Olá amigos! Mais um ano está se acabando, e a gente está por aqui, escrevendo e lendo minhas bobagens e verdades. Eu agradeço a todos vocês que sempre me presentearam com seus comentários, pitacos, dicas e idéias, além de muita amizade e bem querer!
Hoje resolvi postar um conto, que escrevi para uma coletânea de histórias policiais. Espero que vocês se divirtam muito. Talvez essa seja a última postagem desse ano, por isso, reservei este conto, que julgo ser um bom presente de natal, para quem gosta dos meus escritos.
Um grande final de ano a todos. Muita paz, alegria, comunhão, Jesus no coração e prosperidade, é o que desejo a vocês no ano que vem. Que a gente continue junto e misturado; escrevendo e lendo, lendo e escrevendo, e por isso mesmo... Sonhando!
Um beijão a todos e fiquem com Deus! Até 2016! Sentirei saudades.
O
delegado entrou na viatura, se sentou do lado do motorista e fechou a porta,
batendo-a com raiva. Depois de esmurrar o volante, ele parou por um instante,
respirando profundamente algumas vezes, até se refazer da raiva e adrenalina
que o corroíam por dentro naquele momento. Recobrando o controle de seus
pensamentos que pareciam vir aos milhões por segundo em sua cabeça, o delegado
pegou o radio comunicador da viatura, e apertando o talk, falou:
- Aqui é
o delegado Borges, estou na rodovia Assis Chateaubriand, quilometro duzentos e
cinquenta e três, entre as cidades de Guapiaçu e Olímpia.
-
Tudo bem delegado? Eu sou o Andrade, agente de telecomunicações.
-
Me manda uma abulân... Ou melhor, uma viatura funerária. Nós encontramos mais
um corpo largado na beira da rodovia, no porta malas de um carro abandonado.
-
Mais um? Com esse já são nove corpos...
-
Nove corpos, espalhados desde Orlândia até aqui, e o pior é que a gente não tem
nem uma testemunha, nem um suspeito, nem um deslize, nada! A gente ainda não
tem nem sequer uma ideia, de quem esteja fazendo isso. – desabafou o delegado
transtornado.
-
E as características, doutor, estão iguais aos outros corpos encontrados?
-
Estão, - respondeu Borges apertando os lábios enquanto se lembrava do defunto
no porta malas – estrangulamento, feito com algum tipo de fio, ou cabo de aço.
Não há sinal algum de luta, e depois de colocar o corpo no porta malas o safado
ainda deixa o mesmo bilhete.
- Esse
cara está deixando a polícia maluca, delegado. O senhor está na cola dele desde
que foi encontrado o primeiro corpo, e até agora nada.
- Até
agora nada. E o pior, é que além dos corpos encontrados, ainda tem pelo menos, mais
sete pessoas desaparecidas.
-
Isso está assustador, doutor Borges. Mas confio no nosso pessoal, a gente vai
encontrar esse cara.
- Eu
também confio Andrade, o seu comandante foi muito profissional em perceber que
esse caso é muito sério, e destacar alguns soldados para ajudar. A gente sabe
que é muito difícil a policia militar e civil trabalharem juntas e ainda em
perfeita harmonia como estamos trabalhando, mas estou começando a me
desesperar, porque a cada corpo que aparece, ou pessoa que some, a imprensa
coloca mais pilha na gente, eles querem vender a imagem de que somos
incompetentes, mas a gente está fazendo o melhor que pode.
- Eu sei
doutor! – falou o agente de telecomunicações com um tom tranquilizador em sua
voz. – Tenta ficar tranquilo, já estou mandando a viatura funerária até aí.
Faz
quinze dias que o primeiro corpo apareceu. Era o corpo de uma mulher de nome
Micheli, que viajava da cidade de Orlândia, interior de São Paulo, com destino
a Jaboticabal, onde fazia faculdade de veterinária na Unesp. Seu corpo estava
no porta malas de seu carro, que estava abandonado na beira da rodovia. Dentro
do carro tudo estava intacto, inclusive a bolsa de Micheli, com todos os seus
documentos, dinheiro, cartões de crédito e talão de cheques. Em cima do banco
do motorista, um bilhete escrito com letra de forma, avisava: Procurem a
Micheli no porta malas.
Desde
o dia em que a polícia encontrou o corpo de Micheli, mais oito corpos foram
encontrados, todos em carros abandonados, e em todos os carros, o mesmo bilhete
macabro. Esse bilhete era a única pista que o delegado Borges tinha pra seguir.
Um bilhete escrito de tal maneira, que o tornava impossível passar por um teste
de caligrafia, pois a letra de forma, quando bem escrita, se torna uma letra
fria e impessoal. A única coisa que mudava de bilhete para bilhete, era o nome
do cadáver, e isso estava mexendo com os neurônios do delegado. Até agora nove
nomes: Micheli, Carlos, Andressa, Joel, Antônio, Marcos, Carolina, Alfredo e
por último, mais um Carlos.
*****
Uma
velha caminhonete Ford “quase vermelha”, sai de uma estrada de terra, no meio
do canavial, e para no cruzamento com a rodovia. Dentro da caminhonete, “seu
Nonô”, um velho sitiante, e Fred, seu inseparável vira-latas de mais de cem
anos, na cronologia canina.
-
Ô Frédão, - fala o velho fazendo um afago na cabeça de seu cachorro, ao mesmo
tempo que dirige – a gente tem que levá essa lavagem pros porco comê lá no
sítio, e despois eu te lévo pra casa.
Fred,
responde ao amigo apenas balançando seu rabo e sorrindo com o olhar mais doce e
remelento possível.
Antes
de entrar de vez na rodovia, o velho percebe um rapaz andando no acostamento
logo à frente. O rapaz carregava uma mochila nas costas, e pelos passos lentos,
e cabeça baixa, davam a Nonô, a impressão de cansaço e até um pouco de tristeza.
-
Aôôô meu jovem! – disse encostando a caminhonete ao lado do rapaz, que por sua
vez, apenas olhou de rabo de olho para a caminhonete, sem se voltar para o
motorista, e continuou caminhando.
-
Uai môço! – insistiu Nonô – Tá tudo bem cô sinhor? Eu tô quereno te dá uma
carona uai, pra onde ocê vai?
O
rapaz, um jovem branco, muito branco feito leite, de cabelo preto, com uma
grande franja que cobria-lhe os olhos, parou de andar, e virando-se, como se
estivesse com torcicolo, meio duro, virando o corpo inteiro, disse ainda sem
encarar o velho motorista nos olhos.
-
Tudo bem senhor, eu só estou um pouco cansado, porque venho andando e pegando
caronas desde Orlândia.
Nonô
sorriu mostrando duas falhas nos dentes da frente, e antes de abrir a porta da
caminhonete, examinou a figura à sua frente.
Fred,
levantou as orelhas quando percebeu que seu parceiro Nonô conversava com
alguém, e dando meia volta no banco da caminhonete, colocou seu focinho pela
janela, também examinando o rapaz, de calça, bota e camisa preta. Um rosnado,
poderia ter avisado a Nonô que o cachorro não simpatizara muito com o jovem,
mas o velho dando um tapinha amigável em seu amigo canino, disse:
-
Ah Frédão! Larga de sê bobo. Não vê que é só um rapaiz, quase um garoto? Vamos
dar uma carona pra ele, porque o menino tá cum cara de cansado.
O velho
Nonô abriu a porta da caminhonete, e afastou Fred para que o rapaz pudesse
subir. O rapaz, por sua vez, olhou para os dois com o olhar gélido e sorriu, um
sorriso amargo, que fez o velho sentir um calafrio na espinha.
*****
O
delegado Borges examinava o bilhete desacreditado. “Procurem o Carlos no porta
malas.” – repetia ele em sua mente, como se fosse um mantra.
Em toda
sua vida, Borges, que agora é delegado em uma região pacata do Estado de São
Paulo, mas que em outros tempos, chegou a ser delegado na capital, combatendo
criminosos terríveis, nunca havia ficado tão desorientado, como nesse caso.
Pois sempre, em todas as suas investigações, o criminoso sempre deixava uma
prova que o incriminasse, ou demonstrava um motivo pelo qual estava cometendo
atrocidades; mas dessa vez não, apenas esse bilhete, que na verdade não ajudava
em nada, e a forma com que todas as pessoas foram mortas, com a garganta quase cortada,
eram as únicas pistas que o delegado tinha.
O carro
funerário encostou ao lado da viatura e do carro da vítima, e dois agentes da
perícia criminal desceram, encaminhando-se até o delegado.
- Doutor,
tudo bem?
- Bem,
bem, não está né? Esse filho de uma puta está matando gente pela estrada toda e
evaporando.
O perito,
percebendo a irritação do delegado, apenas balançou a cabeça como se
concordasse, e dirigiu-se até o porta malas do carro da vítima. Ao abrir, deparou-se
com um homem, de mais ou menos quarenta anos, calvo, que aparentava boa forma,
mas que jazia, com os olhos arregalados, expressão de dor, e a garganta marcada
por algum tipo de fio.
- Quem
era este doutor?
- Os documentos
estão em nome de Carlos Augusto de Almeida. – falou o delegado olhando a
carteira do defunto. – Aqui tem uma identificação de um hospital de Barretos. Parece
que o cargo dele era enfermeiro.
- Já
contatou a família?
- Já,
falei pessoalmente para eles, que o corpo estaria liberado no IML de Barretos para
eles identificarem, daqui a umas três ou quatro horas. Não é bom que os
familiares vejam o corpo nessas condições. Mas eu também já avisei, que
enquanto o matador não for preso, infelizmente a gente vai ter que segurar o
corpo, porque ele é uma prova, do modo que o vagabundo usa para matar.
*****
Depois
que o rapaz entrou na caminhonete, mesmo contra a vontade de Fred, um instante
de quietude e mal estar pairou no ar, até que Nonô resolveu puxar conversa:
- Meu
nome é Antonio, mas pode me chamar de Nonô. Qual que é seu nome?
- Iago. –
respondeu o rapaz seco.
- Ocê é
meio novinho pra andá assim em beira de rodovia, não é não?
- Não, -
respondeu o rapaz sem encarar o velho – o senhor tem um cigarro?
- Eu não
fumo, - respondeu o velho – fumar faz mal pros pulmão.
Iago respondeu
apenas olhando para o motorista com cara de reprova, como se dissesse: E daí? O
pulmão é meu ou seu?
- Por que
qui ocê tá andando por aí?
- Eu
tenho meus motivos.
- Óia! –
disse o velhinho sorrindo – Eu sei que as pessoa tem motivos na vida. Eu mesmo,
um dia, resorvi largá minha mulher, despois que meus filho tava tudo criado, e
fui morá sozinho no sítio. Mais você ainda é um rapazinho, uai!
- Senhor,
eu não estou a fim de conversar sobre essas coisas. Se minha figura, um rapaz
novo, andando pela estrada, te incomoda, pode parar a caminhonete que eu desço.
- Não
precisa apelá também né? – falou o velho sorrindo. – Eu só to puxano conversa.
Afinal a gente vai viajá um pouco junto, e não tem pobrema se a gente se
conhecê e trocar umas ideias. Ocê não acha?
Iago
respirou fundo, olhando para a frente, como se a rodovia fosse a visão mais
entediante do mundo, depois olhou para Fred que estava deitado aos seus pés, no
chão da caminhonete encarando-o, e falou:
- O
senhor tem vontade de ficar famoso?
- Como?
Não entendi.
- Ficar
famoso, ter o nome nos jornais, na TV, aparecer na mídia.
- Uai...
O que isso tem a vê com o que a gente tava conversano?
- O
senhor não falou pra gente trocar ideias? Então, eu quero saber se o senhor tem
vontade de ficar famoso.
- Eu não,
- respondeu o velho Nonô encolhendo os ombros e franzindo o cenho – nem quando
eu era novo eu tinha esse tipo de vontade, imagina agora que tô velho. Por quê?
Você tem vontade de ficar famoso?
- Eu
tenho, por isso estou fugindo.
-
Ah... Ocê tá fugino de casa, e isso vai te deixá famoso?
-
Não estou fugindo de casa, eu estou fugindo da vida.
-
Da vida? – falou Nonô olhando para Fred que acompanhava a tudo atentamente. –
Mais como que a gente foge da vida meu fí?
-
Sumindo, se matando, ou simplesmente se transformando em outra pessoa.
Nonô
encarou Fred, que respondeu com os olhinhos embaçados de um senhor canino, e
depois de uma breve pausa, continuou:
-
É um desperdício, um jovem igual a você pensar assim. Você tem uma vida intera
pela frente. Essa vida pode sê longa igual a do Fred aqui, ou pode acabar na
próxima curva... Mas ocê tem que ter amor pela vida!
-
O senhor é padre, ou pastor? – perguntou Iago usando de um pouco de ironia.
-
Eu sou vivido! Ôcê pode ter certeza que daqui a uns anos, ocê vai ver que isso
que eu to falano tá certo.
-
Seu Antonio, o senhor não sabe de nada da minha vida, - respondeu o rapaz com
cara de enfado – se eu soubesse que o senhor era algum tipo de velho psicólogo,
eu juro que não teria aceitado a carona.
*****
-
Olha aqui, - falou o delegado Borges, mostrando um mapa rodoviário a um de seus
investigadores – nós vamos ter que montar uma operação de guerra nessas
rodovias. Eu quero um comando a cada dez quilômetros pelo menos, em cada uma
dessas rodovias, e nos dois sentidos.
-
A cada dez quilômetros? Em três rodovias e nos dois sentidos? Como isso
delegado? O comandante da policia militar não vai liberar uma coisa dessas.
-
Vai sim, ele me deu a palavra de que vai ajudar até a gente encontrar esse
filho da puta, e eu não vejo outra forma a não ser com esses comandos.
-
Doutor... Mas nós vamos procurar por quem? Vamos procurar o quê? A gente não
sabe quem é o suspeito... Na verdade, a gente nem tem um suspeito.
-
Temos sim, - falou o delegado – o suspeito é alguém pedindo carona. Eu analisei
todas as nove pessoas que achamos mortas e todas as sete que estão
desaparecidas e nenhuma delas tem ligação com a outra. São de cidades
diferentes, idades diferentes e então só podem ter sido escolhidas a esmo. E
como todas foram mortas na beira da rodovia e todas eram as donas dos
automóveis abandonados... Só podem ter sido mortas por algum caronista.
-
É... – disse o investigador pensativo. – Nisso o senhor tem razão. Só pode
mesmo ser alguém pedindo carona. Eu também não vejo outra explicação. Mas um
comando a cada dez quilômetros em três rodovias e ainda as vicinais... Isso não
dá!
O
delegado Borges franziu o cenho, respirou fundo, pensou um pouco e irritado,
falou:
-
Olha, eu não estou pedindo a sua opinião! Eu estou dando uma ordem, dizendo o
que eu quero que você faça. Entre em contato com todas as cidades da região,
converse com os comandantes de todas elas, eles sabem que a regional está
ajudando. Se alguém não quiser colaborar e não entender a gravidade da
situação, você passa o telefone pra mim, que eu converso pessoalmente.
*****
Na
caminhonete o velho Nonô ainda tentava fazer amizade com o jovem de cara feia a
seu lado.
-
Pra onde c’ocê vai?
-
Fugir, já falei.
-
Óia Fréd, - falou o velho olhando para seu cachorro – ele vai fugir... Será que
vai pra Lua?
-
Não, - respondeu Iago esboçando um primeiro sorriso – eu vou pra longe, se
possível bem longe mesmo.
-
Bão, uai! Mas esse longe, bem longe, é longe de onde? Daqui, do Ceará, de
Pindamonhangaba?
-
Sabe que pra um velho psicólogo, o senhor é até engraçado, e nos últimos dias
foi o único que me tirou um sorriso?
-
Bem qui eu pudia sê psicólogo mesmo, as pessoa quando conversa comigo, principalmente
esses pobremático de beira de estrada igual ocê, sempre tem suas mazelas
resorvida.
Iago
olhou para Fred, que agora parecia um pouco mais simpatizado com ele, pois balançou
o rabo quando notou que o rapaz lhe encarava.
-
Esse cachorro é muito velho?
-
Ocê não percebeu que aqui tudo é velho meu fí? Eu sou velho, a caminhonete é
velha, o cachorro é velho... Que carona essa que ocê pegou hein!? – respondeu
Nonô sorrindo. – O Fred tem quinze anos mais ou menos. Isso pra ele qui é um
cachorro grande, tipo fila, misturado com arguma outra raça grande, acaba sendo
muitos anos nas costas, coitado. Mas ele tem uma saúde de ferro... Só tá meio
dorminhoco.
-
Os cachorros são amigos de verdade, - falou Iago olhando estaticamente para o
nada.
-
São mesmo. Mas vortando ao assunto, qui ocê num respondeu: Pra onde é qui ocê
tá indo?
-
Eu estou indo, sem rumo, por aí. Enquanto as pessoas forem me dando carona, eu
vou realizando a minha missão, até quando conseguir ficar perambulando, sem que
ninguém me encontre. Eles querem me encontrar... Mas vou continuar minha
missão.
O
velho Nonô não entendeu nada dessa última frase do garoto, imaginou que ele
estivesse viajando em algum tipo de droga, mas resolveu continuar a conversa e
ver se descobria algo sobre seu passageiro.
-
Ixi... – falou arregalando os olhos e franzindo as sobrancelhas brancas. – Quem
são eles?
Iago
olhou para o velho Nonô, da mesma forma estática de minutos antes, sem piscar,
sem mover um músculo. Por alguns segundos que pareceram eternos, o velho
conseguiu fitar aqueles olhos frios, mas logo, resolveu mudar o rumo da
conversa, pois aquele jovem dava medo, e a última coisa que Nonô queria, era
bater de frente com alguém tão sombrio.
-
Tudo bem, - falou sorrindo com seus poucos dentes – se ocê não quiser falar,
não fala, e nem precisa fazer essa cara com esses zóio parado parecendo peixe
morto, que isso aí me dá medo!
*****
-
Doutor Borges, - interpelou o investigador – já armamos três comandos: um no
perímetro de Barretos e Olímpia, outro entre Colina e Bebedouro e outro em
frente Pitangueiras. Assim que os efetivos forem chegando, a gente vai montando
mais comandos, e vai fazendo o pente fino em carro por carro.
O
delegado Borges esboçou um sorriso de canto de boca, ele estava certo de que
essa seria a tática correta para encontrar o assassino em série que estava
degolando as pessoas e colocando-as no porta malas de seus carros, abandonados
na rodovia. Ele queria colocar as mãos nesse bandido o mais rápido possível, e
interroga-lo não apenas pelos corpos encontrados, mas também pelos sete
desaparecidos até agora.
-
Muito bom, - respondeu sentado no capô da viatura, que estava parada no
acostamento da rodovia, ao lado do carro onde foi encontrada a última vítima –
nós temos que ficar atentos a todo e qualquer caronista que estiver em qualquer
carro, Seja homem, seja mulher, seja velho, seja jovem... Pra mim não faz
diferença e todos são suspeitos.
*****
Seu
Nonô chegou a uma curva fechada onde não se via a rodovia, e quando a
caminhonete surgiu mais uma vez no horizonte da pista, eles deram de cara com
um comando, a menos de cem metros de onde estavam.
O
velho notou que Iago se assustou com o comando e olhou para ele com uma cara
que dizia: E agora?
O
rapaz retirou um objeto de dentro de sua bolsa e colocou atrás do encosto do
banco da caminhonete.
-
Que qué isso aí? – perguntou o velho franzindo o cenho.
-
É um garrote.
-
E o que é um garrote?
-
São dois toquinhos de madeira, ligados a um fio de aço fino, que é usado para
estrangular pessoas.
À
frente da caminhonete, uma fila com alguns carros esperando para serem
abordados pelos policiais, fez com que seu Nonô parasse a caminhonete, dando
tempo para ele se virar para Iago e com cara de poucos amigos perguntar:
-
Como assim estrangular pessoas? Que pessoas ocê anda estrangulano?
-
Calma, - falou o rapaz encolhendo os ombros e espalmando as mãos como se
estivesse se defendendo – isso é só uma arma que eu tenho para me defender,
porque eu ando por aí pelas rodovias, pegando carona, e a gente nunca sabe quem
a gente vai encontrar pela frente.
-
E porque ocê escondeu isso?
-
Porque, queira ou não, o garrote é uma arma, e a polícia, se revistar a minha
bolsa pode achar estranho. E o senhor sabe que de cabeça de policial pode sair
qualquer coisa...
A
reação de Iago, com medo da polícia, o jeito agora, carismático que ele estava
falando, a postura e cara de preocupação dele, deixaram uma pulga atrás da orelha
em Nonô, que cada vez mais chegava perto do comando a sua frente.
*****
-
Vamos comer algo ali, - falou o delegado Borges ao investigador que o
acompanhava, apontando para um restaurante em um posto de gasolina a poucos
metros de onde estavam.
-
Vamos doutor. Quer ir de viatura ou a pé?
-
A pé não, - falou o delegado abrindo a porta da viatura – a gente nunca sabe
quando o rádio vai chamar ou alguma coisa que nos faça sair correndo, vai
acontecer.
O
delegado Borges era um tipo de policial que sempre usava a inteligência para
resolver seus casos. Mesmo nos tempos de São Paulo, ele nadava contra a
corrente de seus amigos de profissão, que escondidos atrás do escudo invisível
da impunidade, sempre utilizavam de truculência e atitudes politicamente incorretas.
Ele não. Sempre tentava investigar as fontes, ouvir testemunhas, olhar os fatos
por vários ângulos e assim, depois de tudo esmiuçado, tomar as suas atitudes,
que em quase cem por cento das vezes, eram corretas.
Talvez
fosse essa atitude do delegado Borges, que acabou lhe rendendo mais desafetos
do que amigos, dentro da própria instituição em que trabalhava. Outros
delegados, policiais e investigadores, viam na forma de Borges trabalhar, uma
afronta a eles, que tinham outros modus operandi. Inclusive, o fato de Borges,
de vez em quando falar que em mais de quinze anos de polícia nunca tivera que
dar um tiro em ninguém, era um absurdo aos ouvidos de seus parceiros, que ao
invés de ter aquelas palavras como ensinamento, as tinham como insulto.
A
alguns dias que o delegado trabalhava quase que dia e noite, tentando encontrar
o “estrangulador das rodovias” que era o nome que a imprensa tinha dado ao
matador, devido à forma que ele usava para matar as pessoas. Por isso, nesses
dias exaustos ele estava vivendo apenas de café, cigarro e alguns salgados. Ele
nem se lembrava mais, o que tinha no prato de sua última refeição, e na
verdade, nem se lembrava também, qual foi o último dia em que se sentou em paz,
para fazer uma refeição de verdade.
-
Vamos almoçar tranquilos, e depois voltar lá para o comando. - falou colocando
arroz em seu prato, olhando para o lado, já escolhendo inconscientemente entre
o feijão preto gordo, e o feijão normal. - Eu estou com um pressentimento bom
de que hoje a gente vai encontrar esse safado!
*****
-
Ocê tá nervoso garoto?
-
Não, seu Antônio, porque estaria?
-
Sei não, - falou o velho pausadamente, enquanto coçava o parco cavanhaque – eu
tô achano que ocê deu uma tremida quando viu o comando.
Iago,
por mais que tentasse esconder, não conseguia enganar e transparecer
tranquilidade para o experiente Nonô. Ele estava com o rosto enrubescido e com
os olhos arregalados, encarando o comando a sua frente enquanto conversava. Sua
postura, também, denotava estresse, pois se ajeitava no banco repetidas vezes,
sem conseguir encontrar uma forma de se sentir confortável.
-
Pode ficar tranquilo seu Antônio, é que o fato de eu ter fugido de casa me dá
medo quando eu vejo a polícia. Meu pai tem dinheiro e pode estar me procurando.
O
velho balançou a cabeça como se tivesse entendido e engolido a história de
Iago, que por sua vez, se ajeitou mais algumas vezes no banco da caminhonete,
sem tirar os olhos do policial que se aproximava da janela do motorista, com
arma em punho.
-
Bom dia senhor! – falou o policial pedindo para que Nonô abaixasse o vidro.
-
Bom dia! – respondeu o velho mostrando num sorriso, as várias falhas nos
dentes.
Fred,
curioso demais, pulou para o colo de Nonô, e colocou sua cabeça grande para
fora da caminhonete, assustando um pouco o policial, que deu um passo atrás,
mas logo reconheceu que o cachorro era manso.
-
Pode ficá tranquilo seu guarda, o Frédão
é um menino bonzinho.
O
policial, guardou a pistola no coldre, porque à uma primeira e rápida análise,
avaliou que as pessoas naquela caminhonete deveriam ser pessoas de bem, e
passando a mão na cabeça de Fred, que chegou a fechar os olhos com o afago do
policial, abaixou-se e se dirigiu para Iago:
-
Bom dia moço!
-
B... Bom dia seu guarda!
-
O senhor pode me passar os documentos da caminhonete? – falou o policial agora
voltando-se para Nonô.
-
Uai, é lógico que posso! – respondeu o velho afastando Fred, que voltou a
deitar no assoalho da caminhonete, abrindo o porta luvas para pegar os
documentos e entregando-os para o policial.
-
Esse rapaz é seu parente? – disse o policial olhando para os documentos, sem
examinar, apenas fazendo cena para investigar melhor a dupla dentro da
caminhonete.
-
É meu neto.
-
Seu neto? Puxa, ele é muito diferente do senhor... O senhor é vermelhão com a
pele morena, cabelo castanho e esse menino é branco, branco, branco!
-
Minha mulher encheu o saco do meu filho quando ele começou a namorar a mãe
desse menino. Ela não acreditava que ele tinha arrumado uma namorada quase arbina,
- falou o velho sorrindo – ela falava: - Marquinho, essa branquela vai ficá
velha logo! Você não sabe disso? Que esse povo branco envelhece cedo demais?
O
policial sorriu para o simpático velhinho e devolvendo o documento para as mãos
de Nonô, advertiu:
-
O senhor sabe porque é esse comando que estamos fazendo?
-
Sei não senhor!
-
Nós estamos procurando uma pessoa que tem matado pessoas estranguladas na
rodovia. Ele deve ser alguém pegando carona na beira da rodovia, porque os
mortos são os donos dos carros.
-
Estranguladas? – falou o velho arregalando os olhos.
-
Isso mesmo, estranguladas. Então vou perguntar mais uma vez, e acreditar no que
o senhor falar, mas por favor, fale olhando para meus olhos! Esse rapaz aí
atrás é mesmo o seu neto?
Nonô
demorou alguns segundos encarando o policial, esses segundos atormentaram Iago,
que sentiu seu coração disparar, mas depois desse pequeno impasse, o velho
sorriu novamente e respondeu:
-
É meu neto sim senhor! Eu não dou carona pra ninguém, nem pra mulher bonita,
imagina que eu ia dar carona prum marmanjo desses.
-
Tudo bem então, senhor. – falou o policial aceitando a resposta do velho. – Só
mais uma pergunta: - disse o policial, olhando para a carroceria da
caminhonete. - O que o senhor está levando nesses tambores?
-
Lavagem pros meus porco lá no meu sítio, o senhor quer ver?
-
Não, pode ir, pelo cheiro eu já desconfiava.
*****
O
delegado Borges engoliu a comida sem sentir seu gosto. Seu pensamento estava em
descobrir quem era o “estrangulador das rodovias” e colocá-lo dentro de uma
cela.
Era
em situações dessas que ele sempre se perguntava se o Brasil não deveria ter
pena de morte, porque, pra ele, uma pessoa dessas que sai matando à esmo por
aí, não pode ser uma pessoa recuperável. Um bandido desses, deve ter algum tipo
de doença psíquica, não pode ser normal, e portanto, deve ser irrecuperável.
Nesses momentos em que se pega pensando assim, ele até entende os policiais que
trabalhavam com ele na capital, e que sempre que prendiam um assassino desses,
o apresentava como cadáver. As desculpas eram sempre de que mataram o bandido
em legítima defesa.
Borges
se lembra uma vez, que um de seus homens apareceu com o cadáver de um
estuprador de crianças, totalmente desfigurado, de tanto que apanhou. O policial
disse que foi em legítima defesa, e quando Borges o questionou, dizendo que o
estuprador não portava arma alguma, o policial se defendeu dizendo:
-
Legitima defesa do cidadão, porque daqui uns anos ele estaria nas ruas de novo,
e quem sabe, fazendo coisas muito piores.
Esse dia,
e essa resposta, acompanharam Borges desde então. Essa dúvida, martela em sua
cabeça, lhe acusando de ter em mãos, o destino, e o julgamento de pessoas
cruéis e irrecuperáveis, mas Borges, por princípios, apenas os prende e deixa
para o Estado resolver seus destinos. Esse é um de seus principais fantasmas, e
toda vez que um bandido sai da prisão e volta a cometer alguma atrocidade, sua
consciência pesa. Apesar dele saber que seu papel não é julgar, ele sabe que
poderia resolver problemas futuros se agisse de forma diferente.
- Doutor?
– disse o investigador sentado à mesa com Borges. – Doutor? Tudo bem?
- Hã...?
– respondeu o delegado balançando a cabeça como se saísse de um transe. – O que
foi Mélo?
- O
senhor está a pelo menos três minutos olhando para o nada, sem piscar, e
parecia até sem respirar... Eu fiquei assustado.
- Não é
nada, Mélo. Eu estou apenas pensando.
- Acho
que o senhor deveria descansar, já faz dias que o senhor não dorme mais do que
uma hora ou duas por noite.
- Não dá,
- falou o delegado apertando o rosto com as duas mãos, como se tivesse
acordando e espreguiçando – dormir, agora, é um luxo que não dá pra fazer.
- O
senhor está esquisito hoje, eu volto a te aconselhar que o senhor deveria
tentar dormir um pouco, tem muita gente empenhado nesse caso, o senhor não tem
que carregar o mundo nas costas.
- Mélo,
vou te confessar uma coisa: Eu estou com tanta vontade de prender esse assassino,
que se eu pudesse, eu prenderia todo mundo que visse nessa rodovia.
- Crédo
doutor... Desse jeito o senhor prenderia até eu...
Borges
esboçou um sorriso de canto de boca.
- Puxa,
você quase me tirou um sorriso agora Mélo.
*****
Nonô,
logo após passar pelo comando, sem dizer uma palavra, saiu da estrada e
estacionou a caminhonete no pátio do posto de gasolina, ao lado da viatura do
delegado Borges.
Iago,
que estava com o garrote na mão, quando viu a viatura, pegou sua mochila
rapidamente e o guardou escondido debaixo de algumas roupas.
-
Porque o senhor parou aqui?
-
Vamo comê arguma coisa e despois a gente continua a viagem. Já é mais de uma
hora e eu to com o estomago doendo.
-
Mas o senhor não falou que iria parar, e parou logo do lado de uma viatura?
O
velho olhou para o garoto a seu lado, examinando-o de cima abaixo. Por um
momento, Nonô pensou se, ter mentido para o policial no comando, dizendo que
Iago era seu neto, havia sido a coisa certa.
-
Fica tranquilim meu fí! Si eu tivesse que entregá ocê eu tinha entregado lá
atrás pros guarda.
-
Tudo bem, - falou Iago abrindo a porta e deixando Fred sair primeiro, para logo
em seguida sair também – o senhor pode ir lá almoçar, que eu vou só até o
banheiro e espero o senhor aqui ao lado da caminhonete.
-
Mas ocê num tá com fome?
-
Eu não!
-
Ocê não tá com fome, ou não tá com dinheiro? – perguntou o velho percebendo a
situação do rapaz.
-
E... Estou sem dinheiro.
-
Ah... Então ocê é meu convidado, pode vir que eu pago seu almoço.
Iago,
Nonô e Fred seguiram até a porta do restaurante, no mesmo instante que Borges e
o investigador que estavam almoçando saíam. Quando Iago avistou os dois e
percebeu que eram policiais, abaixou-se para afagar Fred, como se estivesse
brincando com o cachorro, mas o movimento abrupto do rapaz, chamou a atenção do
delegado Borges, que passou por eles encarando o rapaz, que agachado, não
percebeu interesse do policial.
“Eu devo
estar ficando louco – pensou o delegado – é só um rapaz brincando com seu
cachorro... Ele não tem cara de assassino, e ainda parece estar acompanhado do
velho ao seu lado.”
*****
Nonô
conversou com Fred, e o mandou ficar sentado do lado de fora do restaurante
enquanto eles entravam para almoçar. O cachorro sentou-se calmamente, em
posição de sentido, como um cachorro treinado, e apenas seguiu seu dono com seus
olhinhos remelentos, e viu quando ele e Iago passaram por uma catraca, e
sumiram dentro do restaurante.
- Vamos
sentar ali, - disse Nonô apontando para a área de fumantes.
- Porque
ali? Ali é a área de fumantes.
Antes
de ir abastecer seu prato, o velho Nonô passou pelo balcão, pediu uma cerveja e
um cigarro, e virando-se para o rapaz, disse:
-
Ocê bebe cerveja?
- Bebo.
- Intão,
leva essa cerveja e esse cigarro lá pra nossa mesa, eu tô vendo que ocê tá
doido pra fumá. Eu vou colocá comida pra mim enquanto ocê fuma, e depois ocê
coloca comida procê.
Iago
sentou-se à mesa, e acendeu o cigarro tremendo, como se aquilo fosse a coisa
mais deliciosa do mundo, e depois de três longas tragadas, onde o rapaz chegou
até a fechar os olhos e sorrir como se estivesse experimentado o “manjar dos
deuses”, ele pareceu se recuperar da abstinência.
- Rapaz,
mas que vício ruim esse hein! – falou Nonô sentando-se e sorrindo com cara
maliciosa. – Eu fiquei olhando procê, e a sua cara quando ocê colocou essa
porcaria na boca, era cara de quem tava tendo um orgasmo! Crédo em cruz!
- Se o
senhor acha que é porcaria, porque então me pagou esse maço de cigarros?
- Uai,
paguei porque quem vai colocar essa porcaria pra dentro é você, e não eu. E
quem manda no que deve ou não entrar no seu corpo é ocê e não eu.
Iago
achou engraçada a explicação do velho Nonô. A dias que o menino, fugitivo de
casa, não se identificava com alguém. Mas aquele velhinho carismático conseguiu
sua simpatia.
- O que o
senhor achou daquele comando?
- Como
assim? O que eu achei?
- O senhor
viu o que o policial falou de estar procurando alguém que tem matado pessoas
por aí.
- É... Eu
vi.
- E
porque o senhor mentiu, falando que era meu avô?
*****
- Mélo, -
disse Borges ao investigador, que já havia a se acomodado na direção da viatura
– me aguarda aí, que eu vou até o banheiro dar uma lavada no rosto.
O peso
dos dias acordados estavam mesmo sobrecarregando as costas do delegado, que
estava aponto de explodir de tensão e cansaço.
Borges
seguiu até a frente do restaurante, onde viu Fred sentado à porta, esperando
seu dono, e de longe, olhou para a mesa onde Nonô e Iago conversavam. A imagem
do rapaz, abruptamente abaixando para brincar com o cachorro, mais uma vez
voltou à sua mente. Os policiais treinados enxergam coisas além do que as pessoas
comuns enxergam em algumas situações. Eles percebem a linguagem corporal e a
naturalidade dos movimentos das pessoas, mas algumas vezes, o estresse das
situações acentuam essa percepção, e era por isso, que o delegado deixou passar
batida, a dúvida que teve quando viu a cena do rapaz abaixando-se para brincar
com o cachorro.
Agora,
vendo o velho e o rapaz almoçando tranquilos, pareceu acalmar o coração do
delegado, que entrou no banheiro, para lavar o rosto e tentar despertar um
pouco.
*****
- Eu menti
nem sei porque. – respondeu o velho olhando para os olhos de Iago. – Inda mais
agora pensando que ocê é o tal do estrangulador.
- Eu? –
falou Iago com cara de susto. – De onde o senhor tirou essa ideia?
- Iago,
meu fí... Pode ficá tranquilo que se eu fosse te entregá, tinha te entregado lá
pro policial. Eu sou vivido, primeiro ocê escondeu aquele tal de garrote, e
despois, pela cara que ocê feiz a hora que viu o comando... Só se eu for bobo
pra não sabê que ocê é o matador.
Iago
abaixou a cabeça, deu uma longa tragada em seu cigarro, e com um sorriso
insano, falou:
- Tudo
bem, o senhor tem razão, sou eu mesmo, e saiba que quando entrei na sua
caminhonete, dependendo da sua conversa, eu iria te matar.
- Me
matar? – falou o velho franzindo o cenho.
- Isso mesmo!
- continuou o rapaz ainda esboçando um sorriso. – Mas agora não tenho mais essa
vontade. Sabe de uma coisa? O senhor é a pessoa mais legal que eu encontrei nos
últimos dias. Ou melhor, nos últimos anos. O senhor se preocupou comigo, me deu
atenção, me deu conselhos, procurou saber quem eu era, o que eu fazia, o que eu
queria, e ainda me pagou cigarro mesmo achando que cigarro é ruim, mas disse
que eu deveria decidir sobre o que era bom pra mim ou não... Ou seja, o senhor
me respeitou!
Iago
parou de falar por um instante, bebeu um gole de cerveja, e olhou fundo nos
olhos de Nonô, para em seguida continuar:
- Meu pai
arrumou outra família. Largou da minha mãe. E minha mãe, por sua vez, arrumou
outro marido. Os dois nem pensaram em mim. Cada um apenas pensou em si mesmo.
Do lado do meu pai, a minha madrasta me rejeitou, e tudo o que meu pai fazia,
era pelos filhos dela. Eles tem roupas boas, brinquedos bons, estudam em
escolas boas, enquanto eu, virei órfão de pai vivo. Do lado de minha mãe, meu
padrasto também me excluiu da família. Eu era apenas uma sombra dentro da minha
casa, vagando por aqui e por ali, sem que ninguém me notasse. Eu acho que
conversei mais com o senhor em uma hora que estamos juntos, do que em dez anos
com o meu padrasto.
- Puxa, -
falou o velho esfregando os olhos – deve ser ruim mesmo. Mas isso não justifica
matar pessoas.
- Pra mim
justifica sim! – disse o rapaz alterando a voz. – Eu quero ser importante,
quero ser notado. Quero que as pessoas saibam que eu existo! Quero que meu pai
e minha mãe se importem comigo. Quero mostrar para meu padrasto e minha
madrasta, que eles deveriam ter me dado mais atenção.
- E
matando as pessoas por aí, ocê acha que vai ser reconhecido?
- Vou, -
respondeu Iago sorrindo – eu vou ser reconhecido! As pessoas ainda não viram
meu rosto, mas elas estão com medo do “estrangulador das rodovias”, todos já
sabem que eu existo. A polícia está atrás de mim. Se um dia eles me pegarem,
meu rosto vai aparecer no Fantástico, no jornal Nacional, na Band, na Record, no
SBT... Todos vão saber que eu existo. E quando alguém me entrevistar eu vou
falar pra todo mundo que eu fiz isso porque eu queria ser alguém! Vou falar que
meu pai e minha mãe, apenas transaram e me deixaram nascer, mas nunca me deram
atenção, apenas me deram um nome, mas nunca reconheceram esse nome, como o nome
de seu filho.
Lágrimas
escorreram do rosto de Iago, sua voz e sua feição, variaram do êxtase à
tristeza profunda, à medida que ia contando sua história. Para um simples
desavisado que não soubesse o que estava se passando, Iago poderia estar bêbado
ou era louco, mas Nonô estava entendendo tudo perfeitamente.
- Calma
Iago! – disse o velhinho sabiamente. – Você está fazendo a coisa errada,
tirando a vida das pessoas assim, apenas para ter reconhecimento.
- Eu
posso mesmo estar errado. Mas as pessoas que eu tirei a vida também ficaram
famosas. Apareceram na TV, tiveram seu segundo de glória. Todas elas me
disseram que queriam ser famosas. O senhor disse que não, que queria ser
anônimo. O senhor foi o único que disse isso, e o primeiro que se importou
comigo.
O menino
se levantou, pegou o maço de cigarros, bebeu mais um gole de cerveja, e
virando-se para Nonô, falou em tom de despedida:
- Não sei
porque, mas eu me identifiquei com o senhor. Mesmo me irritando, eu me senti
importante conversando com o senhor, por isso, eu vou seguir o meu caminho e o
senhor segue o seu.
- Ocê não
quer seguir comigo, eu posso te ajudar mais, essa vida ruim sua pode acabar.
- Obrigado seu Nonô, - disse Iago virando-se e
saindo – pode ficar tranquilo, que quando alguém me prender, e eu for dar uma
entrevista, eu não vou falar nada do senhor, afinal, o senhor nem deseja ficar
famoso.
O velho
Nonô ficou ali, sentado, enquanto o menino estranho, branco feito leite, e com
cara de poucos amigos, se afastou e sumiu de vista.
*****
O
delegado Borges durante o restante do dia, ficou transitando entre os diversos
comandos que a polícia, a seu pedido, fazia nas principais rodovias da região.
Ele ainda
estava com a esperança de que hoje seria o dia em que chegaria perto do
estrangulador das rodovias. Mas uma sensação estranha, o contrariava, dizendo
que apesar dessa certeza de chegar perto, hoje ainda não seria o dia da prisão
do assassino, e por isso, o delegado examinava um por um dos passageiros de
todos carros onde pôde acompanhar a abordagem de seus homens. O delegado
procurava por olhares, gestos, falas, expressões corporais, qualquer coisa que
demonstrasse algum tipo de suspeita. Mas até o momento, ele não conseguiu encontrar
nada que delatasse ninguém.
- Doutor!
– disse um policial de dentro de uma viatura que estacionou abruptamente ao
lado de Borges. – Acabaram de ligar pra gente, dizendo que encontraram mais um
carro abandonado na beira da rodovia!
Essa
informação gelou a alma do delegado Borges. Ele sabia que devia ser mais um
assassinato. No fundo, o delegado contava com a possibilidade, de que os vários
pontos de comando em várias rodovias, fosse mexer com o brio do assassino, e
que se sentindo desafiado, ele resolvesse matar mais gente em menos tempo.
- Puta
que pariu! – berrou o delegado dando um soco no ar. – Onde este carro está?
- Perto
de Barretos doutor, na rodovia Faria Lima, sentido a cidade de Colômbia.
O
delegado Borges franziu a testa, e passou a mão no cabelo, enquanto olhava para
o chão, se perguntando, porque isso estava acontecendo com ele.
- O cara
estava indo em direção da cidade de Rio Preto, e agora resolveu voltar pra trás
e ir em direção a cidade de Colômbia? Isso só pode ter uma explicação, ele deve
estar querendo atravessar a ponte de Colômbia e passar para o estado de Minas
Gerais. Talvez ele esteja achando que se ele passar pro lado de lá, a gente não
vai atrás dele.
- Mas não
vamos mesmo né doutor? – falou o soldado dentro da viatura, alertando-o. - Em
outro estado, a polícia de São Paulo não tem mesmo como interferir.
- Não
vamos o cacete! Eu vou até o inferno atrás desse cara! Mas antes de ir até o
inferno, eu vou tomar minhas providências, - gritou o delegado sacando seu
celular.
- O que o
senhor vai fazer?
- Vou
ligar agora para a delegacia de Colômbia, e avisar que esse filho da puta está
indo naquela direção. Quero uma tropa de choque em cima daquela ponte, não
passa nada e nem ninguém que não seja esmiuçado. Não passa de carro, a pé, de
bicicleta, de jeito nenhum! Eu quero que eles procurem tudo, até a cor da cueca
de todas pessoas que tentarem passar para Minas eu quero saber!
*****
Priscila
dirigia tranquilamente, ouvindo um CD ao vivo do U2. Ao seu lado, um rapaz um
pouco calado, com cara de cansado, branco feito leite, que ela acabara de
deixar entrar em seu carro.
- Você
gosta muito do U2? – perguntou o rapaz.
- Gosto,
- respondeu ela sorrindo para a pergunta que parecia obvia – porquê? Você não
gosta?
- Gosto
muito! Você consegue ouvir o som da multidão ao fundo? Gritando o nome do Bono
Vox?
- É
demais né? – falou ela com cara de deslumbrada. – Imagina a adrenalina que não
deve ser, um estádio inteiro gritando seu nome? Isso deve ser bom demais...
Olha aqui pro meu braço! Até arrepia...
- Ah...
Então você tem vontade de ficar famosa...
*****
Seu Nonô
estacionou a sua caminhonete velha, “quase vermelha”, ao lado do chiqueiro,
dentro de seu sitio. Os porcos, acostumados com o barulho da caminhonete,
vieram correndo, se espremer em frente ao cocho, onde o velho iria colocar a
comida dos bichos.
Fred
subiu em cima da traseira da caminhonete para ver seu dono, e parceiro, abrir
os dois tambores de comida, e como que admirando o velho Nonô, parou e balançou
o rabo, alegremente.
O velho,
vendo o companheirismo de seu velho amigo, sorriu mostrando os poucos dentes e
falou:
- É
Frédão... O rapaz escapou da gente hein! Ele era uma boa porção de comida pros
porco... Tá difícil encontrá carne nova assim nas rodovia.
Enquanto
falava, o velho Nonô retirou de dentro do tambor, alguns pedaços de braço,
mãos, pés, uma cabeça, pedaços de carne irreconhecíveis e vísceras humanas,
tipo: coração, fígado, estômago e coisas assim. Ainda sorrindo, continuou a
conversa com seu companheiro canino:
- Eu sei
que os nosso amigo porco, perdero uma carninha nova, mas pelo menos, enquanto o
Iago estivé matando as pessoa por aí, os desaparecidos que a gente trazê pra
engordar os porco, vão tudo fica na conta dele. Quem vai acreditá, quando ele
falá que não matou as pessoas que desaparecero? E ainda mais que elas
desaparecero no mesmo trecho de rodovia que ele matô tanta gente?
O velho
Nonô abasteceu os cochos, onde os porcos famintos, em um instante devoraram
toda a “comida”, abaixou-se ao lado de seu amigo canino e afagando sua cabeça
falou:
-
Hehehe... Quem vai suspeitá de dois velhinhos carismáticos, pobres,
trabalhadores, criadores de porcos, e caipiras como nós dois? Hehehehe. Ninguém
né?
Muito bom. Adorei o presente. Obrigado pela partilha.
ResponderExcluirUm abraço e Feliz Natal.
Feliz Natal minha amiga! Obrigado por aparecer!
ExcluirOlá André,
ResponderExcluirEste é, sem dúvida, um conto que poderia ser adaptado para um filme de suspense, com um misto de terror-rsrs.
E eu pensando que o velho seria a próxima vítima de Iago...
Muito bem bolado. Parabéns!
Obrigada pelo carinho.
Reitero meus votos para um abençoado e feliz Natal. Muito sucesso em sua carreira literária em 2O16.
Paz e saúde para todos nós.
Abraço.
Obrigado Vera! Imagina só... Adaptação pra filme!!!!!!
ExcluirQue final... surpreendente!
ResponderExcluir: )
Muito bom!
Obrigado!!! Obrigado por aparecer!
ExcluirUma história mirabolante, e muito bem contada! Com suspense e até sentido de humor negro. Gostei muito.
ResponderExcluirUm Natal muito feliz e um óptimo 2016, André. Com muita saúde.
xx
Obrigado Laura! Um ótimo natal e ano novo pra vc também!
ExcluirNão vou mentir dizendo que li, meus olhos não suportam textos tão longos em computador.
ResponderExcluirDesejo bom Natal, alegres Festas e feliz 2016!
Hahahahahahaha, mas obrigado por vir São!
ExcluirUm feliz 2016 pra você e sua familia!
Adoro o policial e fiquei encantado com este conto. Acho que o autor, André Mansim, é um policiarista nato. Claro que, li a história toda, como sempre faço e vi que a condução do conto, o levou a um desfecho inesperado, como todo o bom conto policial.
ResponderExcluirBOM NATAL!...
Obrigado Daniel!! Logo logo o meu segundo livro policial já estará nas livrarias, te falo quando sair!
ExcluirEstava com dor e lendo seu conto, uma hora chorava de dor, outra hora ria do velhinho.
ResponderExcluir"Puts", eu adoro contos, e nem percebi que ele estava era longo...
Dessa vez você me pegou.
Um dia comprei um livro: O Homem que matou Getúlio Vargas de Jô Soare e li 336 páginas em 3 horas sem piscar, ainda bem que não me deu dor de barriga.kkk
Coloquei aquela cadeira confortável de plástico.kkkn área da frente, ergui minhas pernas numa coluna . A pessoas passavam, achavam que estava louca, ria, ou melhor gargalhava.
Obrigada por fazer esquecer as minhas dores nos pés.
Bom ano e sucesso sempre.
Beijos
Lua Singular
Hahahaha, que bom que gostou!!
ExcluirUna historia muy bien narrada, y con un sorprendente final. Me ha gustado mucho.
ResponderExcluirAprovecho para desearte unas Felices Fiestas y un Próspero Año Nuevo en compañía de todos tus seres queridos.
Un cordial saludo.
Obrigado Manuel! Tenha um ano novo maravilhoso e abençoado!
Excluirolá
ResponderExcluirobrigada pelas visitas e comentários ao longo do ano.
desejo um bom ano de 2016.
muito obrigada!
um beijo
:)
Obrigado!
ExcluirHoje não dá, mas amanhã venho ler o conto...
ResponderExcluirAndré, gostei imenso de conviver contigo durante o ano que agora acaba.
Caro amigo, desejo-te um FELIZ ANO NOVO, tal como à tua família e aos que te são mais queridos.
Abraço.
Um lindo ano novo pra vc também Jaime!
ExcluirCaro André, gostei dos dois desses seus contos que li, dessa sua postagem.
ResponderExcluirComo sou um leitor de livros, levei algum tempo para me acostumar escrever para a Internet, que exige textos curtos (mais curtos que o contos curtos dos livros); hoje, escrevo textos curtos, e também leio textos curtos (na Internet).
Essa minha introdução deve-se a intromissão que faço: seus contos ão curtos (próprios para a Internet) e são contos bons, mas acho que, para valorizá-los mais (e ter mais leitores), cada conto devia ser publicado um por vez.
Bom Ano Novo.
Um abraço.
Desculpe Pedro... Mas é um conto só! E bem longo.
ExcluirAcho que o senhor não leu, ou confundiu, cada mudança de cena como sendo um conto.
André,
ExcluirComo disse no meu comentário, li “dois contos”, o que quer dizer que não li o conto todo, que, como você disse, trata-se de um único conto dividido em partes. Depois desse mal entendido, fiz a leitura completa, e o cumprimento pela sua excelente qualidade.
Mas, de qualquer forma mantenho a opinião dada no que se refere a textos longos para edição na Internet, embora eu mesmo escreva textos longos em outro blog, que está dirigido mais a estudantes, e sem possibilidade de ser feito comentários (Blog PANORAMA
http:// panorama-direitoliteratura.blogspot.com
Um abraço.