sábado, 15 de maio de 2021

Olhar de cinquenta anos

 




Sabrina, Jonas, Augusto Cesar e Priscila entraram pelo salão de festas trazendo o bolo de bodas de ouro do vovô Valter e da vovó Soraia. Os velhinhos esperavam o bolo chegar rodeados pelos filhos e amigos, que cantavam “parabéns pra você!”

Uma lágrima escorreu pelo rosto da vovó Soraia e do vovô Valtinho. A cinquenta anos atrás eles não imaginavam que conseguiriam chegar a um momento desses.

Em 4 de agosto de 1952, Soraia, uma linda jovem, trabalhava no mercadinho de seu “Manoel português”, um homem justo, bom patrão, mas muitíssimo exigente com seus funcionários. Soraia estava pesando um quilo de feijão para uma cliente, quando Valter entrou pelo mercadinho apressado para comprar batatas.

- Seu Manoel! – falou Valter num só fôlego. – Me dê um quilo de batatas meio rápido, porque já está quase na hora de eu ir para escola e minha mãe se enrolou, não teve tempo de vir aqui, ainda não fez o almoço e meu pai já vai chegar do serviço.

- Olhe garoto, vais ter que esperaire a sua veix! Purque tem umas pssoas qui chegaram em vossa friente!

Soraia olhou para Valter com cara de poucos amigos. Ela detestava esses apressadinhos que vinham tumultuar o seu serviço.

Alguns dias depois, Soraia esperava o ônibus para ir ao cinema encontrar seu namoradinho novo, um rapaz loiro que tinha os olhos mais azuis de todo o mundo! Perdida em pensamentos ela nem notou quando Valter sentou-se ao seu lado no banco do ponto de ônibus e começou a folhear um gibi do “Cavaleiro Solitário.”

Os dois entraram no mesmo ônibus e mais uma vez sentaram-se lado a lado, até chegarem à porta do cinema. Soraia logo encontrou o rapaz loiro e Valter logo encontrou seus amigos que foram até ali para trocar gibis e dar uma paquerada nas meninas.

Uma vez, Soraia passeava com sua amiga Gorete pela praça da catedral, quando Valter passou em sua bicicleta olhando para Gorete, que era “a menina mais linda da cidade.”

Ele se descuidou olhando tanto para sua musa, que nem viu o banco de concreto à sua frente!

Foi um capote só! Sorte que Valter caiu dentro do chafariz e apesar de ter se molhado todo e da vergonha que passou, não se machucou além de uns arranhões.

Na quermesse de São João, Valter discutia com sua namorada Ermínia sentado nos degraus do coreto ao centro da praça, enquanto Soraia namorava Arlindo num banco próximo. A discussão de Valter se elevou tanto que Ermínia deu-lhe um tapa no rosto. O estralo foi tão alto que Soraia e Arlindo até se assustaram! Quando olhou para ver quem tinha apanhado, Soraia só viu um rapaz indo embora com sua bicicleta por entre o jardim enquanto uma moça chorava e xingava dizendo para ele voltar.

Perto de um Natal, Soraia estava junto com as meninas da igreja passando de casa em casa fazendo uma coleta para montar cestas de natalinas para pessoas carentes. Ela bateu numa casa e a dona saiu nervosa, falando que não tinha nada para ajudar e que já estava cansada de pessoas enchendo o saco em seu portão. Valter que passava pela rua, parou sua bicicleta assistindo incrédulo a aquela cena. Vendo o destempero da mulher, entrou no assunto defendendo as “meninas da igreja”.

- Dona Rute! – Falou Valter com respeito. – Isso que a senhora está fazendo não é legal! As meninas estão tentando fazer uma boa ação! Se a senhora não quer ajudar é só falar que não e fechar a porta, não precisa falar tantas coisas assim para elas.

Foi a primeira vez que Soraia encarou os olhos de Valter. Ele era um desconhecido para ela e ela era uma desconhecida para ele.

Hoje, passados cinquenta anos, os dois velhinhos se abaixaram para apagar as velinhas do bolo de bodas de ouro.

Ela encarou os olhos de seu velho e se lembrou desse dia em que ele a defendeu. Os olhos eram os mesmos e a pessoa por trás deles também.

Novamente ela se encantou por aqueles olhos.

Jovens olhos.

Um jovem olhar de cinquenta anos...

O olhar do amor de sua vida!




3 comentários:

  1. Que bom que voltou ao blogue. E com uma história muito bonita. Só não gosto dessa coisa de velhinhos. Já fiz 50 anos de casada há 3 anos e nem de longe me de perto me sinto velhinha.
    De volta depois de três dias de cama, com febre, dores no corpo todo, vómitos e inchaço nos pés e mãos. E como toda a gente me diz que o pior é a segunda dose, estou bem arranjada. Bom mas o que interessa é que hoje já estou bem.
    Abraço, saúde e bom domingo

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  2. Adorei,André e aqui em casa festejamos já 52 de casados e são tantas as recordações, mas vivemos o presente, envolvidos pela vida. Muito legal! abração, chica

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  3. Muito terno esse conto, que linda história!

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