quarta-feira, 1 de outubro de 2025

Até parece gente...

 

No Zoológico de Burirama,
um chimpanzé rolava na lama.
Sorrindo com todos os dentes,
para uma pessoa contente.

O gorila encabulado,
assistia as micagens assustado,
e perguntou para o colega do lado,
que também assistia passado:

— Esse aí, nem parece inteligente.
— Pois é, de tão bobo, até parece gente.
— E dizem que viemos do mesmo ancestral.
— Conversa fiada do Darwin... aquele animal.


sexta-feira, 26 de setembro de 2025

Cromática


A lágrima, transparente, despenca da parte branca de seus olhos e escorre por sua pele negra.
Negra como sua mãe. 
Exemplo de mulher. 
Mãe solo, trabalhadeira e feliz. 
Ela vê o mundo colorido. 
Coisa que ele ainda não entende. 


segunda-feira, 22 de setembro de 2025

A pequena história de nossos dias

 

Um dia um menino chamado Karl, escreveu um manifesto que dizia que o povo deveria estar no poder. Primeiro o Estado mandaria em tudo e na hora certa o povo assumiria por conta própria. 
Dividiria tudo — custos, gastos e bens — igualitariamente.
Com esse manifesto, o menino Karl estava criando o Comunismo.
Uns amiguinhos dele, principalmente um tal de Lênin, mais moderado e depois Stalin, mais malvadinho, pegaram essa idéia, entraram no governo apoiados pelo povo, mas se uniram às forças armadas e instituíram um governo onde só eles mandavam e ditavam as regras da brincadeira. 
Lênin começou a brincadeira, mas foi Stalin que fez as regras mais severas, usando de força, tortura e morte de milhares de pessoas que queriam brincar uma brincadeira diferente.
Do outro lado do quarteirão, outro menino chamado Benito, espiou o que Stalin e Lênin estavam fazendo e pensou: — Que brincadeira legal!
Então ele achou que deveria brincar também, mas de forma diferente. 
Depois de chegar no poder, assim como os vizinhos, fortaleceu suas forças armadas e matou, torturou, prendeu e sumiu com quem não queria brincar a brincadeira dele. Benitinho chamou essa nova brincadeira de Fascismo.
O menino que morava na rua do lado, ficou sabendo que esses meninos haviam inventado essa brincadeira.
A princípio ele fez amizade com todos eles, até aprender a brincar.
Então, depois de entrar no poder apoiado pelo povo, fortaleceu seu exército e diferente dos amiguinhos que haviam se voltado contra seus próprios irmãos, esse menino resolveu tomar a brincadeira dos vizinhos e declarar que só a brincadeira dele era legal.
Seu nome era Hitler.
Sua brincadeira ganhou o nome de Nazismo.
O menino Hitler achava que as pessoas da sua rua eram mais bonitas e inteligentes, por isso ele achava que deveria mandar em todas as ruas.
Acontece que, quando ele começou a atacar as ruas do lado, os vizinhos ficaram chateados. Até alguns vizinhos de outro bairro vieram entrar na briga.
O menino Benito ficou do lado do Hitler, e alguns vizinhos que já estavam influenciados por ele, também ficaram. 
Até os vizinhos de um bairro japonês apoiaram o menino Hitler.
No final, o Benitinho e o Hitlerzinho perderam.
A cidade  ficou dividida entre bairros que apoiavam as primeiras ideias do Karl, e bairros que preferiam viver livremente, sem serem dominados por ideias de ninguém.
As ideias do Karl, necessariamente precisavam de revoluções para serem implantadas. Mas a cidade não queria mais guerras.
Então, um outro menino chamado Antonio Gramsci teve uma ideia:
— E se a gente, — explicou ele a seus colegas — em vez de querer impor nossa brincadeira através da força, nos infiltrarmos nas escolas, igrejas, famílias, ruas, bairros e cidades, e formos fazendo a propaganda de que nós somos bonzinhos, que a nossa brincadeira é a mais legal e que quem pensa diferente de nós é de extrema-direita, igual ao Benitinho e o Hitlerzinho?
— Não sei, — respondeu um dos camaradinhas levantando a mão para falar — as pessoas vão saber que nossa brincadeira matou mais gente que as outras brincadeiras.
— Não... — respondeu Toninho — a gente não deixa eles estudarem! Mudamos a história e criamos nossas narrativas.
— É... — pensou um deles — pode dar certo.
— Interessante... — pensou outro em voz alta.
— Boa ideia! — concordaram todos no final.
Assim foi feito.
Hoje, outros meninos que vieram depois do Antoninho, baseando-se nas suas ideias, concluíram que as famílias têm que enfraquecer, para que o Estado seja forte.
Esses malvados também decidiram que o racismo, a homofobia e o feminismo devem ser alimentados. Porque isso enfraquece a sociedade. 
Como disse Toninho Gramsci: — Temos que dividir para conquistar.
Mas isso gerou um problema: as pessoas não conseguem mais brincar sem roubar no jogo!
Quando alguém diz:
— Eu sou cristão e amo minha família.
Logo ele é tratado como extrema-direita, e extrema-direita não pode brincar.
Mas se alguém do jogo mata outra pessoa que não brinca do mesmo lado — ele apenas matou um radical, e não fez nada de errado, afinal, tudo é em prol do nosso brinquedo.
O pior, é que aqueles que teóricamente deveriam ser mais passivos e vítimas dos malvados, estão aprendendo as falcatruas e se tornaram um novo tipo de malvadinhos.
Que também sabem mentir, também sabem matar e também sabem roubar no jogo.

Assim, as cidades estão cada vez mais divididas. 
De um lado quem quer brincar e implantar a brincadeira do Karl.
Do outro quem quer brincar a sua brincadeira, diferente. 

Descrito assim, poderia ser mesmo uma brincadeira de criança, mas infelizmente não é.
Em todas essas fases históricas e através desses personagens, milhares e milhares de pessoas morreram no mundo e ainda hoje morrem ou sofrem injustiças, em nome da "brincadeira" intolerante.

Pensem nisso!



terça-feira, 16 de setembro de 2025

O garimpeiro do tempo


Hoje encontrei uma abotoadura que meu pai me deu.
Ele a usou quando se casou com minha mãe.
Uma abotoadura banhada em ouro, com um enfeite de marfim.
Um dia esse ouro foi encontrado na barranca de um rio.
Estava em estado bruto.
O garimpeiro o separou da areia e colocou em um saquinho que guardava em seu bolso.
Ele não mostrava para os outros garimpeiros, porque poderia morrer na próxima curva do rio, e seu corpo nunca mais seria encontrado.
Mais fácil encontrar mais ouro.
Na mineradora, os trabalhadores retiraram uma rocha enorme de minério de ferro.
Esse minério de ferro foi vendido para uma siderúrgica.
A siderúrgica beneficiou esse minério e fabricou lingotes de ferro.
Vários metalúrgicos trabalharam nesse beneficiamento. 
Alguns morreram no trabalho. 
Mexer com forja, calor excessivo, ferro líquido, é muito perigoso...
Os lingotes de ferro foram vendidos para várias empresas.
Um caçador na África matou um elefante e arrancou o marfim.
O contrabandista de marfim vendeu uma carga escondida no meio de toras de madeira, passando pelo Congo até chegar em Moçambique.
De Moçambique esse marfim chegou até a China e também à Europa.
Na Europa — artistas — trabalharam esse marfim e venderam para empresas de joias.
Uma fábrica de abotoaduras comprou lingotes de ferro, ouro e marfim.
Um artesão fez a abotoadura de forma quase manual e artesanal.
O ourives banhou com ouro.
O designer, que na época não devia ter esse nome, colocou um enfeite de marfim e deu o acabamento.
Esse fabricante vendeu as abotoaduras para várias distribuidoras.
Uma dessas distribuidoras vendeu para uma joalheria.
Meu pai comprou.
Isso tem mais ou menos 60 anos.
Hoje eu peguei a abotoadura na mão...
Que fim levou o garimpeiro?
A mineradora ainda existe?
Elefantes? Até quando existirão?
A joalheria? Existe?
Quem era o joalheiro?
Quem era o vendedor da joalheria?
O ourives, o artesão, o designer...
Meu pai? Será que seu espírito está onde?
Hoje eu encontrei uma abotoadura que um dia, meu pai me deu.
Ou será que foi minha mãe?
— Guarde bem guardado! Você pode usar quando se casar. É uma homenagem ao seu pai.
Usei mesmo...
Hoje, então, eu encontrei uma abotoadura que era do meu pai, mas que ganhei da minha mãe.
E sabe... 
Um dia, todos nós seremos como o garimpeiro.



quinta-feira, 11 de setembro de 2025

A festa do Arcanjo Miguel


Os amigos mais antigos do blogue, sabem que de vez em quando eu posto novamente alguns contos ou crônicas que eu considero bons. Inclusive, alguns tem mais de uma repostagem. 
Mas dessa vez, estou postando novamente esse miniconto, que é um dos que mais tenho carinho por ter escrito, para comemorar a notícia de que ele foi um dos escolhidos para entrar na segunda edição da Revista Alma, de Moçambique.
Eu participei de um concurso cultural realizado pela equipe editorial da revista e esse conto foi um dos classificados. Me senti honrado, por saber que um trabalho meu vai ser publicado no Continente africano. 
Então, para vocês relembrarem ou conhecerem: 

 

A festa do Arcanjo Miguel


Ao voltar da caminhada, Lúcio fez um carinho na cabeça de Bóris, seu fiel amigo, que o esperava balançando o rabo de alegria. Entrou em casa e foi direto tomar um banho.
Debaixo da água, pensou em como sua vida havia mudado desde a morte de sua esposa Carmen, há três anos. Nunca havia imaginado, que aos setenta anos, estaria morando sozinho, com seus filhos todos casados e morando cada um num canto do país.
Logo ele, que sempre zelou tanto pela família e pelos momentos felizes com os filhos. Mas é assim mesmo, eles crescem e querem voar por conta própria. Querem enfrentar o mundo e a vida que tem pela frente, a parte dos pais é apenas prepará-los; e deixá-los ir.
Depois do banho, com uma toalha enrolada na cintura, Lúcio foi até a cozinha e pegou um copo de leite com café, umas torradas besuntadas com manteiga, e foi até seu escritório. Enquanto o computador iniciava, ele se deliciou com seu lanchinho.
Lucio era um idoso moderno: tinha Facebook, Instagram e se comunicava por WhatsApp com seus netos, sobrinhos e de vez em quando com algum dos quatro filhos. Ele se orgulhava disso, pois era um velho conectado ao “novo mundo”.
Quando seus e-mails carregaram, ele foi abrindo um a um: e-mail de propaganda de lojas virtuais, de sacanagem que seu neto João sempre mandava, golpes tentando se passar por algum banco ou receita federal e, um e-mail de seu amigo de longa data; Marcel.
O e-mail do Marcel dizia:
“Bem-vindo a festa do Arcanjo Miguel.”
Se você abriu esse e-mail não poderá mais fechá-lo, até receber quatro presentes.
A partir de agora você faz parte da corrente do bem e coisas sobrenaturais vão acontecer com você:
1- Uma ligação telefônica inesperada.
2- Alguém vai lhe dar uma boa notícia.
3- Você fará uma viagem.
4- Encontrará a pessoa amada.
Depois de ler, encaminhe esse e-mail para toda sua lista de contatos.
— Lá vem... — resmungou Lúcio sorrindo. — O Marcel só manda bobagem.
Ele não acreditava nessas correntes, mas como estava bem-humorado, resolveu enviar só para participar da brincadeira. Depois, leu mais alguns e-mails, navegou um pouquinho pela internet até que o telefone tocou.
— Alô!
— Paaaaaaiiiiiii, me sequestraram! Socorro!
— Quem, sequestraram quem? Jonas? É você?
— Sou eu pai, é o Jonas! Eles me sequestraram, eles querem um resgate! Pai me ajude!
— C... co... como is... isso f... filho...
— Nós estamos com seu filho, Jonas! — declarou uma voz áspera. — Se você não mandar o dinheiro que vamos pedir, nós vamos matar seu filho!
— Ma... mas como? Quem é v... você?  
O coração do velho Lúcio não aguentou o baque. A dor no peito foi enorme. Cambaleando, ele foi até a calçada, onde caiu no chão. A vizinha chamou uma ambulância, que o levou até o hospital, onde foi internado direto na UTI.
Horas depois, seu filho Manoel, chegou ao hospital desesperado. Correu até o quarto do pai e acariciando sua cabeça grisalha, sussurrou com voz embargada:
— Puxa papai... Como é que isso foi acontecer? A correria da vida fez a gente ficar tão distante. Eu amo o senhor! Já avisei todo mundo. O Jonas já deve estar chegando, vê se aquenta aí.
Mesmo inconsciente Lúcio escutou a boa notícia de que seu filho Jonas estava bem e que até estava vindo.
“Deve ter sido um trote daqueles de presidiários, — pensou, mesmo sem forças para acordar do coma.”
Com o coração tranquilizado, Lúcio percebeu a seu lado uma figura muito bonita, com cabelos longos e encaracolados, sorriso no rosto e com roupa iluminada. Essa figura pegou-o pela mão e falou:
— Olá senhor Lúcio, tudo bem?
— Tudo bem quem é você?
— Eu sou um anjo!
— Um anjo?
— É... Eu vim buscar o senhor, para fazermos uma pequena viagem...
— Pra onde?
— Por enquanto não posso falar, mas vai ser muito bom, e sabe quem está te esperando lá?
— Eu sei, a Carmem.
— Como sabe disso?
— Eu li num e-mail. — respondeu Lúcio sorrindo.
— O senhor leu em um e-mail? — perguntou o anjo com cara de desentendido.
— Li... E olha que eu que pensava que esses e-mails do Marcel eram tudo besteira...