sábado, 31 de dezembro de 2011

Camada de ozônio

            

 

            Depois de se revirar na cama, ele pegou o celular para ver que horas era. Ainda dava para ficar na cama mais quinze minutos, mas ele resolveu se levantar.

            Apoiando as costas e andando lentamente, ele foi despertando os músculos e articulações. Todo dia era assim... As dores matinais faziam parte da sua vida, mas ele sabia, que era só andar um pouco que elas iriam embora.

            Ele escovou os dentes, fez xixi, foi até a cozinha, comeu um pão com manteiga e tomou um copo de leite.

            Definitivamente, as festividades do final do ano não caíram muito bem em seu estômago. Cervejinhas a mais, vinhozinhos de vários tipos, várias uvas e várias procedências, muitas vezes duvidosas. Champanhe rosê, champanhe branco, champanhe amarelado e com gosto avinagrado, e não poderia faltar, o champanhe fidido, que aquela tia avarenta sempre trazia todo ano.

            Tudo isso, combinado com uma dose a mais de comida e uns docinhos deliciosos, acabam formando um coquetel molotov, que explode, detonando gases que contribuem para a destruição da camada de ozônio.
            Dando umas batidinhas na barriga, enquanto anda pelado pela casa ele pensa com um sorriso de canto de boca: "Acho que deve ser por isso que janeiro é um mês tão quente, os gases tóxicos aumentam muito, e isso pode realmente contribuir para o aquecimento global!"

            Ele está se preparando para o primeiro dia de mais um ano. Se esse ano continuar no mesmo ritmo dos demais, ele sabe que muita coisa vai acontecer. Ele vai sorrir, ele vai chorar, ele vai ter vitórias e perdas.

            Ele vai ter felicidade e paz, mas também vai ter impaciência e momentos de raiva. Todos esses momentos, distintos, mas juntos, fazem dos anos, sucessões de vitórias e derrotas. Isso as vezes machuca e as vezes alegra e ele sabe que isso é que faz a vida boa para ser vivida.

            Ele toma um banho, passa um perfume e se ajeita pra ir trabalhar.            Ele sabe que as rotinas da vida matam, mas também salvam! Cabeça vazia é oficina do capeta, já dizia sua avó!

            Então ele vai trabalhar. Certamente não é o melhor serviço do mundo, mas está longe de ser o pior... Ele sai feliz por mais um ano que começa e por saber que Deus lhe deu a honra de ter acordado e vivido 365 dias no ano que passou. Agora ele está pronto pra mais uma batalha. Aí vem mais 365 dias, e ele quer estar presente em todos. Daqui a um ano ele pretende estar feliz, com o estômago em frangalhos, com a boca amarga pela ressaca e cheio de comidinhas e bebidinhas, e por isso, contribuindo para acabar com a camada de ozônio e deixando os janeiros cada vez mais quentes...





quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Um ano de boas guerras




Um ano de boas guerras

 

            Rufus, o cavalo do cavaleiro Valfredo, vinha cambaleando pela estrada que trazia até a cidade.

            Com o corpo arqueado para frente e quase desmaiando de sono, vinha seu dono, só Deus sabe como, pendurado em cima de Rufus, que além de também estar exausto, ainda tinha que tomar cuidado e olhar onde pisava, para não dar nenhum tranco que jogasse seu dono ao chão.        O dia era 31 de dezembro, e o cavaleiro, mesmo absorto em pensamentos confusos, ainda conseguiu avaliar o ano e perceber que trabalhando juntos, os dois (ele e Rufus), passaram por muitos apuros. Muitas batalhas, muitas justas e muitos duelos. Os dois se aventuraram por todo o reino e enfrentaram inimigos de todos os tipos: bruxos, magos, cavaleiros negros, gnomos malvados, e praticamente um dragão por dia.

            O dia estava raiando quando o cavalo ganhou a praça central da cidade e se encaminhou para a casa de Valfredo.

            Eles viajaram a noite toda, porque no dia anterior, haviam libertado a princesa Florinda, das mãos do perverso Rei da Malvitânia. Teoricamente, o rei a havia capturado e a fazia refém em seu castelo.           Valfredo teve que agir como um agente secreto e se infiltrar entre os cavaleiros de Malvitânia, para poder chegar até o castelo sem ser notado, e assim, poder salvar a princesa.

            O problema é que na hora da fuga eles foram notados, por isso Valfredo teve que enfrentar os soldados da guarda real em uma batalha mortal. A guarda real da Malvitânia era conhecida por ter grandes espadachins, e bruxos com línguas mágicas que conjuravam os mais terríveis encantamentos. Mas, felizmente eles não tinham tanta experiência na arte da sobrevivência, e um a um foram caindo.

            Enquanto isso, Rufus se posicionou na porta do castelo, para que ele, a princesa e seu dono, saíssem em uma fuga desenfreada.

            Quando chegaram com a princesa Florinda, até as portas de seu reino, o “Reino do Amanhã”, que é conhecido como um reino onde todos os problemas se resolvem, o trio foi surpreendido em uma emboscada, e acabaram descobrindo que foi a própria irmã da princesa, que querendo ser a única herdeira do reino, a havia traído e a entregado ao rei da Malvitânia.

            Valfredo apeou de seu cavalo, colocando-se como escudo entre os bandidos e a princesa, e nervoso falou pra seu companheiro:

— Rufus! Corra com a princesa e a salve! Leve-a para o castelo de seu pai.

            O bom e obediente cavalo, saiu correndo com a princesa, enquanto Valfredo ficou ali enfrentando com fúria, todos os cavaleiros que fizeram a emboscada. O aço das espadas soltavam fagulhas a cada pancada que davam entre si.

            Depois de longos minutos de luta, Valfredo não aguentou e caiu no chão. Quatro cavaleiros que ainda sobravam de pé, cercaram Valfredo e quando iriam desferir o golpe de misericórdia, ouviram o som de uma trombeta e dos cascos dos cavalos da cavalaria real que chegava. Todos correram deixando Valfredo estendido no chão, mas com vida. À frente da cavalaria, vinha Rufus guiando a guarda real.

            Os cavaleiros chegaram e saudaram o cavaleiro que havia salvado a princesa, dando-lhe os cumprimentos reais.

            Já era tarde, e Valfredo morto de cansaço, não quis ir até o castelo e se despediu ali mesmo da princesa, dos guardas e decidiu voltar para casa, pois estava com muita saudade de sua esposa e de sua cama.

            Valfredo chegou em casa, apeou de Rufus, desarreou seu amigo, deu-lhe água, milho, e soltou-o no pasto para descansar. Então, sua esposa, quando percebeu que ele havia chegado, correu ao seu encontro, lhe deu um beijo de boas-vindas e os dois entraram em casa de mãos dadas. O brio do cavaleiro, depois da demonstração de amor de sua esposa, até voltou, deixando-o mais animadinho.

            — Val, — falou a esposa balançando um papel. — O mensageiro do rei deixou essa carta pra você.

            O cavaleiro abriu a carta, e correndo os olhos, franziu a testa quando viu que nela havia as seguintes instruções:

            "Cavaleiro Valfredo, se apresente no castelo real, as sete horas da manhã do dia 1 de janeiro. Você tem alguns serviços agendados para este mês. Entre eles, deve matar um dragão que está assustando o povo do vilarejo das famílias frágeis, depois tem que caçar o cavaleiro negro que tomou o castelo da vizinhança, e em seguida, vai se juntar a tropa de cavaleiros da meia cruzada, para expulsar os bárbaros das terras baixas do bairro da cidade norte. Depois, se ainda estiver vivo, deve lutar contra os gárgulas vampiros que estão atacando os pescadores do rio que contorna as muralhas do nosso reino, e por fim, caçar a bruxa da floresta, que está amedrontando os caçadores de raposas."

            Valfredo olhou para o céu, olhou para sua esposa que o fitava esperando sua reação, olhou para sua cama, que o convidava para descansar e com uma lágrima brilhando, que escorria pelo seu rosto, falou consigo mesmo:

             — Puxa vida... Como é bom ter saúde, disposição e poder começar o ano com tanta coisa pra fazer! Assim me sinto cada dia mais vivo e útil. Triste deve ser aquele que não tem vontade de se virar, e vive só de sonhos... É, parece que mais um ano feliz vem por aí!

 

Desejo a todos os amigos, seguidores e visitantes um ano novo cheio de batalhas e com muitas conquistas!
Vivam 2012 com alegria. Tenham disposição e não se deixem cair em armadilhas. Vigie, caminhe sempre pra frente e seja feliz!

domingo, 25 de dezembro de 2011

Anjos

Mais uma re-postagem desse texto. Tomara que no próximo ano esse texto se torne bobo e esse problema não exista mais.


Zezé era menino.
Menino que não sabia.
Menino que não conhecia.
Zezé era um menino que não sabia de onde veio.
Não conhecia seu pai, era filho de pai sem mãe...
Não conhecia sua mãe, era filho de mãe sem pai ...
Zezé foi criado por uma irmã mais velha. Um ano mais velha. Marcia era o nome dela.
Comiam os restos das latas de lixo, dormiam debaixo da ponte, se cobriam com jornal, cheiravam cola e fumavam bitucas de cigarro.
Um dia acharam o corpo de Marcia num matagal, comida pelos vermes e pelos humanos.
A policia achou normal, afinal, era só uma menina de rua mesmo...
Zezé prosseguiu sozinho. Já tinha quatorze anos e uma mulher! Carol.
Carol, que já tinha treze anos. A oito meses grávida...
- Que legal, eu vou ser pai!
E foi!
Comiam os três restos de lixo, comida roubada ou ganhada, o mercadão jogava muitas verduras fóra.
Carol, desnutrida, não tinha muito leite, e quem tinha não dava. Afinal um centavo valia muito falou o presidente!
Um dia a polícia entrou no cafofo. Cafofo era a casa de Zezé, e de Jão, Zé, Cráudia, Alê, Xixa, Carol e mais um monte de moleque de rua.
Cheirador de cola!
- E esse nenem? - Falou o policial - vamos levar pro juizado!
- Meu filho não! - Falou Carol.
- Vai ele e você!
Carol se atracou com o policial que queria tirar o nenem do seu colo, e os outros moleques entraram na briga, foi uma confusão. De repente um dos policiais puxa a arma e atira!
Legítima defesa ele afirmaria no processo.
Zezé que já tinha visto muita coisa nessa vida, viu sua mulher e seu filhinho cairem no chão...
O tiro atravessou os dois.
Zezé matou um dos policiais a pauladas!
Mais polícia chegou, a televisão chegou, as pessoas chegaram... Mais policia chegou, mais televisão chegou, Os moleques foram presos!
Hoje Zezé está preso... Deflorado, surrado, usado, pisado...
Ele sonha com o dia em que vai sair da cadeia para menores infratores...
Legal né?
Ele sonha...
Afinal ele é criança, que sonha antes de dormir, afinal ele é criança e sonha com fantasias de criança... Criança de quinze anos...
Que sonha acordado!
E sonha com dias melhores... E sonha com os Anjos!

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Papai Noel e o conselheiro

Papai Noel chegou ao vilarejo. Tudo estava muito escuro, porque ainda não existia eletricidade ligada nas casas. Na verdade as casas da vila não eram assim... Casas.
Eram alguns casebres espalhados pela vila, rodeando a igreja central.
Noel notou que as pessoas estavam reunidas numa espécie de galpão que ficava ao lado da igreja. Então ele amarrou as rédeas que prendiam as renas do seu trenó numa árvore, e foi com cuidado dar uma espiada.
Pé ante pé, Noel chegou até a janela do barracão, e furtivamente começou a espiar. Ele viu que um homem com uma espécie de túnica branca, falava para as pessoas, que atentamente o escutavam sem ao menos piscar. Noel achou interessante aquilo, porque no meio do sertão, onde não existia nada a quilômetros de distância, ele percebia que aquele homem era como um messias para aquelas pessoas. Até uma espécie de cajado ele tinha nas mãos.
Foi quando papai Noel escutou um "click" atrás de sí, e lentamente virou-se dando de cara com dois canos de uma carabina apontados no meio da sua testa.
- Quem é vósmecê?
- Eu sou o papai Noel.
- Pai de quem?
- Noel... Você nunca ouviu falar?
- Vosmecê é purtuguêis?
- Hã...? Português?
- É melhor vosmecê ficá quétim qui eu vô levá ocê pra cunversá com o mestre Antonio Conselheiro.
Então o capiau encaminhou o papai Noel pra dentro do barracão, onde todos ficaram emudecidos ao ver aquela figura estranha.
- Mestre, - falou o capiau. - Esse sujeitim aqui tava ispiano alí da janela. Eu pirguntei quem ele era, e ele me falô qui era o pai dum tar di Noel.
- Não meu filho... - Interrompeu o bom velhinho. - Eu sou o papai Noel!
O velho mestre, chamado pelas pessoas de Antonio Conselheiro, fez um movimento levantando seu cajado, e todas as pessoas se sentaram e ficaram observando. Depois virando-se para Noel, o beato falou: - O senhor é português ou mandado pelo rei?
- Pelo rei? Que rei?
- Oras meu senhor, não te faças de desentendido. Pelo rei de Portugal, colonizador dessa terra chamada Brasil.
- Olha meu filho, ho-ho-ho-ho, eu sou o papai Noel, eu venho das terras gélidas do norte europeu e vim trazer paz e alegria junto com o espírito natalino.
- O que é espírito natalino? - Perguntou Antonio Conselheiro olhando-o de cima abaixo.
- É o espírito de paz, alegria, felicidade, amor! Eu faço isso a muitos anos na europa, e agora meu chefe mandou eu começar a fazer isso aqui nessas novas terras também.
- Seu chefe é o rei de Portugal? O senhor é português?
- Ho-ho-ho-ho - gargalhou papai Noel - eu sigo as ordens de Deus meu filho! Eu represento a união dos povos em torno do nascimento de Jesus!
- O senhor é chegado a uma falácia hein senhor Noel? Onde já se viu dizer que trabalha diretamente com Deus... O senhor é português e trabalha para o rei de Portugal, e está aqui pra confundir meu povo, mas nós não vamos deixar! O senhor tem dez minutos pra se retirar da vila de Canudos; e se voltar aqui, não vai sair com vida. E por favor não seja ridículo com essa roupa vermelha e esse chapeuzinho horroroso! - Virando-se para o capiau que estava com a carabina, Antonio Conselheiro falou: - Chiquinho! Leve esse senhor daqui.
Chiquinho levou Noel até onde o trenó estava amarrado. Papai Noel subiu no trenó e levantou vôo sumindo entre as estrelas. Engraçado é que Chiquinho não se lembra disso e nem sabe como Noel foi embora. No outro dia de manhã era dia de Natal, e uma coisa estranha aconteceu na vila de Canudos. Todas as crianças acordaram com roupas e sapatos novos. Alguns vestiram sapatos pela primeira vez na vida. Ninguém sabe de onde os presentes vieram. Nas mesas dos casebres, apareceu uma espécie de pão engraçado e muito gostoso todo cheio de umas frutinhas cristalizadas no meio.
As pessoas perguntaram a Antonio Conselheiro o que era aquilo, ele simplesmente respondeu que devia ser mesmo coisa de Deus, ou simplesmente uma tentativa do rei de Portugal em fazer as pazes com o povo da vila.
Diz a lenda que essa foi a primeira vez que papai Noel veio ao Brasil, dali em diante ele nunca mais deixou que ninguém o visse quando viesse deixar os presentes para as crianças brasileiras. Dizem que numa conversa informal com um dos anões da fábrica mágica, papai Noel teria comentado que o povo do Brasil é diferente, porque mesmo achando que ele fosse um inimigo, ainda o deixaram ir embora. Todos os anos sequentes até hoje, Noel sempre volta ao Brasil, pena que já no ano seguinte a Vila de Canudos e Antonio Conselheiro não existiam mais.
Mas para a surpresa de Noel, quando Conselheiro chegou ao céu, ele perguntou a Deus sobre aquele velhinho de roupa feia e chapeuzinho horroroso que apareceu uma vez na vila de Canudos. Deus explicou pra ele quem era realmente o papai Noel. Desde esse dia, Antonio Conselheiro mora na aldeia do papai Noel, e ajuda a confeccionar aqueles pães engraçados. Ele faz isso com gosto, pois se lembra da alegria das crianças do seu antigo povoado se deliciando com aqueles pães.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

O duelo


O sol estava esturricante naquela manhã. As pessoas da cidade de Cactus Valley estavam apreensivas porque um duelo estava marcado para aquele dia.
Alonzo Ceifador, o gatilho mais rápido e maior matador do oeste disse que iria matar o jovem forasteiro chamado Zézim Quicheramobim que veio de um distante país e estava morando numa fazenda vizinha.
Os moradores de Cactus Valley sabiam que Alonzo era terrível e que ninguém tinha chance contra ele, ainda mais um rapazinho que viera de um país onde as armas oficiais eram estilingue e arco e flecha. Seria um massacre!
A filha do delegado, a linda Mary Louise que estava apaixonada por Zézim tentou fazê-lo desistir da idéia de enfrentar Alonso, mas Zézim não via escapatória porque o bando de Alonzo havia cercado a cidade e não havia nenhuma rota de fuga disponível no momento. E o pior é que as pessoas da cidade também não o deixariam fugir porque eles fizeram várias apostas onde jogavam dinheiro tentando adivinhar com quantas balas Zézim iria morrer, ou com quantos minutos ele iria morrer, ou se o seu corpo cairia pra frente ou pra trás quando fosse atingido. Ele virou a atração do dia. Todos tinham total certeza que Zézim morreria naquele início de tarde.
Mary Louise quando viu que não teria jeito e que o duelo realmente aconteceria, levou Zézim para conversar com o sábio do pântano. Chegando na cabana do sábio Mary apresentou Zézim a ele e explicou qual era o problema. O sábio pensou, pensou, meditou e disse:
- Meu filho, esse duelo já está marcado e não tem jeito de desmarcar?
- Não tem sábio - falou Zézim cabisbaixo - todas as pessoas já sabem sobre o duelo e apostaram sobre ele. Não tem jeito e nem pra onde correr.
- Então meu filho - disse o sábio coçando a barba – eu vejo duas saídas pra você. Se você tiver vontade, tiver disposição, não tiver medo, enfrentar com coragem esse Alonso Ceifador talvez você se safe e ainda consiga viver. Mas se você for para o duelo já psicologicamente derrotado, com medo, covardemente e só assistindo as ações do Alonso Ceifador, aí meu filho com certeza ele vai te destruir assim como o Barcelona fez com o Santos.

sábado, 17 de dezembro de 2011

Poção mágica


 

            Ela colocou três pitadas de asa de morcego, um colherinha de patas de barata, três dentes de alho e meio litro de mel de jataí. Sorrindo, ela mexeu com uma colher de pau feita de um tronco da árvore mais torta do bosque.

            Prestando atenção à receita milenar, para não esquecer nada, ela juntou mais sete minhocas vermelhas e sete minhocas brancas, uma pata de coelho e vinte e dois cogumelos bravos que dão em madeira podre de lugares úmidos.

            Ela ouviu dizer, que essa poção era tiro e queda. Era uma poção antiga que vinha passando de geração em geração desde a criação da sociedade das bruxas obscuras de Cabrobró.

            Essa poção, segundo o livro azul da biblioteca bruxesca, prometia acabar com todas os problemas de toda e qualquer pessoa. Uma pessoa que tomasse essa poção nunca mais passaria raiva, medo, frio ou calor. Não sofreria mais por amor e, no caso das mulheres, não teria mais TPM, ninguém mais fofocaria sobre ela, nunca mais ela teria impulsividade por fazer compras no shopping para desestressar! Essa poção seria magia pura em sua vida.

            Com cuidado, ela juntou dois rins de tartaruga, quatro olhos de cachorro poodle, um testículo de gato persa. Mexeu mais uma vez acrescentando aos poucos trinta e oito gotas de limão siciliano. A cada gota que caía ela tinha que recitar as nove palavras mágicas e dar uma volta completa no caldeirão. Mas ela fazia isso com muito prazer porque a lenda afirmava que todas as mulheres que recorreram a essa poção nunca mais choraram por desilusão, nunca mais tiveram problemas com roupas que não lhe cabiam, nunca mais tiveram estrias, nunca mais tiveram celulite, nunca mais tiveram pensamentos suicidas quando viram aquela amiga que ela detesta usando um vestido igual ao que ela comprou naquela loja caríssima.

            Como toque final, ela colocou três pétalas de rosa vermelha, duas pétalas de rosa branca, um talo de couve manteiga e trezentos gramas de banha de uma novilha malhada e uma pitadinha de pólvora branca...

            Pronto! Agora todos os seus problemas iriam acabar.

            Com um sorriso nos lábios ela colocou duas conchas cheias da poção em uma caneca e recitando pela última vez as palavras mágicas, tomou sete grandes goles da poção.
            Inacreditavelmente, realmente, todos os problemas dela foram resolvidos no mesmo instante, porque a poção mágica a transformou numa linda ameba!

            Adeus problemas da vida!

 

       


quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Lar doce lar



Valfredo estava contra a parede. A ponta da espada do inimigo estava encostada em seu nariz. Do outro lado da lâmina o inimigo que a empunhava olhava fixamente pra Valfredo se deliciando por poder dar o golpe de misericórdia. A respiração dos dois estava ofegante porque o duelo exigiu muito esforço dos cavaleiros. Mas num golpe de sorte o inimigo de Valfredo conseguiu retirar-lhe a espada deixando-o desguarnecido. O que o inimigo não sabia é que o dragão da floresta estava bem atrás dele pronto para chamuscá-lo com uma baforada de fogo. Valfredo torcia para o dragão agir antes do inimigo cravar-lhe a espada. Foi quando o dragão fez um movimento mais brusco chamando a atenção do inimigo que num breve instante titubeou e olhou pra trás. Era isso que Valfredo precisava. Num golpe rápido Valfredo retirou a espada de sua frente e correndo pelo corredor do castelo pulou pela janela para cair no fosso dos crocodilos. Para Valfredo ter que enfrentar os répteis gigantes era bem mais fácil do que enfrentar uma lâmina espetada em sua fuça. Na hora em que pulou pela janela Valfredo ainda teve tempo de ver o dragão transformar seu inimigo em churrasquinho. - Ufa! - Pensou Valfredo. - Dessa eu me livrei.
Valfredo caiu bem nas costas de um grande crocodilo e rolou pra dentro d'água. Os crocodilos não esperavam e se afastaram com medo do barulho e do baque na água mas logo viram que era comida que caiu por ali e tentaram voltar e abocanhar Valfredo, mas já era tarde e ele tinha conseguido subir o barranco e ganhar a estrada.
Valfredo correu como nunca porque o dragão da floresta vinha logo atrás louco por mais um churrasco. Então Valfredo seguiu mata adentro conseguindo despistar o dragão, mas o que ele não sabia é que a bruxa escarlate que comandava aquela floresta estava vendo tudo em sua bola de cristal e mandou os gárgulas vampiros irem atrás de Valfredo.
Não demorou muito Valfredo se viu cercado por aquelas criaturas nojentas, metade homem, metade morcego, metade demônio! Eles davam vôos rasantes e com suas unhas enormes rasgavam a armadura de aço de Valfredo como se fossem de papel. Valfredo corria pela floresta desenfreadamente até que chegou a um descampado onde ficou totalmente vulnerável ao ataque das criaturas que o cercaram e com gargalhadas demoníacas se aproximavam cada vez mais. Valfredo foi dando passos pra trás sem tirar os olhos das criaturas até que o chão se abriu sob seus pés e Valfredo caiu de um penhasco direto dentro de um rio. Sua armadura que o protegera dos crocodilos no fosso que era muito raso agora dentro do rio começou a pesar e levar Valfredo para as profundezas. Foi quando meio atordoado e quase sem ar Valfredo conseguiu se desvencilhar da armadura e subir para respirar.
Valfredo seguiu nadando pelo rio e conseguiu escapar com vida.
Mais tarde Valfredo chegou a vila onde morava perto do Castelo de Browistone. Sua esposa estava na porta lhe esperando.
Quando viu sua esposa Valfredo ficou muito feliz.
Sua esposa quando o viu chegar foi logo falando: - Isso é hora de chegar em casa? Todo arranhado? E sua armadura? Deve ter esquecido na casa de alguma safada por aí né?
Valfredo chegou perto da esposa, sorriu e pensou: - Puxa como amo essa mulher! E como é bom voltar pra casa!

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Podemos ser um Noel também

Eu re-posto alguns textos de vez em quando aqui no blog. Esse é um que vou postar de novo a cada natal. 




            Eu vejo essas pessoas que falam que se lembram de tudo o que aconteceu com elas desde que eram crianças, desde que tinham três ou quatro anos, que se lembram “como se fosse hoje”, aí eu penso que então eu sou meio ruim das ideias.

            Eu não me lembro de quase nada! Na verdade, eu tenho uns flashes de algumas coisas que me aconteceram e que geralmente, não sei porque, são lembranças de momentos não tão felizes.

            O pensamento mais antigo que lembro é um muito triste, ele é de um homem que vendia biju na rua.

            Hoje não se vê mais isso, mas o “bijuzeiro” era uma pessoa que andava pela rua, com uma coisa barulhenta na mão, que se chamava matraca. Essa matraca era uma plaquinha de madeira, que tinha uma alça e uma dobradiça, que o bijuzeiro balançava girando o braço, o que fazia a dobradiça bater pra cá e pra lá e fazer um barulho, tipo: “plac plac plac plac!

            — Olha o bijuuuuuuu!” — eles gritavam.

            E a criançada corria para comprar isso, que nada mais era, do que uma massa doce, quase igual a massa do sorvete cascão que a gente compra hoje nas sorveterias.

            Eu devia ter uns quatro anos, (sei disso pela casa em que a gente morava) e ainda não sabia contar o dinheiro. Eu lembro que fui correndo em casa e peguei uma nota qualquer que estava por ali e corri pra comprar o biju. O homem disse que o dinheiro não dava. Então eu voltei correndo e peguei outro dinheiro que encontrei, fui correndo e ele disse que ainda não dava. Eu falei pra ele esperar e voltei correndo vasculhei a casa toda e arranjei mais umas notas e moedas, voltei de novo ao bijuzeiro, que pegou as notas todas amassadas na minha mãozinha de criança e falou para as outras crianças que estavam em volta dele:

            — Olha o dinheiro desse gordinho! Hahahahaha! Não dá pra nada e até parece dinheiro de bêbado, todo amassado! — e virando-se pra mim, sorrindo com um sorriso de demônio banguela, disse. — Vai embora moleque, seu dinheiro não dá pra comprar nada.

            Todos os meninos deram risada da minha cara... Essa é a lembrança mais antiga que eu tenho: um bijuzeiro velho, banguela e desumano. Na verdade, acho que lhe faltava só os atacantes... Os laterais ele ainda tinha, naquela boca feia.

            Outra lembrança muito antiga, deve ser do ano seguinte, no Natal, que é o Natal que eu recebi meu primeiro presente do papai Noel, e olha eu já tinha quatro anos.

            Até então, meu pai que trabalhava muito, mas que também adorava gastar com as maravilhas da noite, não deixava faltar o básico em casa, que era comida, aluguel, água e luz; mas fora isso, tudo era luxo! Chocolate eu acho que ganhava uma barrinha a cada três ou quatro meses. Refrigerante deveria dar pra uma semana e não era toda semana que tinha. Bolacha recheada, iogurte, salgadinho... Eu nem sabia que essas coisas existiam.  Nesse contexto de humildade e pobreza, eu pedi numa redação da escola que o papai Noel me desse uma bola “dente de leite”, que era uma bola que tinha naquele tempo, e que parecia uma bexigona. Hoje em dia as crianças não querem nem ver uma bola dessas, seria quase um motivo de bulling, mas pra gente no final dos anos 70 era um brinquedo sensacional.

            Lembro que era de noite e meu pai foi a cozinha, voltou, e se deitou na cama com minha mãe. Eu dormia numa cama ao lado, porque nossa casa só tinha um quarto, um banheiro e uma cozinha.

            Depois de algum tempo meu pai falou como se estivesse assustado:

            — André, você escutou esse barulho na cozinha? Vai lá ver o que é?

            Eu fui e me lembro da bola ali em cima da pia! Embrulhada num papel vermelho. Puxa vida! — eu pensei. — O papai Noel havia leu a minha redação!

            Meu Natal não teve nada além da bola, eu nem sabia o que era panetone, não teve refrigerante, leitoa assada, churrasco... Imagina se isso era possível. Mas não importava nada disso, porque eu tinha ganhado uma bola dente de leite! O que mais que eu iria querer na vida?

            Essa, apesar de hoje eu saber que não era uma situação fácil e que não foi um Natal feliz, mesmo assim, acaba sendo uma lembrança boa.

            Meu primeiro presente de Natal, esse a gente nunca esquece.

            Esses dias eu estava pensando em como a vida melhorou, apesar de não ter mais meu pai aqui entre nós.

            Ele poderia ter sido muito mais feliz e fazer da gente uma família muito mais feliz também, mas reconheço que alguns anos antes dele morrer, ele já havia resolvido ser pai de família de verdade e a situação melhorou muito.

            Há algum tempo eu assisti uma reportagem sobre garotos muito pobres que estavam pedindo ao papai Noel lhes trazer alguma coisa no Natal. Um carrinho, uma bolinha, uma roupinha, qualquer coisa.

            Os correios têm uma iniciativa muito bacana, aonde você pode ir até lá, ler alguma das cartinhas endereçadas ao papai Noel e se resolver, dar o presente para a criança.

            Eu sei que só vai o presentinho que a criança pediu. Não vai churrasco, nem leitoa assada, e talvez essa criança também nem saiba o que é panetone, mas eu me lembro da felicidade que fiquei quando o papai Noel me trouxe aquela bola dente de leite e posso falar que valeu a pena!

            Talvez, se a gente, que hoje pode, resolver ter uma atitude de presentear uma criança dessas, essa atitude possa ser daqui a 30, 40, 50 anos, uma lembrança boa na cabeça de algum adulto, que talvez não quebre a corrente, e continue fazendo alguma criança feliz por aí.

            O que acha?

 


segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Toda a verdade sobre o papai Noel



- Minha mãe falou que se eu for um bom menino, o papai Noel vai me trazer um presente no natal.
- Ah, mas a minha mãe tambem me fala isso todo ano e nunca que esse papai Noel vem...
- É que ele vem numa hora que a gente não está olhando. Sabe, eu acho que ele é meio mágico.
- Eu também já pensei nisso, na verdade, eu acho mesmo, é que ele vem de outro planeta com uma nave espacial vermelha,  com muitas  luzes que piscam sem parar e bastante brilho.
- Mas e o trenó? E as renas?
- É que a minha professora falou assim, que nos textos antigos as pessoas falavam umas coisas simples, para que as pessoas que não eram sabidas poderem entender. Se falassem de nave espacial na época dos nossos avós, eles nunca iriam entender.
- Ah... Não sei não! Você está fantasiando muito... O papai Noel mora no gelo e os anões trabalham pra ele. Durante o ano eles fazem os brinquedos pra gente.
- Então como os brinquedos vem com marca de fabricante? Só se o papai Noel tiver mesmo uma tecnologia extra-terrestre, que dá pra ele copiar todos os brinquedos, porque como ele iria comprar ou fabricar todos os brinquedos?
- Você não entende. Ele dá os presentes só para as crianças boazinhas! Aquelas que fazem bagunça, repetem de ano, brigam e respondem aos pais,  ele deixa sem  presentes... Aí  é o pai que vai ter que comprar esses presentes, e se passar por papai Noel, entendeu? Assim é que vem esses presentes com marca do fabricante, e também é por isso que ninguém vê o papai Noel.
- Ixxi... Será que nós não estamos sendo tão bonzinhos e por isso que não estamos vendo o papai Noel?
- Puxa é verdade... Eu não tinha pensado nisso. Essa teoria é melhor do que a do extra-terrestre.
- Hummmm, mas é melhor acreditar que o papai Noel é um extra-terrestre, do que não acreditar que ele não existe. Meu irmão bobão fala que ele não existe.
- Mas pense comigo. Seu irmão só faz bagunça e é mal educado, então pra justificar que ele nunca viu o papai Noel ele fala essa besteira de que o papai Noel não existe.
- Verdade! Então agora a gente descobriu toda a verdade! Papai Noel existe sim, a gente que as vezes não merece a visita dele.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Fazer bem feito


Eu gosto de cozinhar. Na verdade eu sou um mestre cuca. Faço coisas absurdas e deliciosas. Minha esposa fala que na vida toda ela não conheceu ninguém que cozinha tão bem. Eu como sou bobinho acredito no que ela fala e no que as pessoas falam quando eu os convido pra uma jantinha ou um almoço de domingo.
Aqui vão duas hipóteses: Ou as pessoas falam pra agradar porque afinal eu os convidei e os elogios deles são apenas o exercício da boa educação, ou realmente elas gostam. Eu acho que gostam, porque no final não sobra nada!
Tem algumas pessoas que não gostam de cozinhar. Elas falam que dá trabalho, que detestam picar o alho, que não gostam do cheiro da cebola, que detestam mexer com a carne crua por causa do sangue, que escolher arroz dá trabalho, que lavar louça dá trabalho e que no final o resultado não é tão bom assim. Eu já acho o contrário! Adoro picar alho, cebola, pimenta, coentro, salsinha, escolher arroz, refogar o feijão, fritar um bife e no final o resultado acaba sendo bom. Mas aí é que está o "x" da questão. Eu faço porque gosto e tudo que a gente faz com gosto fica legal.
Esses dias eu fui num velório e ficamos de madrugada esperando o corpo que vinha de outra cidade chegar. Enquanto o corpo não chegava ficamos conversando com o porteiro do velório que é um senhor que tem mais de 40 anos que trata de arrumar corpos para serem enterrados. Ele contou que acha normal mexer com os defuntos e que tem prazer em arrumá-los direitinho no caixão. Ele fala que é a última imagem que os familiares vão ter daquela pessoa e que então é obrigação dele deixar a pessoa bonita e assim deixar essa imagem menos chocante. Puxa vida! Se fosse eu não tocaria no defunto pra arrumá-lo de jeito nenhum e a imagem que os familiares teriam do morto seria a pior possível... Entendeu? Tudo que é feito com amor e carinho fica mais gostoso, fica mais bonito, fica melhor.
Minha esposa fica brava porque eu gosto de fazer pratos sofisticados para as pessoas comerem mas quando é pra me agradar a melhor comida que você pode fazer é arroz, feijão, salada de tomate, bife e ovo frito com a gema mole! Se possível uns três ovos! Se você fizer com amor então... Hummmmmmm viro freguês!

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Cheirinho de xibíu



Tem uns cachorros malandrões que estão rondando meu portão de novo e isso quer dizer que a Frida tá no cio mais uma vez.
Eu fiquei dando uma observada nos meliantes esses dias e notei uma coisa engraçada. Eles chegam até o portão, encostam o xibíu na grade, a Frida dá uma cheiradinha e depois encosta o dela, eles dão uma cheiradinha e pronto! Só falta eles falarem assim: - Puxa a quanto tempo não te vejo!
Outro dia uma veterinária na tv falou que esse ato dos cachorros cheirarem um o xibíu do outro quando se encontram é para eles se reconhecerem. Ela falou que o cachorro pode até esquecer da cara um do outro mas que do cheirinho do xibíu eles não esquece jamais! Podem passar anos, mas se der uma cheiradinha certamente vai reconhecer o colega, ou até o inimigo.
Eu achei engraçado, nojento e interessante esse negócio. Ainda bem que o nosso faro não é tão poderoso assim porque tem cada pessoa por aí muito mais fidido que a Frida. O bicho homem sem sombra de dúvida é o animal mais fidido desse nosso planetinha. Por acaso você já conversou com esse povo andarilho cachaceiro que anda pela rua sem tomar banho? Meu Deus do céu como são fididos!
E umas pessoas que tem "cc" e não usam desodorante de jeito nenhum e a gente fica com vergonha de falar que ela tá fididinha pra não chateá-la. Que terrível! Eu perdi uma amiga assim, mas pelo menos ela hoje não anuncia sua chegada a metros de distância.
Eu acho que se os cachorros cheirassem a homens eles iriam dar um outro jeito de se reconhecerem, talvez tirassem até RG ou CPF pra não ter que cheirar o xibiu um do outro, mas como eles são animais eles não fedem tanto assim.
Então meus amigos, como nós somos humanos, vamos tomar uns banhos a mais, passar um desodorantinho e um perfuminho porque isso não faz mal pra ninguém. Na verdade faz até bem... Para os outros!

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Limpem os túneis





            Todo dia era a mesma coisa!

            Eles nem se lembravam mais, qual foi o primeiro dia em que eles começaram a trabalhar naqueles tuneis. No começo o percurso era menor e os tuneis eram novos e fáceis de trafegar, mas com o passar do tempo o percurso só foi aumentando e os túneis cada vez mais foram ficando cheios de obstáculos.

            O serviço deles era de vital importância nesse sistema. Eles tinham que levar oxigênio para o controle central, e de lá, esse oxigênio era distribuído para todos os departamentos por esses túneis.

            O problema, é que com o passar dos anos, o gerente dessas instalações não tomou as devidas providências para manter os túneis limpos e fáceis de trafegar. Esse gerente deixou muito lixo se aglomerar nas paredes dos túneis, o que infectou e degradou todo o sistema com produtos tóxicos que estragaram quase todas as vias.

            Assim, os funcionários responsáveis pelo transporte de oxigênio estavam com muita dificuldade de executar o seu serviço, o que exigia que o comando central mandasse cada vez mais energia nos túneis, em uma tentativa muitas vezes inútil, de fazer com que o fluxo de oxigênio continuasse correspondendo as necessidades. O descaso com a malha de túneis era tanta, que o controle central não conseguia socorrer em todas as direções, e por isso, o processo e o sistema inteiro estava sofrendo, e poderia até, entrar em colapso.

            O setor responsável pela filtragem da água não filtrava direito e mandava impurezas para todos os lugares, o setor responsável pela renovação do oxigênio dos túneis não conseguia sugar e nem transferir esse ar para o sistema, o setor responsável pela inteligência do comando central e pela mecanização do todo, começava a falhar e tudo estava desencarrilhado, como engrenagens que não se encaixavam mais... Até que um dia; o sistema todo parou!

            — Vamos tentar mais uma vez — falou o médico na ambulância!

            — Carregando! — respondeu o enfermeiro com os olhos arregalados. — O senhor pode colocar os eletrodos no peito dele.

            — Pronto!

            — Então vamos. — falou o enfermeiro olhando para o médico. — Um, dois, três, lá vai!

            O corpo estrebuchou e o coração deu novamente sinais de vida.

            — De novo! — gritou o médico.

            — Um, dois, três... Lá vai!

            O corpo estrebuchou de novo e o médico começou a fazer massagem no peito do paciente e respiração boca a boca. Depois de mais de quinze minutos de luta, finalmente os socorristas conseguiram salvar o paciente.

            Ele foi internado na UTI e por lá ficou mais de uma semana. Quando saiu, o médico lhe passou um regime, um plano de exercícios e alguns remédios. O médico falou que seu corpo estava muito descuidado e debilitado e que se ele não se cuidasse fatalmente não teria muitos meses de vida.     — Ainda dá pra recuperar, — advertiu o médico — só depende de você!

            Assim as coisas foram melhorando para as células que eram os funcionários dos túneis. Agora eles poderiam levar oxigênio para todo o corpo e assim continuar a semear a vida. As placas de gordura foram sumindo das veias, as artérias foram se limpando, o sangue conseguia levar vida a todos os órgãos e por isso, o sistema conseguiu uma sobrevida melhor e com mais qualidade.

            O controle central parecia que estava mudado. Parecia que tinha entendido que as engrenagens necessitavam de cuidado constante... Os funcionários dos túneis agradeciam.

            A vida melhorou para todos




domingo, 4 de dezembro de 2011

Procura-se... o perdão



Rodrigo filho de Lucas estava desaparecido a três dias.Três penosos dias onde Lucas procurou por todos os lugares possíveis em que Rodrigo poderia estar. Procurou nos arrebaldes da escola, procurou nas praças vizinhas, procurou nas casas dos amigos, colocou no jornal, deu queixa de desaparecimento na polícia, falou na rádio e nada.
Durante essa busca um filme passava na cabeça de Lucas. Um filme sem diálogos onde ele via seu filhinho desde bebê, crescendo ficando menino, até agora adolescente. O curioso é que Lucas só via imagens do filho nesse seu filme. Ele não se lembrava de situações onde os dois estavam juntos. Ele não se lembrava de uma brincadeira entre os dois, de uma conversa de pai pra filho, de um abraço ou um beijo. Ele não se lembrava de nada disso.
No seu filme Lucas apenas se lembrava das vezes que deixou Rodrigo cêdo na escola e de vê-lo trancado no quarto à noite... Dos domingos Lucas não tinha lembrança de passeios, companheirismo, de amizade. Esse filme começou a lhe incomodar.
Finalmente apareceu a informação de que Rodrigo estaria na casa de um traficante. Lucas foi até lá buscar o filho. Quando Lucas entrou pela porta da "boca" pôde ver o seu menino deitado no chão, todo sujo, com a roupa mijada cheirando muito mal, com a camiseta dura de vômito e com os olhos em transe profundo.
- O que você quer aqui? - Perguntou o traficante.
- Vim buscar meu filho, aquele ali de camiseta amarela.
- Ele me deve 150 reais.
Lucas abriu a carteira, tirou os 150 reais, deu ao traficante que pegou colocou no bolso e falou: - Agora você vai até o seu filho e pergunta se ele quer ir com você, se ele acha que você é amigo dele, se ele é feliz lá na sua casa.
Essas palavras caíram como uma bomba na cabeça de Lucas que conseguiu claramente entender porque o filme que a três dias passava na sua cabeça não tinha diálogos entre ele e o filho.
- Meu filho - falou Lucas se aproximando de Rodrigo - eu não estou nervoso com você. Eu tenho consciência de que eu sou o maior errado entre nós. Eu nunca fui seu amigo porque achava que só trabalhando eu já estava fazendo minha parte e na verdade eu estava errado. Não vi você crescer, não vi você começar a ler, a andar, a namorar, não vi nada. Por favor, vem embora comigo pra casa que eu te prometo ser um pai de verdade de hoje em diante...
Rodrigo levantou os olhos marejados de lágrimas, pegou na mão que seu pai lhe estendia, se levantou e abraçados os dois foram pra casa.


sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Cliente chato


- O senhor já foi atendido?
- Ainda não.
- Então pode pedir.
- Eu quero um chá mate gelado batido com limão e mel.
- A gente não tem isso aqui.
- Vocês tem chá mate?
- Temos.
- Gelado?
- Temos.
- Tem limão?
- Temos.
- E mel?
- Temos também.
- Então é só pegar tudo colocar no liquidificador, bater e colocar num copo pra mim.
- Nós não fazemos isso.
- Porque não fazem isso?
- Ordens da gerência.
- Você sabe quem eu sou?
- Sei...
- Sabe? Quem eu sou?
- Um cliente como todos os outros.
- Quem é gerente aqui?
- O Nicolau.
- Eu posso falar com ele?
- Ele não gosta de ser incomodado e não vai adiantar muito porque ele não vai ceder. Aqui a gente só vende o que tem no cardápio.
- Eu queria falar com ele.
- Ele não gosta de ser incomodado e não adianta que aqui a gente só vende o que tem no cardápio. O seu Nicolau sempre fala que cliente pensa que tem razão mas na verdade quase nunca tem razão. Ele ensinou a gente assim então não vai adiantar o senhor falar com ele.
- Dê esse cartão a ele e diga que eu estou aqui fóra e veja se ele pode me atender.
- Tá bom vai - falou a garçonete fazendo cara feia - vou levar pra ele.
Entrando pela porta fazendo barulho e pisando duro a garçonete parou em frente ao seu Nicolau e foi lógo falando: - Tem um cliente chato aí fóra que quer um chá mate batido com limão e mel e eu já falei pra ele que não adianta que a gente só vende o que tem no cardápio, ele não desiste e está insistindo a meia hora e agora quer falar com o senhor, mas eu já falei que não vai adiantar porque o senhor não dá moleza pra cliente chato então ele me deu esse cartão e falou se o senhor pode falar com ele.
Nicolau pegou o cartão, e arregalou os olhos começando a tremer.
- O que foi seu Nicolau parece que viu fantasma? - Perguntou a garçonete.
- É que esse aqui é o dono da franquia...