecei pela parte 9, mas é óbvio que voltarei ao começo. Quero saber direitinho dessa história de poema proibido.

    Abraços, André.

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