Por mais que o forrasse com jornal e papelão para improvisar um colchão, sua lombar estava em frangalhos.
Seus dois cachorros, acostumados a dormir ao seu lado, estavam de guarda nos seus pés, esperando que ele acordasse.
O sol nascia e os primeiros raios ajudavam a esquentar seu corpo franzinho e debilitado.
"Puxa vida... Como é frio de manhazinha." — pensou se sentando e esfregando os olhos com as costas das mãos.
Depois de espreguiçar, dobrou seus trapos que servem de cobertor e colocou dentro da carrocinha que usa para catar latinhas e plásticos recicláveis pela cidade.
"Vou guardar esses jornais aqui também, porque eles quebram um galhão à noite."
Seus dois companheiros desceram do banco e ficaram em sua frente balançando o rabo à espera de um afago. Esse era o melhor bom dia que ele poderia ter.
Depois do bom dia canino, ele sorriu, e foi até a fonte da praça lavar seu rosto e as mãos, para depois voltar ao banco e abrir seu saco de pão com mortadela, que cuidadosamente havia guardado debaixo de seu travesseiro, para que no outro dia cedo servisse de café da manhã.
— Pitoco, Juquinha, venham aqui! — falou ele chamando seus dois amigos. — Olha, hoje só tem esses dois pão aqui, então eu vou dividir um entre vocês dois que são pequenos, e vou comer um inteiro. Vocês sabem que eu tô numa tosse dos inferno e tenho que comer um pouco mais senão não eu num guênto!
Os dois cachorros pararam em sua frente novamente e ficaram esperando o café da manhã.
Ele dividiu um dos pães com os dois e começou a comer o outro. Dalí a pouco ele separou mais um pedaço agora de seu pão e falou novamente:
— Toma vai... Seus dois gulosos, ficam aí me olhando com essa cara de pidão...
Depois do pão, ele pegou um resto de guaraná que estava no fundo de uma latinha, colocou na boca, fez uns gargarejos e engoliu. Depois ajeitou sua roupa, passou seu pente banguela no cabelo, e colocou seu boné de propaganda eleitoral da eleição passada.
Em seguida saíram os três, andando juntos pelas ruas da cidade.
Ele tinha que procurar nas latas de lixo do calçadão, pra ver se coletava alguma coisa que lhes garantisse o almoço.
Para ele era assim, a noite era seu quarto, o dia era seu escritório, as latas de lixo eram seu estoque de mercadorias e seu mercado.
Ele tinha que ganhar o próximo pão. Sua vida era para ser vivida, para ele e para os seus amigos, que alegres, o seguiam pela cidade, sem protestar em viver daquela forma. Porque eles eram amigos... Amigos sinceros. Amigos de rua, e por toda a vida.
Que lindo e tocante texto! É mesmo linda a amizade que se forma desses homens com seus cachorrinhos e dá gosto de ver que todos são bem tratados e nada falta . Arrumam cobertores para todos, comiuda...Um exemplo! E assim seguem os amigos de rua...
ResponderExcluirADOREI! abraços, chica
Olá Chica!
ExcluirQue legal que gostou!!!
Obrigado pela visita!
Beautiful blog
ResponderExcluirObrigado!
ExcluirTocante, por ser real.
ResponderExcluir:(
Obrigado, Pity!
ExcluirBoa tarde de paz, amigo André!
ResponderExcluirMuito verdadeira a 'cena'.
Todos os dias nos deparamos com tal realidade dos amigos de verdade, os catadores e seus cães.
Você descreve uma realidade social com perfeição.
Se ele conseguir vencer a tosse... vai continuar a fazer tudo de novo a cada dia.
Dura, cruel vida de quem não tem uma dignidade, mas não desiste.
ExcluirTenha dias abençoados!
Abraços fraternos
Infelizmente é assim mesmo Rosélia.
Excluirescrevi esse conto em 2014 e nada mudou.
Um abraço!
Rapaz, eu já li um conto parecido com este por aqui! Era de um morador de rua mas esse pelo que me lembro, só tinha um amigo canino. Ou estou fazendo confusão? Ah, sei lá. Viver na rua é assim, é preciso manha nas manhãs...e nas noites! Os amigos sempre ajudam a espantar a solidão no meio da multidão.
ResponderExcluirLembrei que aqui toda manhã eu dou um pão francês para meus dois cachorros que adoram pão! Acho que foram padeiros na última encarnação.
Dudualdo.
ExcluirNo meu livro tem esse personagem, que acabou virando o Zé do trapo.
Esse conto é de 2014.
É uma repostagem.
Um abraço!
Poderia dizer que e real. Pois vemos isso todos os dias. Ótimo texto!
ResponderExcluirOlá Rosangela.
ExcluirO pior, é que parece que fazem parte da paisagem...
Ninguém liga mais.
Um abraço!
Tenha um ótimo fim de semana.
Bom Dia André!
ResponderExcluirSeu texto é profundamente tocante. Ele mostra não só a dureza da vida nas ruas, mas também a capacidade de quem vive essa realidade de criar pequenos rituais de cuidado, afeto e sobrevivência. A relação dele com os cachorros, a organização do dia, o zelo com o pão e até com os jornais que viram colchão revelam um código de aprendizado muito próprio: quem vive na rua aprende a valorizar o essencial, a partilhar, a criar segurança e rotina mesmo diante da escassez.
Há uma sabedoria silenciosa nesse cotidiano, um respeito pelas regras da vida urbana, uma ética de amizade e cuidado que muitas vezes não se encontra em ambientes mais “protegidos”. Seu texto nos lembra que, apesar das dificuldades, existe dignidade e aprendizado na forma como ele organiza seu mundo, e que esses pequenos gestos de atenção, amor e disciplina têm valor imenso.
Fernanda
Olá Fernanda.
ExcluirEssas pessoas de rua tem mesmo as suas formas de driblar as dificuldades.
É uma sabedoria em meio ao caos.
Um abração!
Uma historinha que a gente vivencia quase sempre por onde anda . aquele menino sujo com um ou dois cachorros por perto. Outro dia vi dois já grandinhos dormindo rodeados dos seus cães. Não resisti a cena da manhã nublada e fotografei ... estavam bonitinhos num sono tranquilo como se estivessem num acolchoado com mantas perfumadas. Assim é ! os amigos se entendem e são companheiros na dureza e no pãozinho de cada dia. A gente tira algumas lições de vida quando presencia cenas assim . São felizes e a gente nem imagina porque , não é ?
ResponderExcluirGosto das suas crônicas, André. Bom domingo, boa semana.
Lis! Tudo bem?
ExcluirOs fotografos enxergam poesia nas coisas.
Você entende disso, minha amiga.
Obrigado pela visita, sempre tão querida.
Um abração!
Hola Andre. Come va? Felice di conoscerti e seguirti.
ResponderExcluirOlá, André, meu Deus, muito comovente teu texto,
ResponderExcluirestá igualzinho o que vejo todos os dias, os cachorrinhos em cima da carrocinha, os bravos e sofridos amigos.
Sempre dou alguma coisa, não há coração que aguente.
Que mundo cão, André, sempre me pergunto por que esses governos não constroem pavilhões grandes para dar sustentação a essa gente de rua? Dinheiro tem, ah se tem!!! É que há outras "prioridades", né amigo?
Isso vemos todos os dias em todos os lugares, eta país...dá uma revolta.
"Amigos de rua", texto impecável, amigo, como sempre.
Uma ótima semana,
Um abracito gaúcho! 🙋♀️😅