terça-feira, 16 de setembro de 2025

O garimpeiro do tempo


Hoje encontrei uma abotoadura que meu pai me deu.
Ele a usou quando se casou com minha mãe.
Uma abotoadura banhada em ouro, com um enfeite de marfim.
Um dia esse ouro foi encontrado na barranca de um rio.
Estava em estado bruto.
O garimpeiro o separou da areia e colocou em um saquinho que guardava em seu bolso.
Ele não mostrava para os outros garimpeiros, porque poderia morrer na próxima curva do rio, e seu corpo nunca mais seria encontrado.
Mais fácil encontrar mais ouro.
Na mineradora, os trabalhadores retiraram uma rocha enorme de minério de ferro.
Esse minério de ferro foi vendido para uma siderúrgica.
A siderúrgica beneficiou esse minério e fabricou lingotes de ferro.
Vários metalúrgicos trabalharam nesse beneficiamento. 
Alguns morreram no trabalho. 
Mexer com forja, calor excessivo, ferro líquido, é muito perigoso...
Os lingotes de ferro foram vendidos para várias empresas.
Um caçador na África matou um elefante e arrancou o marfim.
O contrabandista de marfim vendeu uma carga escondida no meio de toras de madeira, passando pelo Congo até chegar em Moçambique.
De Moçambique esse marfim chegou até a China e também à Europa.
Na Europa — artistas — trabalharam esse marfim e venderam para empresas de joias.
Uma fábrica de abotoaduras comprou lingotes de ferro, ouro e marfim.
Um artesão fez a abotoadura de forma quase manual e artesanal.
O ourives banhou com ouro.
O designer, que na época não devia ter esse nome, colocou um enfeite de marfim e deu o acabamento.
Esse fabricante vendeu as abotoaduras para várias distribuidoras.
Uma dessas distribuidoras vendeu para uma joalheria.
Meu pai comprou.
Isso tem mais ou menos 60 anos.
Hoje eu peguei a abotoadura na mão...
Que fim levou o garimpeiro?
A mineradora ainda existe?
Elefantes? Até quando existirão?
A joalheria? Existe?
Quem era o joalheiro?
Quem era o vendedor da joalheria?
O ourives, o artesão, o designer...
Meu pai? Será que seu espírito está onde?
Hoje eu encontrei uma abotoadura que um dia, meu pai me deu.
Ou será que foi minha mãe?
— Guarde bem guardado! Você pode usar quando se casar. É uma homenagem ao seu pai.
Usei mesmo...
Hoje, então, eu encontrei uma abotoadura que era do meu pai, mas que ganhei da minha mãe.
E sabe... 
Um dia, todos nós seremos como o garimpeiro.



23 comentários:

  1. Nossa André, aqui se buscou a origem de tudo e eu fiquei assustada como as coisas são confeccionadas, beneficiadas à custa até de muito sofrimento alheio e quiçá a morte ( do garimpeiro e do elefante). E isso há mais de 60 anos quando seu pai comprou a peça...Até uma abotoadura chegar às mãos de seu pai, as peças de composição do mesmo percorreram o mundo...Eu até então, nunca tinha refletido sobre isso....
    É uma reflexão muito poderosa amigo, sinceramente você tem umas ideias que não compreendo como angaria, simplesmente matuta aí na sua fértil cabeça e elabora um texto supimpa! Parabéns!!!

    Antes eu imaginava como os produtos provenientes da China aqui chegavam à custa de um labor praticamente escravo, pois os trabalhadores chineses ficavam nas fábricas em uma jornada extenuante para ganhar um salário baixíssimo. Atualmente creio que isso tenha mudado, pois a China tornou-se uma grande potência mundial e o que chega aqui no Brasil agora são carros chineses extremamente tecnológicos... E como será que as fábricas de automóveis da China tratam seus colaboradores atualmente? Agora fiquei sem saber....Será que são os robôs que assumiram o trabalho pesado?
    Mas a culpa é sua que com o seu texto me faz viajar para muito longe...rsrs
    Maravilhosa semana amigo!!

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    1. Bom dia Dri!!!
      Essas ideias malucas, quem é normalzinho, não entende mesmo.
      Kkkkkkkkkkkkkk.
      Que bom que gostou, minha amiga.
      E é mesmo... A gente nunca pensa na origem das coisas. Só queremos comprar e desfrutar.

      Um abração!
      Fica com Deus.

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  2. Podemos ser o início de um longo processo que um dia, acabará resultando em uma abotoadura.
    Que fim levará a abotoadura?

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    1. Se tudo correr bem, o Samuel vai se casas usando elas.
      Quem sabe né? Talvez meu neto também... Se até meu neto tiver na idade, ainda existir casamento.
      Se forem netas... Aí ficará no museu.

      Um abraço Dudualdo.

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    2. como assim se no tempo do seu neto ainda existir casamento? Casamento já não existe há tempos.....

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    3. Tua história é porreta (como dizem os baianos) mas é muita frescura usar abotoadura...nunca as usei e nunca as usarei. Paletó e gravata só usei obrigado e quando fui padrinho de casamento.

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    4. Kkkkkkkkkkk.
      Abotoadura é legal sim, seu chato!
      Kkkkkkkkkkk.

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  3. Bah,que lindo achado cheio de boas memórias e tanto a contar se pudesse falar... Saber de toda história, de tudo ,de todos. Instigante pensar! Adorei! abraçao praiano, chica

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    1. Oi Chica!!
      É de se pensar, né?
      Como são e de onde vem as coisas.

      Tenha um lindo dia!

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  4. Pessoas se colocam em risco no garimpo, elefantes são assassinados, o plano de Deus traz prosperidade na vida de um ser humano por meio de uma joia, à custa de tantos outros... Só refletindo, amigo. Nada demais. Não leve muito a sério o que escrevo.

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    1. Mas é pra pensar mesmo Fabiano!
      Você também é daqueles pensadores malucos, como eu sou.

      Um abraço!!

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  5. Olá, André!
    Adorei o texto. Só aplausos.
    Muitas vezes ao longo da minha vida e diante de muitas situações também fiz e continuo fazendo reflexões desse tipo. Fico pensando, pensando e sempre me dá um nó no cérebro, porque daí surgem outras dúvidas e uma dúvida puxa outra. E começo a pensar nas filosofanças... bom aí, meu amigo, é uma loucura.

    Obrigada por compartilhar uma memória de forma assim, tão poderosa. (Ah, lembrei de uma coisa: também tenho um par de abotoaduras de ouro que ganhei do meu avô. E tenho uma abotoadura especial para fechar o colarinho. Acho que vou presentear meu neto).
    Abraço, Marli

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    1. Olá Marli!
      Que legal!
      Já pensou seu netop casando com a abotoadura de seu avô!!!!
      Iria ser muito bacana.

      Um abraço!!

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  6. Boa noite de paz, amigo André!
    Eu não tenho abotoaduras do meu pai, entretanto guardo, com muito carinho, uma carta dele, pois sua letra era incomparável... (não havia computador. se treinava a letra).
    Há lembranças que ultrapassam valores materiais...
    Gostei da sua memória.
    Tenha dias abençoados!
    Abraços fraternos

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    1. Olá Rosélia!!
      Tenha um lindo dia, minha amiga.

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  7. Gostei.
    Mas devo concordar com o Eduardo. Abotoaduras...huumm...sei não.

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  8. Cheguei!
    André,

    que beleza de escrita! Você transformou uma simples abotoadura em um universo inteiro de histórias, dores e vidas entrelaçadas. O objeto deixa de ser apenas lembrança de família e ganha a dimensão do mundo: o garimpeiro, o metalúrgico, o artesão, o elefante, o orives… todos cabem nesse pequeno detalhe que carrega a memória do seu pai. Há em seu texto uma delicadeza que emociona porque, no fundo, não falamos só de uma joia, mas daquilo que fica de cada um de nós: rastros, perguntas e afetos que atravessam o tempo.

    Abraço!
    Fernanda!🤗

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    1. Oi Fernanda!
      Que legal que você interpretou bem o texto.
      Na verdade, a abotoadura é só um pretexto para falar de tantas outras coisas, com muitas camadas.

      Um abração minha amiga!!!

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  9. Bom dia Andre. Eu gosto desse tipo de historia, mostra o tanto somos conectados mesmo sem nos darmos conta.

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    1. Bom dia!
      Verdade.
      Outro dia estava pensando: Esse ar que respiro nesse momento, um dia pode ter sido expelido por Nero, Buda, Jesus, Hitler...
      Olha que maluco isso!!!
      Um abraço!

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  10. Andre,
    Ótimo ler aqui nesse fim de sábado.
    E realmente é uma historia pra refletirmos
    sobre: as coisas e o tempo.
    Quanto a abotoadura, para tudo há
    tempo e lugar, não é mesmo?
    Quando olhamos pra tras, tanto coisa
    ficou por lá... Mas as histórias,
    essa ficam e vamos passando
    adiante, as nossas e as que lemos aqui
    e ali.
    Bjins de um bom fim de semana
    pra você e os seus.
    CatiahôAlc.

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    1. Olá Catia!!!
      É minha amiga.
      Os dias passam e as histórias ficam.
      Tenha uma linda semana.

      Um abração!!!!

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