Gente tá meio grandinho, mas vale a pena ler!
Cláudio
acordou de um sono pesado, seu corpo inteiro doía, sua vista estava
embaralhada, e seus sentidos pareciam estar desregulados.
Quando
começou a recobrar a consciência ele firmou as vistas e observou ressabiado o
lugar onde estava. À princípio ele julgou estar numa igreja. Notou que as janelas
eram muito grandes, com vitrais coloridos. Cada uma delas era ladeada por colunas
no estilo grego que pareciam segurar um teto muito, muito alto, tão alto que
não dava para enxergar.
Cláudio
coçou a cabeça sem entender o que estava acontecendo, quando ouviu uma voz, que
vinha de uma pessoa, que parecia estar sentada em um trono, ou uma cadeira
estilo Luiz XV talvez.
-
Venha até aqui Cláudio.
“Esse
cara me conhece? – pensou.”
-
Conheço sim, eu sei tudo sobre você e sobre sua vida.
“Ele
pode ouvir meus...”
-
Pensamentos? – falou o homem precipitando-se em responder. – Posso! Até antes
de você pensar!
Cláudio
ficou de pé, e em passos lentos e cautelosos, se aproximou do homem. Quando
chegou perto, suas vistas melhoraram e seus sentidos entraram nos eixos, por
isso, ele pode ver, um homem que se parecia muito com o Jesus que ele sempre
imaginava em pensamento, toda vez que orava.
-
Je... Jesus?
-
Sim, - respondeu um outro homem, que estava em pé, ao lado de Jesus, vestindo terno
preto, camisa vermelha, com olhos esbugalhados, sorriso maroto e cavanhaque
ruivo, - ele é Jesus e eu sou, como você costuma se referir a mim, o Capeta!
-
Capeta! – falou Cláudio assustado, m... Mas o que vocês estão fazendo aqui
juntos?
-
Nós estamos aqui para julgar você! – respondeu o diabo. – Bem, - retificou –
Ele vai te julgar, eu só vou apresentar seu histórico.
-
Mas você? Apresentar meu histórico? Como assim? Você é o pai da mentira!
-
Sim, - falou Jesus entrando na conversa – ele é o pai da mentira, mas também é
o acusador! E mesmo eu te conhecendo, eu tenho que ouvir as acusações que pesam
sobre você!
Cláudio
fez cara de poucos amigos, mas em respeito ao que Jesus havia dito, franziu a
testa e olhando para o diabo, esperou para ver o que ele tinha para apresentar
de acusação.
-
Eu tenho apenas uma acusação!
Cláudio
sorriu e pensou: “Só uma acusação? Então está melhor do que eu imaginei.” –
depois lembrando-se de que Jesus podia ouvir seus pensamentos, disfarçou e
abaixou os olhos com vergonha, e pensou forçadamente: “Desculpe aí, Jesus...”
Minha
acusação é simples – disse o diabo - eu não consegui encontrar uma pessoa, na
Terra inteira, que você realmente amasse de verdade.
-
Como? Você está louco Capeta! E meu filho?
-
Seu menino ouviu a vida inteira que ele não te dava prazer porque ele não gostava
de futebol.
-
Uai! Futebol é coisa de pai pra filho!
-
Mas ele não gostava e você não aceitava isso! Outra coisa, você achava estranho
que com 18 anos ele ainda não tenha nenhuma namorada. Você implicava que ele
ficava trancado no quarto lendo, você implicava que ele não cuidava do
cachorro!
-
Mas um homem tem que namorar! – respondeu Cláudio encolhendo os ombros. - Ficar
trancado no quarto não é bom, porque pode dar depressão, e cuidar do cachorro é
o mínimo que ele poderia fazer...
-
Você implicava com o cabelo, com as roupas e com as músicas que ele gostava!
-
Cabelo grande não é coisa de homem, roupa preta, camisa preta, calça preta é
coisa sua! Olha aí a sua roupa! – disse Cláudio olhando para Jesus e apontando
para o diabo. – E rock, a gente sabe que também é coisa sua!
O
diabo então, sorriu, e olhando para Jesus, que acompanhava a tudo apenas
observando falou:
-
Não disse para o senhor? Ele não ama ninguém!
-
Como não? – falou Cláudio ficando nervoso. – E a minha mulher? Vai falar que eu
também não amava ela?
-
Você implicava quando ela cozinhava escutando música, quando ela passava
desinfetante com cheiro de lavanda na casa, quando ela dormia só de calcinha e
quando ela colocava pimenta do reino na comida.
-
Mas é lógico, - respondeu Cláudio abrindo os braços – vamos por partes:
Cozinhar escutando som tira a concentração do serviço.
-
Mas ela gostava.
-
Desinfetante com cheiro de lavanda é terrível.
-
Mas ela gostava.
-
Dormir de calcinha não é legal, porque, porque, porque não é...
-
Mas ela gostava.
-
Pimenta do reino faz mal para os rins.
-
Mas ela gostava!
-
Mas eu não gostava e por isso explicava pra ela.
-
Ah... Explicava mesmo, - disse o diabo com cara de dó – explicava sim... Da
mesma forma que você não deixava ela trabalhar e não dava dinheiro pra ela
comprar as roupas que queria, não dava dinheiro pra ela ir na academia, não
dava dinheiro pra ela ir no salão de cabeleireiro... Né?
-
Pra quê? Eu amava ela do jeito que ela era. Pra quê roupa nova todo mês?
-
Toda década você quer dizer?
-
Olha ele falando mentira! – disse Claudio voltando-se para Jesus, que não
aguentou e começou a sorrir.
-
Cláudio, - disse o Capeta se aproximando – eu quero a sua alma, porque você na
verdade nunca amou ninguém no mundo! Você amava as pessoas do jeito que você
queria que as pessoas fossem.
-
Hã? Como assim?
-
Você queria que seu filho fosse diferente, você nunca se interessou em saber o
que ele achava disso. Você nunca tentou escutar as letras dos rocks que ele
escutava, que para o seu governo eram em sua maioria música gospel. Você nunca perguntou
porque ele não tinha namorada, você não percebeu que ele era muito tímido e
inseguro, você nunca deu apoio pra ele, muito pelo contrário, você queria mudar
ele, para que ele fosse do jeito que você queria que ele fosse!
-
Mas, Jesus... – disse Cláudio em tom de súplica.
-
Espere ele terminar, depois você fala.
-
Obrigado Jesus, - falou o diabo continuando: - Você não amava a sua mulher do
jeito que ela é, você queria que ela se enquadrasse na forma que você queria
que ela fosse! Você não se perguntava se ela ficaria feliz com outro corte de
cabelo, se ela ficaria feliz em escutar música enquanto cozinhava, se ela
ficaria feliz em compra roupas novas de vez em quando, se ela ficaria feliz se
você a respeitasse como ser humano, que tem vontades, desejos e direitos! Você
não amava ela, você amava o protótipo de mulher que você imaginou na sua
cabeça!
-
Mas Jesus... – disse novamente olhando para o filho do Pai.
-
Cláudio, eu acho que a coisa está pesando contra você...
-
Mas Jesus, eu amo o senhor e te aceitei como meu único e suficiente salvador,
por isso eu sou um salvo e não vou para o inferno!
-
Mentira! –disse o Capeta. – Você aceitou o Jesus que você instituiu aí dentro
da sua cabeça, que é um Jesus que tem que mandar sua sogra pro inferno, que tem
que jogar um raio na cabeça de cada traficante, que tem que mandar um tsunami
em todos os países muçulmanos, que tem que justificar as suas chatices com as
pessoas, que tem que justificar as suas verdades e seu jeito sistemático, que
tem que mandar um infarto no seu vizinho, que não pode salvar nenhum católico,
nenhum espírita, nenhum índio, porque na sua opinião isto estaria fora da
Bíblia, e você nunca aceitaria ver essas pessoas no céu! Você quer um Jesus que
mande pro inferno quem gosta de rock, quem gosta de pagode, quem bebe meia
cerveja, quem usa biquíni fio dental na praia, quem acende incenso mesmo que
não seja por religião, enfim, você quer enquadrar até Jesus dentro dos seus
padrões! Então meu amigo, você não aceitou Jesus coisa nenhuma...
Nesse
momento, Jesus se levantou, e com olhar triste se dirigiu até Cláudio, enquanto
uma voz dizia insistentemente: - Cláudio... Cláudio, Cláudio... Acorda Cláudio!
Ele
acordou com um chacoalhão de sua esposa.
-
Acorda Cláudio, você não ouviu o despertador? Você está atrasado para o
serviço.
-
Hã? Ser... Serviço? – falou sorrindo!
-
É serviço! Está ficando bobo?
Cláudio
respirou fundo, e pensou: “Ufa! Era só um sonho.”
Naquela
manhã, Claudio deu o cartão de crédito para sua esposa, pediu pra ela gastar
com ela, disse pra ela comprar umas roupas novas, disse pra ela entrar na
academia e colocar o tempero que quiser na comida. Antes de sair pra trabalhar,
foi até o quarto de seu filho, deu um beijo e um abraço nele, e pediu:
-
Filho, me empresta aquele pen drive com aquelas músicas que você estava
escutando ontem?
-
Porque? O senhor vai jogar fora?
-
Nunca filho, é um gosto seu e eu resolvi te respeitar e te amar do jeito que
você é!
Cláudio
fez a pazes com sua esposa, seu filho, disse o quanto os amava e saiu para o
trabalho. Antes de sair, colocou o pen drive do menino no rádio do carro, e
fazendo uma careta com os primeiros acordes da guitarra, pensou: “Eu amo esse
menino de gosto ruim pra música, mas eu o amo, mesmo assim...”
Que legal! Um sonho angustiante,mas revelador e que fez com que ele ACORDASSE!! Tentasse ser melhor! Gostei! abração,chica
ResponderExcluirMuito bom este seu conto sonho. Me fez lembrar a peça de teatro A Primeira Morte de Florbela Espanca, de António Cândido Franco em que ela está a ser julgada por Nossa Senhora e Satanás.
ResponderExcluirUm abraço
Esse fenômenos oníricos são verdadeiros! Quantas vezes nos corrigimos através de sonhos. Está maravilhoso o conto, Mansim! Parabéns! O amigo tem talento para a literatura - és do ramo! Tudo de bom! Laerte.
ResponderExcluirFalar a verdade Andre : Ri muito de seu conto. Não vou me atentar aos detalhes porque eu poderia causar um bocado de polêmicas hahaha ....sobre a calcinha ....deixa pra lá : abraço do tio que te ama.
ResponderExcluirBacana!!!
ResponderExcluirIsso se chama respeito e valorização do outro.
Abraços, André.
Great posy.
ResponderExcluirRegards.
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André: sempre surpreendente!!!Abraços carinhosos meus.
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