Este
é um conto que escrevi para uma coletânea aqui da minha cidade. Vocês vão notar
que o conto é bem específico, centrado na cidade de Barretos, mas é uma
história policial, que poderia se passar em qualquer lugar.
Pelo
conto ser um pouco grande e pelo valor literário que dou nele, eu vou deixa-lo
pelo menos um mês no foco do blogue. Por isso não vou postar mais nada nesse
mês, mas vou visitar os blogues de vocês regularmente.
Leiam,
comentem e principalmente divirtam-se!
A morte de Aristide
Cozinha
O
delegado Castilho desceu da viatura com cara de dor, colocando as mãos nas
costas, andou com cuidado desviando das poças de barro até a porta do bar, onde
mais um corpo foi encontrado.
- Alguém
sabe quem é ele?
- Parece
que é um tropeiro, doutor. – respondeu o soldado agachado do lado do corpo.
- Parece,
ou é um tropeiro? – perguntou Castilho seco.
- É um
tropeiro, - respondeu alguém no meio do pequeno aglomerado de pessoas que
observavam a cena.
- O
senhor é quem? – disse o delegado virando-se para o homem.
- Antônio
Candido, senhor, - respondeu o homem olhando para o chão, e segurando seu
chapéu na altura da cintura, como se temesse encarar o delegado.
- O
senhor o conhecia, senhor Antônio Cândido?
- Sim
senhor, - falou o homem ainda sem levantar a cabeça – ele era cozinheiro da
nossa tropa. A gente trouxe uma boiada de Goiás na sexta feira, e já ia sair
hoje de volta.
- De que
cidade de Goiás vocês vieram?
-
Itaberaí, senhor.
- De
Itaberaí até Barretos tem chão hein companheiro? – falou o delegado
colocando-se ao lado de Antônio e estendendo-lhe a mão para um cumprimento.
- Tem sim
senhor, mas o patrão é o dotô Miguel Junquêra, que tem fazenda em Bebedouro e
Olímpia, por isso a gente sempre vem com a boiada pra matar no frigorífico de
Barretos.
- Certo,
- falou o delegado arqueando a sobrancelha – quem era o chefe da sua tropa?
- O Zé
Celso.
- Onde
está esse Zé Celso agora? O senhor sabe?
- Ele
ficou aqui no Café Goiano até de madrugada jogando baralho, e despois disse que
ia dormir na casa da Matilde.
- Na
zona? – falou Castilho sorrindo. – A Matilde da zona?
- Sim
senhor.
- Você
estava aqui no Café Goiano também?
- Sim
senhor.
- E esse
rapaz morto aqui, o cozinheiro, estava aqui com vocês também?
- Sim
senhor.
- Como é
o nome dele?
-
Aristide, mas o pessoal da tropa chamava ele de Cozinha.
-
Cozinha?
- É dotô,
- disse o Antônio inquieto – ele era o cozinheiro, então o povo só chamava ele
de Cozinha.
- Até que
horas você ficou aqui no bar?
- Até bem
tarde, despois também fui pra casa da Matilde.
- O
Aristide estava fazendo o que, na hora que você foi embora?
- Estava
jogando baralho em outra mesa.
- O
senhor se lembra com quem ele jogava?
- Ah,
dotô... – falou Antônio olhando pra cima como se estivesse vasculhando a memória.
– Na mesa dele tinha um homem gordo, com um bigode bem grande e com chapéu de
feltro branco, e uma mulher de vestido preto, que parecia japonesa, e mais um
que não lembro.
- Tudo
bem Antônio, - disse o delegado batendo com a mão espalmada nas costas do tropeiro
– eu quero que o senhor fique na cidade por uns dias, pode ser?
- Tudo
bem dotô, eu vou ficar na casa da Matilde, o senhor sabe onde é?
- Sei...
Todo mundo na cidade sabe onde fica a Matilde, a Dinorá, a Marlene, pode ficar
tranquilo que eu te acho se precisar de você.
Dizendo
isso, o delegado Castilho olhou mais uma vez para o corpo no chão, e enrugando
a testa, disse ao seu subordinado:
- Gilmar,
ele tem marca de tiros?
- Não
doutor, nada de tiro e nem perfuração de faca.
- Ele tem
dinheiro nos bolsos? A carteira dele está aí?
- A
carteira está senhor, mas está vazia, nada de dinheiro.
- O corpo
dele tem algum hematoma visível? Sinal de briga?
- Não
doutor, - respondeu Gilmar reparando melhor no cadáver – nenhum de sinal de
luta corporal.
- Então
passa o rádio pra ambulância vir buscar esse cadáver. Quero que o levem pra
Santa Casa, e quero que o doutor Figueiredo analise o corpo, pra saber se ele
também foi envenenado como os outros.
*****
Em menos de três meses, cinco corpos de
tropeiros envenenados foram encontrados em Barretos. O corpo de Aristide
Cozinha era o sexto corpo, mas diferentemente dos outros, que foram encontrados
em caminhos desertos e corredores boiadeiros, sem testemunhas e sem história,
dessa vez, o corpo foi encontrado em frente a um bar, onde algumas possíveis
testemunhas poderiam dar alguma pista útil à investigação.
O
delegado Castilho entrou na viatura, e seguiu até a casa de Jorge Mauro, que
pela descrição do tropeiro se encaixava bem na figura do gordo, bigodudo de chapéu
de feltro branco. Em sua cabeça, o delegado achou melhor começar a investigação
por ali, porque Jorge era um cidadão querido na cidade, e até que se prove o
contrário, um homem de bem.
- Bom dia
doutor Castilho. – disse o homem gordo e bigodudo vindo atender o portão.
- Bom dia
Jorge!
- Mas a
que devo essa visita as nove da manhã do domingo?
- O
senhor estava nesta madrugada no Café Goiano, não estava?
- Estava
sim, - disse Jorge fazendo cara de desentendido – porquê?
- Um
homem que estava jogando cartas com você ontem foi encontrado morto na calçada
bem em frente ao Café.
- Quem? O
Mário eletricista?
- Não, -
disse o delegado já descobrindo quem era o quarto integrante da mesa no bar – não
foi o Mário, foi um tropeiro.
- O Cozinha?
– falou Jorge arregalando os olhos.
- Ele
mesmo. Você se assustou porquê? Conhecia ele?
- Ele já
veio várias vezes de Goiás para Barretos trazer boiada pra matar no Anglo.
Sempre que vinha a gente jogava cartas no Café Goiano. Ele era um rapaz muito
bacana, mas muito ruim com as cartas, coitado, sempre perdia todo o dinheiro
que ganhava, ali na mesa do bar. Geralmente ele ia embora sem um puto no bolso,
mas ontem não sei por qual milagre, ele limpou todo mundo.
- Ah... E
ele ganhou muito dinheiro?
- Uma
bolada! Dinheiro pra ficar três meses quietinho lá na terra dele, sem ter que
viajar com a tropa pra lugar nenhum.
- Alguém
viu o dinheiro que ele ganhou?
- Só eu,
o Mário eletricista e a Suzana Yoda, porque nós fomos os últimos a sair do bar.
- Que
horas eram?
- Quatro
e meia, mais ou menos.
- Essa
Suzana Yoda, - falou o delegado já abrindo a porta do fusca preto e branco, que
era a mais nova viatura da cidade – eu já vi essa mulher várias vezes no Café
Goiano, de onde ela apareceu?
- Quem
conhece ela bem é o Nestor, dono do bar, mas pelo que eu saiba, ela veio do Rio
de Janeiro, parece que trabalhava em um bordel lá, mas não era prostituta não.
O Nestor um dia apareceu com essa mulher aqui e disse que ela iria ajudar no
bar.
- Ajudar
como?
- Ela
sabe fazer uns drinks muito bons, as receitas são de lugares chiques lá do Rio
de Janeiro, e tem gente que fala que alguns desses drinks são bebidas
tradicionais nos Estados Unidos e na França, ela faz esse drinks para alguns
clientes lá no bar, mas eu nunca tomei nenhum, porque custam muito caro.
O
delegado Castilho sabia que o Café Goiano era um ponto de encontro de peões que
traziam gado para o frigorífico, de jogadores inveterados, de fazendeiros e
também de comerciantes da cidade, que na calada da noite sempre apareciam por
ali procurando algum tipo de diversão. Apesar da fama perigosa, o lugar tinha
essa clientela variada, e alguns drinks caros poderiam ser muito vendáveis
mesmo, pensou Castilho se despedindo de Jorge apenas com um aceno de cabeça e
entrando na viatura fazendo careta de dor.
“- Essa
viaturinha, pra um homem do meu tamanho, com dois metros e três, é muita
maldade pra uma pessoa só, - pensou o delegado saindo para conversar com Nestor
– qualquer dia vou mudar de viatura e pegar a Veraneio velha, porque minhas
costas não aguentam mais esse fusca.”
*****
A
“viaturinha” encostou à porta do Café Goiano, que agora as dez da manhã, já
estava de portas abertas. Antes de entrar, o delegado olhou novamente a
calçada, examinando o lugar onde o corpo de Aristide foi encontrado, e sem notar
nada que servisse de pista, entrou no bar dirigindo-se até o balcão.
- Oi
Nestor, bom dia!
- Oi
delegado, - respondeu o homem ruivo detrás do balcão, onde abastecia a
geladeira com cerveja, sem levantar os olhos e nem dar muita bola para a autoridade
– imagino que o senhor esteja aqui por causa do corpo do tropeiro que
encontraram aqui na porta hoje.
- Isso
mesmo.
- Olha, -
falou Nestor continuando seu serviço – como eu já sei que o senhor vai
perguntar, já vou logo te dizendo que a hora que eu fechei o bar, ele foi o
último a sair, e eu não vi ninguém na rua, que por sinal estava um breu.
- Ele
estava normal?
- Se ele
estava bêbado o senhor quer saber?
- Não,
quero saber se queixou de alguma coisa, alguma indisposição.
- Como
assim? – disse Nestor se levantando e encarando o delegado. – Eu não estou
entendendo.
- Ele
morreu sem marca de faca ou bala de revólver, e eu estou achando que ele foi
envenenado como os outros cinco cadáveres que encontramos esses dias.
-
Nossa... Coitado! Será?
- O doutor
Figueiredo está examinando o corpo e vai me falar daqui um pouco o que
descobriu.
Nestor
colocou as duas mãos na cintura, suspirando como se estivesse cansado de
colocar cerveja na geladeira, e com um sorriso sínico de canto de boca falou:
- Esse
negócio de gente envenenada está estranho, o senhor não acha? Antigamente o
povo só morria de tiro, facada, paulada, mas envenenado é uma modalidade nova
pra morrer.
- Não
entendi esse seu cinismo, - retrucou o delegado – o senhor tem alguma coisa pra
me falar?
- Tenho,
- respondeu o dono do bar saindo de trás do balcão e caminhando até o delegado,
para depois olhar fixamente olho no olho de Castilho e falar – o senhor veio
até aqui procurando alguma pista sobre a morte desse rapaz, tudo bem, porque
ele foi encontrado aqui na frente, mas todo mundo que morre nessa cidade, o
senhor sempre vem me aborrecer.
-
Infelizmente só estão morrendo peões e tropeiros, e o ponto de encontro deles é
aqui no seu bar, eu não posso fazer nada.
- Mas
pelo que me consta, as pessoas estão morrendo em várias partes da cidade, e eu
acho que nesses três meses desde que o primeiro corpo apareceu, o senhor não
fez progresso nenhum na investigação, e em todas as vezes, o senhor apareceu
aqui, como se suspeitasse de algo.
- É
verdade Nestor, os outros corpos foram encontrados abandonados na beira de
estradas e em locais remotos, mas eu tive que vir aqui, porque como eu disse
aqui é o lugar de encontro desse pessoal, mas o Aristide é diferente, pois como
você mesmo disse, ele foi o último a sair do seu bar, e pelo que apurei ele
ganhou muito dinheiro no carteado ontem.
- Ah,
ganhou? – falou Nestor espantado. – Ele sempre perde até as calças.
- Ele
ganhou ontem, e pelo que consta, ele estava jogando com o Mario eletricista, o
Jorge e uma funcionária sua, Suzana Yoda. E sabe mais? O dinheiro que ele
ganhou no carteado foi roubado, então isso transforma esse caso, de uma simples
morte, para um latrocínio.
- Bom, -
respondeu o rapaz ruivo com um novo sorriso – agora sim parece que o senhor
está tendo algum resultado na investigação.
- Essa
tal Suzana Yoda, - falou doutor Castilho ser dar atenção para as provocações de
Nestor – ela é sua funcionária?
- Ela é
uma mulher muito especial que eu contratei lá do Rio de Janeiro, ela fica de
dia na casa da Iolanda, e a noite faz uns drinks aqui pra mim, mas não é
funcionária. Ela apenas faz uns bicos, porque esses drinks caros saem muito pouco.
- Ela
fica na casa da Iolanda na zona? Ela é prostituta?
- Não
doutor, - respondeu o sorridente Nestor – ela faz massagem e acupuntura.
-
Massagem e acupuntura, na casa da Iolanda, que é uma casa que só recebe peão de
trecho e tropeiro?
-
Recebia, - retrucou Nestor – agora com os serviços da Suzana, a clientela da
Yolanda está melhorando.
- Você
sabe se numa hora dessas eu encontro essa Suzana lá?
- Acho
que sim delegado.
- Então
eu vou lá conversar com ela, e, enquanto isso, você vai pensando em alguma
coisa que possa ter acontecido por aqui ontem, em alguma atitude suspeita,
qualquer coisa.
*****
O
delegado Castilho, com cara de poucos amigos, chegou até a Santa Casa de
Barretos e foi direto até a sala do doutor Figueiredo.
- Doutor,
tudo bem? – disse batendo à porta.
- Olá
Castilho, entre por favor, e sente-se aqui. – respondeu o médico apontando uma
cadeira à sua frente.
- E aí? -
disse o delegado indo direto ao assunto. – O que deu no exame do cadáver?
-
Envenenamento mais uma vez.
- O
senhor tem certeza? – falou Castilho colocando a mão nas costas.
- Tenho
certeza porque o corpo tinha as mesmas características, o fígado estava preto,
seco, como se estivesse sido carbonizado, e os olhos não tinham a parte branca,
só tinham a íris e o resto era vermelho por causa de um derrame, igualzinho os
outros cinco corpos.
- Meu
Deus, - falou o delegado em meio a um suspiro – mais um pra coleção!
- O
senhor está com uma cara de dor? O que foi?
- Esse
fusquinha que me arrumaram para viatura particular.
- Ele é
novinho, o senhor não gostou?
- Esse
tipo de carro é bom pra anão, doutor... Não pra um cara do meu tamanho. Minhas
costas estão me matando!
- O
senhor quer tomar uma injeção de analgésico? É tirar com a mão.
- Agora
não doutor, - falou o delegado já se retirando da sala – analgésico me dá o
maior sono e o serviço só está começando.
*****
A zona do
baixo meretrício era um local movimentado na cidade, meninos sendo inaugurados,
as vezes levados ali pelos próprios pais ou irmãos mais velhos, homens casados,
homens solteiros, forasteiros, tropeiros, malandros e cafetões, faziam parte
dos dias daquele lugar.
As
prostitutas trabalhavam em casas que ao olhar desatento parecia uma casa
normal, mas com um pouco mais de atenção, se reparava que na calçada ou
alpendre de cada uma dessas casas, sempre estavam duas ou três meninas, com
roupas provocantes sentadas à espera de alguém.
Geralmente
essas casas eram gerenciadas por uma prostituta mais velha, que agenciava as
mais novas, apresentando-lhes clientes e garantindo estadia e alimento. As
prostitutas pagavam por esse serviço, com uma porcentagem pelos seus programas,
que variavam de vinte a trinta e cinco por cento.
Castilho
estacionou em frente à casa de Iolanda, uma das casas de prostituição mais
antigas de Barretos, e entrou sem cumprimentar as meninas que estavam sentadas
na calçada.
- Nossa
delegado! – disse uma delas. – que cara feia! Não conhece mais a gente não?
O
delegado chegou até a sala da casa, e logo viu sentada num sofá com estampa de
pele de onça, a senhora de traços finos, cabelo ruivo, vestido elegante e olhar
provocativo.
- Oi
Iolanda, tudo bem?
-
Castilho! Mas a que devo uma visita tão ilustre?
- Eu
quero falar com uma de suas meninas.
- Uma de
minhas meninas? – falou Iolanda com cara de malícia. - Você quer tirar o
atraso?
- Não
Iolanda, - respondeu o delegado sorrindo – eu só quero conversar com a Suzana
Yoda.
- Ah, me
desculpe delegado, mas ela não faz programa, ela só faz massagem e acupuntura.
- Bem que
uma massagem nas minhas costas seria uma boa, - disse o delegado com cara de
dor – mas no momento eu estou em serviço.
- Ah, -
retrucou a linda velhinha – mas as mãos da Suzana fazem mágica, tenho certeza
que ela concertaria suas costas em um minuto.
- Eu
acredito, mas no momento eu não poss...
- O
senhor quer falar comigo? – disse abruptamente uma linda mulher de traços
orientais, bem vestida com um elegante vestido negro, entrando pela sala e na
conversa ao mesmo tempo.
- Suzana
Yoda? – disse o delegado.
- Sim
senhor, em que eu posso te ajudar?
- Acho
que com uma massagem, - falou Iolanda se antecipando a resposta de Castilho.
- Agora
não, - falou o delegado sorrindo encabulado – eu já disse que estou em serviço.
- Quê
isso delegado, - falou a mulher oriental, chegando perto do delegado e deixando
seu perfume chegar até o homem da lei – enquanto a gente conversa eu faço uma
massagem no senhor, que está mesmo com um semblante muito tenso.
- É o
carro que me deram pra dirigir, - explicou o delegado outra vez – ele acabou
com as minhas costas.
- Então
venha até aqui! – disse Suzana puxando Castilho pela mão. – Enquanto a gente
conversa eu vou te ajudar nessas costas.
O
delegado, como que hipnotizado pela beleza da mulher e pelo cheiro de seu
perfume, sem conseguir resistir, entrou em um quarto decorado com quadros
orientais, bambus em arranjos dentro de vasos espalhados pelo cômodo, que no
meio, tinha uma espécie de maca forrada com um tecido vermelho parecido com
veludo, e logo acima, algumas luminárias japonesas, davam um tom exótico ao
local.
- Tire a
camisa e deite-se aqui de barriga para baixo. - ordenou a moça com voz firme.
O
delegado que já tinha entrado no clima da massagem, deitou-se de barriga para
baixo e tentou relaxar.
- O que o
senhor quer falar comigo, - falou a moça umedecendo as mãos com óleo de
amêndoas – a gente nunca trocou nenhuma palavra antes.
- Eu sei,
- respondeu o delegado sentindo as mãos delicadas da moça que começaram a lhe
massagear as costas – mas o negócio é que um rapaz que estava jogando cartas
até hoje de madrugada com você, morreu envenenado na porta do Café Goiano.
- Ah é? –
disse a moça em tom de espanto. – Envenenado? Como assim?
- Não
sei, mas várias pessoas, todos tropeiros estão morrendo envenenados na cidade,
já foram seis.
- Meu
Deus!
- Então,
- continuou o delegado – esse moço de hoje, se chama Aristide, mas todos o
chamavam de Cozinha, porque era o cozinheiro da tropa. Ele foi morto e roubado.
- Morto e
roubado?
- Sim, -
respondeu o delegado já sentindo melhora nas costas - eu sei que ele rapou o
dinheiro de todos vocês ontem no jogo de cartas, mas hoje na hora que o
encontraram, ele não tinha nada na carteira e nem no bolso.
-
Coitado, - falou Suzana aplicando um pouco mais de força em um musculo
encavalado nas costas do delegado que gemeu de dor – mas como vocês chegaram à
conclusão de que ele foi envenenado? Quem fez o teste?
- O
doutor Figueiredo fez o teste nos outros cinco corpos, e disse que as
características do corpo do Aristide era igual: fígado preto e olhos com
derrame.
- Meu
Deus! – falou Suzana mais uma vez.
- Nossa
que massagem boa!
- Que bom
que está gostando! Mas agora eu vou dar umas picadinhas de acupuntura no
senhor, porque suas costas estão péssimas.
- Eu não
sei se acredito nisso. – questionou Castilho querendo se levantar.
- Calma,
- falou a moça contendo o delegado – deite-se aí, não vai doer nada.
- Tá bom,
vamos ver se isso ajuda mesmo. – respondeu o delegado dando um tranco quando a
primeira agulha entrou queimando em sua pele.
- Que
pulo foi esse? – falou a acupunturista sorrindo. – Doeu?
- Não só
queimou um pouco!
- Não seja
mole delegado, - caçoou Suzana – já fiz acupuntura em várias crianças e elas
não deram um pulo desses.
- É que
eu nunca fiz isso antes, sou um bruto minha filha!
-
Hahahahaha, mas os brutos é que não deviam dar um pulo desses!
- Há
controvérsias...
- Pronto,
- disse a moça dando um tapinha no ombro do delegado – pode se levantar.
O
delegado sentou-se na maca, com as costas novinhas em folha, olhou para um
lado, olhou para o outro, mexeu o pescoço e com cara de feliz, disse para a
moça oriental.
- Eu queria
que você fosse até a delegacia hoje à tarde para eu poder pegar seu depoimento
direito, porque aqui não deu certo.
- Porque
não deu certo? Nós fizemos um bom serviço aqui.
- Você
fez, mas eu não. – retrucou o delegado. – Eu tenho algumas perguntas pra te
fazer, mas acho que é melhor fazer depois.
Dizendo
essas palavras, o delegado Castilho saiu do quarto de massagem, passou pela
sala feito um zumbi sem se despedir de Iolanda, e caminhou até o fusca.
Zonzo, o
delegado sentou ao volante, e dirigiu por algumas quadras, até que sentiu uma
forte dor no peito. Tentando respirar, mas com muito ar faltando, o delegado
estacionou, e notou que alguém abriu a porta da viatura do lado do passageiro.
- Oi
delegado, - disse a voz conhecida do Nestor, dono do Café Goiano – o senhor
conheceu os serviços maravilhosos da Suzana?
Sem
conseguir falar, e ainda com falta de ar, o delegado se virou para Nestor, que
sorrindo continuou:
- Os
tropeiros gastam dinheiro na cidade, porque eles trazem a boiada, recebem no
frigorífico e ficam por aqui uns dias, gastando com as prostitutas, e nos bares
de Barretos. Mas alguns deles, ficam hospedados em casas na zona, transando com
as prostitutas, e depois de dias, quando chega a hora de ir embora, não tem
dinheiro para pagar, porque perderam tudo em jogatinas, e cachaça. Alguns são
honestos, e da próxima vez que vem até a cidade vão até a zona quitar as suas
dívidas, mas outros não, eles voltam na cidade mas ficam hospedados em outra
casa na zona, e assim, aplicam o mesmo golpe.
Castilho
arregalando os olhos, tentou pedir socorro para Nestor que ainda sorrindo, continuou:
- Eu não
sei se o senhor já tinha notado, mas pelo meu cabelo ruivo e cara fina, bem que
poderia notar que eu sou filho da Iolanda. Minha mãe cansou de tomar calotes
desses tropeiros, e por isso eu fui buscar a Suzana Yoda, que é mestre em
manipular veneno em drinks, em porções e em agulhas de acupuntura. Eu só estou
te dizendo isso, porque acho que você merecia saber que estava no caminho certo
das suas investigações antes de morrer. O senhor estava certo em ir me
importunar lá no meu bar, e suspeitar que alguma coisa errada acontecia ali.
Nestor
abriu a porta da “viaturinha”, e dando a volta até o lado do motorista, sorriu
para o delegado, que desesperado, puxava o ar e começava a babar pelo canto da
boca.
- A gente
não poderia deixar que o senhor descobrisse a nossa cobradora de dívidas, não é
verdade? Me perdoe delegado, mas eu garanto que o senhor vai embora sem sofrer,
nesse momento seu fígado deve estar em frangalhos e pela cor dos seus olhos, já
chegou a sua hora. No fundo, apesar de nossas brigas, eu até tinha simpatia
pelo senhor... Vai em paz!
Dizendo
isso, o ruivo Nestor, virou as costas para o delegado e caminhando apressado, subiu a rua
dezoito, no sentido da Catedral, até sumir no horizonte, enquanto para o
delegado, que já não lutava mais para procurar ar, conformando-se com seu
final, o mundo foi escurecendo, escurecendo, escurecendo... Escureceu!