quinta-feira, 28 de julho de 2022

Preconceito


Ela entrou naquela sala, ficou parada pelo menos cinco minutos, “segundo seus cálculos” e estranhou o fato de que ninguém olhou para ela.

“Estou me sentindo um fantasma!” – pensou, começando a caminhar.

“Essas pessoas devem ser intolerantes! Elas devem estar chocadas com minha roupa, ou com o tom da minha pele!”

Na verdade, ela destoava das pessoas na sala e isso a incomodava, pois ela sabia do preconceito de que sempre fora vítima. 

Enquanto todos esperavam quietos, sentados em suas cadeiras, que se dispunham em forma de um grande círculo, ela andava inquieta, procurando arrastar os pés e fazer barulho, para ver se pelo menos alguém a notava, ou se dirigia a ela.

Uma mulher, que deveria ser a assistente social, estava sentada no meio do círculo, com uma prancheta e alguns papeis nas mãos. Percebendo que alguém  andava e fazia barulho, falou:

- Boa tarde! A senhora vai participar da reunião?

- Ah.., finalmente alguém me notou! – respondeu ela parando, colocando as mãos na cintura e fazendo cara de nervosa. – Eu entrei aqui, ninguém olhou pra mim. Ninguém teve coragem de falar comigo! Me trataram como se eu não existisse!

- Não, – falou a mulher do meio do círculo – a senhora não está entendedo.

- Não estou entendendo? É logico que estou entendendo! E sabe porque? Porque eu senti isso a vida toda! Vocês são racistas, preconceituosos.

- Não é isso senhora! Aqui ninguém é racista!

- É sempre a mesma desculpa: Não é isso! Nós não somos racistas!

- Deixa eu te explicar.

- Não tem explicação. Todo mundo olha pra mim com nojo! Só porque meu cabelo é vermelho e minha pele é quase trasparente? Só porque meus olhos são claros e eu tenho que usar óculos escuros mesmo dentro de casa? Só porque eu tenho que andar de camisa de manga comprida mesmo no sol? Eu não tenho culpa de ser albina! Isso é um problema genético, e eu estou cansada de me tratarem como um ET.

- Senhora, me perdoe, mas a senhora está fazendo confusão.

- Fazendo confusão! – gritou ela com o dedo em riste. – Quem está fazendo confusão é você e esse bando de hipócritas dentro dessa sala.

- Senhora, – falou a mulher do meio do círculo em meio a um suspiro – o que a senhora veio fazer aqui?

- O que eu vim fazer aqui? Que pergunta idiota! O que é a senhora?

- Eu sou assistente social.

- Então a senhora deveria saber, que eu vim para a reunião de apoio para pessoas que se sentem excluídas da sociedade. Mas pra falar a verdade, eu nunca me senti mais excluída do que aqui nessa sala!

- Eu entendo sua raiva.

- Ah..., não entende não! Não entende porque não é albina! Você é uma negra linda, que pode andar de biquini na praia, e que chama a atenção da maioria dos homens... A senhora não me entende nem um pouco.

- Eu entendo porque sou assistente social, e entender esses problemas é a minha profissão.

- Então porque vocês, que deveriam me acolher e me tratar bem, se mostraram tão indiferenntes?

- Não é que tratamos a senhora com indiferença! O problema, é que a senhora veio no dia errado. O dia para a reunião de pessoas que se sentem excluídas da sociedade, mas que são normais, é amanhã.

- Porque? Essas pessoas aqui, por acaso não são normais?

- Não!

- É... Na verdade não devem ser mesmo, porque uma pessoa preconceituosa não é mesmo normal.

- Não, senhora, essas pessoas são: cegas, surdas ou mudas. A reunião de terça-feira é para tratar com essas pessoas. Por isso que ninguém se dirigiu à senhora! Porque, ou eles não a viram, ou não te escutaram ou não tiveram como se comunicar com a senhora.

- Nossa! Eu não sabia! Me perdoe.

- Lógico que eu te perdoo, e tenho certeza que algum deles que entendeu o que a senhora falou, também vai te perdoar, mas, a primeira pessoa que tem que perdoar aqui, é a senhora! Porque a senhora está tão infectada com essa história de preconceito, que está se esquecendo de viver.

- Talvez a senhora tenha razão... – respondeu ela, olhando para o chão, sem coragem de encarar a assistente social.

- Não precisa ficar chateada. Volte amanhã, com um sorriso no seu lindo rosto de pele clara e com esse cabelão fashion ao natural. Te espero as quatro horas.



quinta-feira, 21 de julho de 2022

Vitória

Ele pegou a granada nas mãos...

Num instante, o destino de todas as pessoas dentro daquelas ruínas dependiam dele.

Do lado de fora, as tropas inimigas se posicionaram de tal forma, que todo o terreno da casa estava cercado. Não tinha como fugir.

A dois dias, o inimigo cada vez mais, avançava pela cidade e ganhava terreno. A previsão, era de que em menos de duas semanas, toda a cidade passasse a ser dominada por eles.

Do lado de dentro, apreensivo, ele pensava no que fazer: Se entregar, e assim, entregar os civis que se escondiam na casa; ou retirar o pino da granada, se sacrificando e sacrificando a todos em volta.

Ele sabia que as crianças e mulheres que estavam escondidas ali, se fossem pegas pelo inimigo, iriam ser violentadas, espancadas e consumidas, até a morte. Também sabia, que os idosos que estavam escondidos no quarto dos fundos, seriam usados de tabuleta de tiro ao alvo, e picados por balas de fuzil, até não aguentarem mais.

Qual morte seria melhor? Qual morte seria mais digna?

Ele pegou a granada nas mãos... O destino das pessoas dentro da casa dependia dele, e ele tinha que agir!

Mais uma vez, ele olhou para as mulheres no fundo da sala. Seus olhos marejaram e um fio de lágrima correu em seu rosto.

A guerra é assim, pensou: “As vezes, uma aparente derrota, nada mais é, do que um ato de heroísmo.”

Ele apertou a granada, puxou o pino, um clarão, seguido de explosão, fez as ruínas virem abaixo. Muitos inimigos foram atingidos por estilhaços.

Depois da poeira assentar, o capitão inimigo caminhou entre os destroços. Viu o corpo do soldado que detonou a granada. Notou que sua feição era de alegria.

O capitão encontrou os corpos das duas meninas, das três mulheres, e dos quatro idosos, e entendeu a feição do soldado! Feição de vitória.