quarta-feira, 4 de maio de 2016

Virgem Maria - final






A multidão atônita e os guardas prostrados como estátuas, encaravam a Miguelito sem conseguir mexer um músculo enquanto ele declamou todo o poema. Monsenhor Fernando ao fim da “apresentação” se virou para os guardas e, aos berros ordenou: - Prendam esse Miguel de Cervantes!
- Calma Monsenhor, no seu julgamento faltam algumas perguntas. - retrucou Miguelito. - O senhor não deu chances de Juan de Castro se defender, e fez perguntas que certamente lhe condenaram sem julgamento algum.
Os guardas rapidamente chegaram até Miguelito que levantou as mãos colocando-as atrás da cabeça num claro gesto de que estava desarmado e se entregando.
- Mais perguntas? - falou Monsenhor Fernando.
- Logicamente que sim. - respondeu Miguelito sendo levado para perto do Monsenhor pelos guardas. - Ou o senhor quer que algumas dúvidas sobre sua moral e lisura caiam como pulgas atrás das orelhas desse povo todo que está aqui assistindo ao tal “julgamento?”
- Então faça você as perguntas que salvará o pescoço do senhor Juan de Castro seu amigo, e faça-as bem feitas, porque ao declamar esse poema o senhor também cometeu crime de morte.
Miguelito virou-se para Juanito e falou: - Juan de Castro, o senhor escreveu esse poema para uma mulher normal ou uma mulher inatingível?
- Para uma mulher inatingível.
- Então na verdade, o senhor escreveu esse poema para uma mulher especial?
- Oras! - se irritou Monsenhor Fernando. - Onde essa ladainha vai dar?
- Calma Monsenhor - falou Miguelito, e virando-se para Juan novamente continuou. - Senhor Juan de Castro é verdade que o senhor fez esse poema, “preste bem atenção a minha pergunta”. - Miguelito falou essas últimas palavras em um tom de apreensão e com um gestual dizendo para Juan entender as entrelinhas da pergunta. - Para a virgem, Maria?
- O quê! - intercedeu Monsenhor Fernando. - Rapaz, ele está sobre juramento e se mentir vai para o inferno...
- Por favor Monsenhor deixe eu perguntar, assim o senhor atrapalha o julgamento e as pessoas estão ali esperando e não querem pensar-lhe mal. - virando-se mais uma vez para Juanito, Miguel voltou a perguntar:
- Juan de Castro, é verdade que o senhor fez esse poema para a virgem, Maria?
            - A virgem, Maria?
- Isso. - falou Miguel em tom de afirmação. - A virgem... Maria!
Foi quando Juan entendeu o verdadeiro significado da pergunta e respondeu: - Isso mesmo, eu realmente escrevi esse poema para a virgem, Maria!
Nesse momento um alvoroço se ouviu de novo no meio da multidão e aproveitando-se dessa situação de bagunça Miguelito gritou alto: - Povo de Manzaneda! Quem de vocês não sente a mesma coisa quando estão diante da virgem Maria?  
As pessoas que falavam umas com as outras, discutiam, questionavam, pararam por um momento e olharam, dando atenção a Miguelito que continuou:
- Quem de vocês não sente a face enrubescer, ou se sente indefeso, ou sente que precisa da sua luz, ou sente que não é nada perto da virgem Maria? Quem de vocês não sente tudo igualzinho ao poema quando se tem um pouquinho de fé na virgem? Imagina um garotinho estudante de um mosteiro e educado segundo as rígidas leis católicas, tão plenamente aplicadas pelo disciplinador frei Augusto? Eu exijo que Juan de Castro, que agora sim teve chance de se explicar, seja libertado!
- Liberta-o! - gritou seu Armando do meio da multidão. – Liberta meu filho!
- Liberta o garoto! - outra pessoa gritou também.
A multidão em coro começou a se manifestar em gritos e brados de “liberta o garoto, liberta o garoto!”
Monsenhor Fernando, derrotado pela manifestação da multidão, abaixou a cabeça coçando a nuca, como se isso fosse abrandar a sua ira, e chegando-se perto de Miguelito falou baixinho entre os dentes:
- Eu e a santa igreja, vamos nos lembrar dessa humilhação, senhor Miguel de Cervantes Saavedra e nem que você se esconda entre os moinhos de vento holandeses, eu ainda vou te perseguir!
Miguelito abriu um largo sorriso de contentamento e abriu os braços como se comemorasse uma vitória.
            - Solte Juan de Castro! - ordenou Monsenhor Fernando.





A viagem de volta era longa, mas era muito mais feliz do que havia sido a vinda. Mas apesar da felicidade, uma coisa não deixava a paz adentrar o coração de seu Armando.
            - Filho, eu estou preocupado, porque você estava sobre juramento e mentiu dizendo que fizera aquele poema para a virgem Maria...
            - Não senhor Armando - interpelou Miguelito - ele disse que escreveu para a virgem “virgula” Maria, foi assim que eu perguntei.
            - Mas em quê isso melhora a situação? - falou seu Armando.
            - É que eu escrevi para a Maria filha do senhor Arquibaldo nosso vizinho. E como ela tem treze anos e é tão bem criada, eu tenho certeza que ela ainda é virgem...
            - Entendeu senhor Armando - falou sorrindo Miguelito - Maria a virgem filha do senhor Arquibaldo, ou simplesmente, a virgem, Maria!
            - Tudo bem, mas aí, você Miguel, fez as pessoas pensarem que era da virgem Maria mãe de Jesus, que o poema falava!
            - Tudo bem senhor Armando - respondeu Miguelito num largo sorriso. - Eu não estava sobre juramento mesmo.



                                                                                                           FIM





8 comentários:

  1. Muito interessante!
    Bem construído.(como não haveria de ser?!)
    Quero mais!
    Abraço.
    Dilita

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  2. Amei, rsrs, muito bem "bolado", isso é o que é inteligência, poder usar, eu mesma achei que seria para a Virgem Maria, não para a Maria, a virgem, parabéns, pena que acabou, me prendestes por esses dias amigo Andre,mas que é bom lembrar que a igreja católica tem essa terrível mancha, posso até dizer aqui que percebi que não és católico,rsrs, não mesmo, não conheço nenhum católico praticante que faça alusão ao caso!Parabéns e abraços bem apertados!

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  3. E tudo está bem quando acaba bem.

    Penso que lhe dei os parabéns da outra vez, mas se não o fiz foi por lapso.
    Parabéns.
    Gostei muito.
    Abraço

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  4. Caramba! Sensacional! E posso dizer, mesmo que não tenha sido para a Virgem Maria, foi Ela mesma, a Virgem Maria que ajudadou a libertar o garoto.

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  5. Parabéns por este magnífico conto, concluído superiormente, pois o final é surpreendente.
    E reafirmo que a sua excelente narrativa, sólida e apelativa, tem fôlego para o romance.
    Continuação de boa semana, caro amigo André.
    Abraço.

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  6. Oi Mansim,
    Você realmente é demais.
    Adorei
    Tinha que ser você , sumido.
    Beijos
    Minicontista2

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  7. Magnífica conclusão, meu amigo! Digna de todo o suspense e toda a fluidez que você soube imprimir à narrativa! Parabéns, boa semana! Meu abraço.

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  8. Olá amigo, hilariante sem dúvida este final e afinal era só uma questão de virgula. Adorei meu amigo. Continue a escrever, pois está no caminho certo. Boa semana e beijos com carinho

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