O blog tem recebido visitas de pessoas de Portugal e de países vizinhos aqui da América Latina, então acho que devo fazer uma explicação, sobre quem é esse Antônio que aparece no conto.
Antônio Conselheiro, foi uma espécie de profeta, líder político e religioso do sertão, que peregrinou pelo interior da Bahia e de Sergipe durante duas décadas.
Ele achava que era possível fazer uma terra onde todos vivessem sem governo, (apesar de que todos faziam o que ele mandava), vivendo de suas lavouras, e fazendo trocas nas cidades vizinhas. Com essa visão quase utópica ele fundou em 1893 uma pequena comunidade chamada Belo Monte, no antigo povoado de Canudos; e logo as pessoas começaram a se juntar e seguir as ideias dele, fazendo de Canudos uma pequena cidade.
O principal problema é que eles se diziam independentes da república, que tinha como presidente, Prudente de Moraes.
Isso causou um problema, pois se essa ideia se propagasse, regiões do país poderiam também querer independência, por isso o presidente deu ordens de acabar com Canudos.
Nessa época as notícias não se espalhavam como hoje, por isso, algumas pessoas nem sabiam quem era o presidente, outras queriam a volta da monarquia, insuflados pelos portugueses que aqui residiam, e muitos revoltosos queriam ser uma república à parte do Brasil.
O exército travou várias batalhas com as pessoas de Canudos, que resistiu bravamente durante dois anos, mas no final, em 1897 acabou sucumbindo.
O conto, trás de forma lúdica, a junção de um personagem real e histórico, e outro personagem que amamos; mas que para muitos, (não para nós crianças), não existe.
O pão de Antônio
Noel virou a esquina errada quando estava chegando à Londres, e quando caiu em si, estava viajando com seu trenó no meio do oceano.
— Que estranho, — pensou — onde está a terra firme? Eu não me lembro que da Lapônia até Londres tinha esse pedaço tão grande de mar...
Mesmo achando que estava no caminho errado, Noel continuou em frente confiando no instinto de suas renas, que continuavam a cavalgada como se soubessem o caminho.
Depois de algumas horas ele avistou algumas luzes no meio do nada, parecia um vilarejo. Mas o velho ficou surpreso quando percebeu que o vilarejo era muito precário.
— Com certeza não estamos na Inglaterra. — disse para si mesmo em voz alta.
Tudo estava muito escuro. Alguns lampiões colocados em locais estratégicos iluminavam pedaços da noite em meio as vielas enlameadas devido a alguns dias de chuva intensa.
Os casebres ficavam espalhados pela vila sem nenhuma ordem que desse para entender, a não ser o fato de que rodeavam a igreja que ficava numa espécie de praça central.
Sobrevoando o local, o velhinho percebeu que as pessoas estavam reunidas num galpão que ficava ao lado da igreja.
Ele, curioso e sem entender muita coisa, escondeu seu trenó atrás de uma árvore, disse para as renas não fazerem barulho e foi com cuidado dar uma espiada.
Pé ante pé, Noel chegou até a janela do barracão e começou a espiar. Ele viu que um homem mais velho, que segurava um cajado e estava vestido com túnica branca, falava para pessoas que atentamente o escutavam sem ao menos piscar.
Noel achou essa cena interessante, pensativo, lembrou-se que não tinha visto nada ao redor daquele vilarejo, e notou que mesmo naquela aparente pobreza, aquelas pessoas respeitavam e admiravam aquele homem. Quase divagando em suas memórias, Noel se lembrou de outro homem, que pregava e batizava às margens do rio Jordão, e que pessoas humildes o seguiam sem pestanejar. Não foi difícil fazer a ligação entre os dois, porque esse homem dentro do barracão falava com tanta autoridade, que até parecia ser um profeta para aquelas pessoas.
Entretido na sua observação e nas velhas lembranças, Noel escutou um "click" atrás de si e lentamente virou-se, dando de cara com os dois canos de uma carabina apontados no meio da sua testa.
— Quem é vósmecê?
— Eu sou o Noel. Também conhecido como papai Noel. — falou arregalando os olhos.
— Pai de quem?
— Noel... Você nunca ouviu falar de mim?
— Vosmecê é português?
— Hã...? Português? Não, eu sou da Lapônia.
— Mas o sinhô fala português. — retrucou o homem aumentando a vós.
— É... — respondeu Noel levantando os braços. — Isso se deve a magia natalina.
— Então ocê é um bruxo?
— Não... — defendeu-se Noel tentando consertar o mal entendido. — A magia do Natal não sou eu quem faço. Ela existe porque hoje o mundo inteiro se une para adorar o nascimento do cordeiro.
— É melhor vosmecê pará de falá, porque essas suas conversas estão muito estranhas. Eu vô levá ocê pra conversá com o mestre Antônio Conselheiro.
O homem, apontando a carabina para Noel, fez um sinal para que ele andasse e entrasse no barracão.
Lá na frente, em cima de uma espécie de púlpito feito com tábuas, o velho com o cajado na mão franziu o cenho e seu susto fez com que as pessoas que estavam sentadas em silêncio se voltassem para a entrada do barracão. Todos estranharam ao ver aquela figura estranha. Alguns se colocaram de pé, outros fizeram o sinal da cruz, e outros esperaram para ver o que o mestre Antônio Conselheiro iria fazer.
— Mestre! — falou o sentinela. — Esse sujeito aqui tava espiano ali da janela. Eu perguntei quem ele era, e ele falô que era o pai dum tal de Noel.
— Não meu filho, — interrompeu o bom velhinho — eu sou o papai Noel!
As pessoas sem entender nada, olhavam e cochichavam umas com as outras, procurando em Antônio Conselheiro uma solução para essa situação. O mestre, por sua vez, levantou o cajado e pediu calma para as pessoas, que obedecendo seu profeta, se sentaram e ficaram quietas apenas observando.
Depois, virando-se para Noel o velho Antônio falou:
— O senhor é português?
— Não!
— Então faz parte da nova república? Veio em nome do Prudente de Moaraes?
— República? Prudente de Moraes? — exclamou Noel em tom de pergunta, porque não estava entendendo nada.
— Senhor, — continuou Conselheiro ainda demonstrando calma — não te faças de desentendido. Prudente de Moraes é o presidente, que se acha o dono dessa terra chamada Brasil.
— Olha meu filho, hohohohoho, eu sou o papai Noel, eu venho das terras gélidas do norte europeu e vim trazer paz e alegria junto com o espírito natalino.
— O que é espírito natalino? — perguntou Antonio Conselheiro olhando Noel de cima abaixo.
— É o espírito de paz, alegria, felicidade, amor! Eu faço isso a muitos anos lá na minha terra, e parece que meu chefe mexeu uns pauzinhos para eu começar a fazer isso aqui nessas novas terras também.
— Seu chefe é o rei de Portugal? O senhor é português?
— Hohohohoho! — gargalhou papai Noel — Não, eu sigo apenas as ordens de Deus! Eu represento a união dos povos em torno do nascimento de Jesus!
— O senhor é chegado a uma falácia hein senhor Noel? — disse Antônio Conselheiro coçando a barba. — Onde já se viu dizer que trabalha diretamente com Deus... O senhor é português e trabalha para o rei de Portugal e está aqui pra confundir meu povo, querendo que o povo se volte contra a república e volte a querer a monarquia! Mas nós estamos acima de tudo isso! O senhor tem dez minutos pra se retirar da vila de Canudos e se voltar aqui mais uma vez, não vai sair com vida. E por favor não seja ridículo com essa roupa vermelha e esse chapeuzinho horroroso! — e virando-se para o sentinela que estava com a carabina, Antônio Conselheiro falou. — Chico! Leve esse senhor daqui.
O sentinela levou Noel até onde o trenó estava amarrado. Papai Noel subiu no trenó e levantou vôo sumindo entre as estrelas; mas o que foi engraçado, é que Chico, quando o perguntaram, não se lembrava disso e nem sabe como Noel foi embora.
Na manhã seguinte era dia de Natal e uma coisa estranha aconteceu em Belo Monte. Todas as crianças acordaram com roupas e sapatos novos. Alguns vestiram sapatos pela primeira vez na vida. Ninguém sabe de onde os presentes vieram. Nas mesas dos casebres apareceu uma espécie de pão engraçado e muito gostoso; cheio de umas frutinhas cristalizadas, que lhe davam um sabor nunca visto no sertão.
As pessoas perguntaram a Antonio Conselheiro o que era aquilo e ele simplesmente respondeu que devia ser mesmo coisa de Deus ou simplesmente uma tentativa do rei de Portugal em fazer as pazes com o povo da vila, para que eles lutassem contra a república.
Diz a lenda que essa foi a primeira vez que papai Noel veio ao Brasil. Mas desse dia em diante ele nunca mais deixou que ninguém o visse quando viesse deixar os presentes para as crianças brasileiras. Dizem que numa conversa informal com um dos anões da fábrica mágica, papai Noel teria comentado que o povo do Brasil é diferente porque mesmo achando que ele fosse um inimigo, ainda o deixaram ir embora. Desde aquele dia, até hoje, Noel sempre volta ao Brasil; pena que já no ano seguinte a Vila de Canudos, e Antonio Conselheiro, não existiam mais.
Mas para a surpresa de Noel, quando Conselheiro chegou ao céu ele perguntou a Deus sobre aquele velhinho de roupa feia e chapeuzinho horroroso que apareceu uma vez na vila de Canudos dizendo ser um enviado do próprio divino.
Deus explicou para ele com detalhes quem era o papai Noel e o velho Conselheiro, agradecido, pediu à Noel para trabalhar com ele na confecção daqueles pães engraçados. O messias de Canudos desde esse dia trabalha fazendo os “pães do Antônio” com gosto, pois se lembra da alegria das crianças do seu antigo povoado se deliciando com aqueles pães, como se ele fosse a maior alegria da vida delas.
Ora, ora, ora, que encontro mais inusitado! Noel e Conselheiro? Se o Noel tivesse vindo um pouco depois, quem sabe evitaria a chacina de Canudos?
ResponderExcluirMas as crianças ficaram felizes com os presentes, que bom. A única dificuldade do Noel em terras brasileiras é que ele não acha nenhuma chaminé e todo ano reclama muito do calor.