A
multidão atônita e os guardas prostrados como estátuas, encaravam a Miguelito
sem conseguir mexer um músculo enquanto ele declamou todo o poema. Monsenhor
Fernando ao fim da “apresentação” se virou para os guardas e, aos berros
ordenou: - Prendam esse Miguel de Cervantes!
- Calma
Monsenhor, no seu julgamento faltam algumas perguntas. - retrucou Miguelito. -
O senhor não deu chances de Juan de Castro se defender, e fez perguntas que
certamente lhe condenaram sem julgamento algum.
Os
guardas rapidamente chegaram até Miguelito que levantou as mãos colocando-as
atrás da cabeça num claro gesto de que estava desarmado e se entregando.
- Mais
perguntas? - falou Monsenhor Fernando.
- Logicamente
que sim. - respondeu Miguelito sendo levado para perto do Monsenhor pelos
guardas. - Ou o senhor quer que algumas dúvidas sobre sua moral e lisura caiam
como pulgas atrás das orelhas desse povo todo que está aqui assistindo ao tal
“julgamento?”
- Então
faça você as perguntas que salvará o pescoço do senhor Juan de Castro seu
amigo, e faça-as bem feitas, porque ao declamar esse poema o senhor também
cometeu crime de morte.
Miguelito
virou-se para Juanito e falou: - Juan de Castro, o senhor escreveu esse poema
para uma mulher normal ou uma mulher inatingível?
- Para uma mulher inatingível.
- Então
na verdade, o senhor escreveu esse poema para uma mulher especial?
-
Oras! - se irritou Monsenhor Fernando. - Onde essa ladainha vai dar?
-
Calma Monsenhor - falou Miguelito, e virando-se para Juan novamente continuou.
- Senhor Juan de Castro é verdade que o senhor fez esse poema, “preste bem
atenção a minha pergunta”. - Miguelito falou essas últimas palavras em um tom
de apreensão e com um gestual dizendo para Juan entender as entrelinhas da
pergunta. - Para a virgem, Maria?
- O
quê! - intercedeu Monsenhor Fernando. - Rapaz, ele está sobre juramento e se
mentir vai para o inferno...
- Por
favor Monsenhor deixe eu perguntar, assim o senhor atrapalha o julgamento e as
pessoas estão ali esperando e não querem pensar-lhe mal. - virando-se mais uma
vez para Juanito, Miguel voltou a perguntar:
-
Juan de Castro, é verdade que o senhor fez esse poema para a virgem, Maria?
-
A virgem, Maria?
-
Isso. - falou Miguel em tom de afirmação. - A virgem... Maria!
Foi
quando Juan entendeu o verdadeiro significado da pergunta e respondeu: - Isso
mesmo, eu realmente escrevi esse poema para a virgem, Maria!
Nesse
momento um alvoroço se ouviu de novo no meio da multidão e aproveitando-se
dessa situação de bagunça Miguelito gritou alto: - Povo de Manzaneda! Quem de
vocês não sente a mesma coisa quando estão diante da virgem Maria?
As
pessoas que falavam umas com as outras, discutiam, questionavam, pararam por um
momento e olharam, dando atenção a Miguelito que continuou:
-
Quem de vocês não sente a face enrubescer, ou se sente indefeso, ou sente que
precisa da sua luz, ou sente que não é nada perto da virgem Maria? Quem de
vocês não sente tudo igualzinho ao poema quando se tem um pouquinho de fé na virgem?
Imagina um garotinho estudante de um mosteiro e educado segundo as rígidas leis
católicas, tão plenamente aplicadas pelo disciplinador frei Augusto? Eu exijo
que Juan de Castro, que agora sim teve chance de se explicar, seja libertado!
-
Liberta-o! - gritou seu Armando do meio da multidão. – Liberta meu filho!
- Liberta o garoto! - outra pessoa
gritou também.
A
multidão em coro começou a se manifestar em gritos e brados de “liberta o
garoto, liberta o garoto!”
Monsenhor
Fernando, derrotado pela manifestação da multidão, abaixou a cabeça coçando a nuca,
como se isso fosse abrandar a sua ira, e chegando-se perto de Miguelito falou
baixinho entre os dentes:
- Eu
e a santa igreja, vamos nos lembrar dessa humilhação, senhor Miguel de Cervantes
Saavedra e nem que você se esconda entre os moinhos de vento holandeses, eu
ainda vou te perseguir!
Miguelito
abriu um largo sorriso de contentamento e abriu os braços como se comemorasse
uma vitória.
- Solte Juan de Castro! - ordenou
Monsenhor Fernando.
A
viagem de volta era longa, mas era muito mais feliz do que havia sido a vinda.
Mas apesar da felicidade, uma coisa não deixava a paz adentrar o coração de seu
Armando.
- Filho, eu estou preocupado,
porque você estava sobre juramento e mentiu dizendo que fizera aquele poema
para a virgem Maria...
- Não senhor Armando - interpelou
Miguelito - ele disse que escreveu para a virgem “virgula” Maria, foi assim que
eu perguntei.
- Mas em quê isso melhora a
situação? - falou seu Armando.
- É que eu escrevi para a Maria
filha do senhor Arquibaldo nosso vizinho. E como ela tem treze anos e é tão bem
criada, eu tenho certeza que ela ainda é virgem...
- Entendeu senhor Armando - falou
sorrindo Miguelito - Maria a virgem filha do senhor Arquibaldo, ou simplesmente,
a virgem, Maria!
- Tudo bem, mas aí, você Miguel,
fez as pessoas pensarem que era da virgem Maria mãe de Jesus, que o poema
falava!
- Tudo bem senhor Armando -
respondeu Miguelito num largo sorriso. - Eu não estava sobre juramento mesmo.
FIM
Muito interessante!
ResponderExcluirBem construído.(como não haveria de ser?!)
Quero mais!
Abraço.
Dilita
Amei, rsrs, muito bem "bolado", isso é o que é inteligência, poder usar, eu mesma achei que seria para a Virgem Maria, não para a Maria, a virgem, parabéns, pena que acabou, me prendestes por esses dias amigo Andre,mas que é bom lembrar que a igreja católica tem essa terrível mancha, posso até dizer aqui que percebi que não és católico,rsrs, não mesmo, não conheço nenhum católico praticante que faça alusão ao caso!Parabéns e abraços bem apertados!
ResponderExcluirE tudo está bem quando acaba bem.
ResponderExcluirPenso que lhe dei os parabéns da outra vez, mas se não o fiz foi por lapso.
Parabéns.
Gostei muito.
Abraço
Caramba! Sensacional! E posso dizer, mesmo que não tenha sido para a Virgem Maria, foi Ela mesma, a Virgem Maria que ajudadou a libertar o garoto.
ResponderExcluirParabéns por este magnífico conto, concluído superiormente, pois o final é surpreendente.
ResponderExcluirE reafirmo que a sua excelente narrativa, sólida e apelativa, tem fôlego para o romance.
Continuação de boa semana, caro amigo André.
Abraço.
Oi Mansim,
ResponderExcluirVocê realmente é demais.
Adorei
Tinha que ser você , sumido.
Beijos
Minicontista2
Magnífica conclusão, meu amigo! Digna de todo o suspense e toda a fluidez que você soube imprimir à narrativa! Parabéns, boa semana! Meu abraço.
ResponderExcluirOlá amigo, hilariante sem dúvida este final e afinal era só uma questão de virgula. Adorei meu amigo. Continue a escrever, pois está no caminho certo. Boa semana e beijos com carinho
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