segunda-feira, 7 de outubro de 2024

Conversão

 



Eu era um pré-adolescente. Tinha mais ou menos 13 anos, quando fiz a primeira comunhão. A "minha" igreja ficava na Freguesia do Ó em São Paulo e tem o apelido de "Igreja de Zinco", porque o telhado dela é todo coberto de telhas galvanizadas.

O padre na época era o padre Matheus, e a moça que ensinava a gente sobre a vida de Jesus e sobre a nossa nova vida com Jesus, se chamava Soninha.

O padre Matheus juntou com a Soninha e os dois sumiram no mundo! Se casaram e nunca mais tive notícias de nenhum deles.

Ixi... Esse trem deu uma conversa danada! 

Crucificaram o padre, apedrejaram a Soninha, falaram que o capeta estava agindo dentro da igreja. Uns irmãos disseram que tinham percebido, outros que foram pegos de surpresa, outros que o padre era safado, outros que a moça era safada, e eu... Eu não entendi nada!

Naqueles dias, tinha um padre irlandês, que estava passando um tempo na igreja, não sei fazendo o quê, mas mesmo eu achando que nem ele sabia o que estava fazendo lá, ele teve que assumir a igreja, até que um novo padre fosse escalado pra gente.

O padre irlandês nem sabia falar direito português, ele lia as coisas e dava a entonação que ele imaginava que estava certo, tipo: 

— I Jééésuzzz faulou parrrra sus apóstoulous! Iu soui o verdade e o vido.

A gente; crianças e adolescentes, íamos na igreja aos domingos só pra dar risada desse padre, coitado! Ele ficava bravo, avermelhava as bochechas e falava: 

— Voucezzzz non prestammm otencioun in nado!

Ele era grandão, devia tem quase dois metros e era corpolento sem ser gordo, era grandão mesmo. Devia ter uns 150 quilos mais ou menos.

Nas tardes, ele se sentava na padaria ao lado da igreja e tomava sozinho mais de uma dúzia de cerveja. Isso todos os dias, até que os homens, cabeças da congregação, foram conversar com ele:

— Padre, o senhor não pode se sentar aqui e beber desse tanto.

— Coma non poude?

— Não pode porque é feio!

— Feia? Coma anssí?

— As pessoas falam mal do senhor.

— Pessoas falar maou de minha, pourque eu beber cerveja?

— Isso.

— Mas lá no Irlanda, nóuis dá cerveja no mamadera do bebêzinha.

— Então padre! Mas aqui é feio um padre fazer isso. O senhor pode até beber, mas lá na casa paroquial.

Eu não sei como acabou a conversa, só sei que o padre parou de beber na padaria, e que de vez em quando algum dos homens tinham que ir fazer companhia pra ele na casa paroquial, porque ele achava triste beber sozinho.

Mas porque estou contando essa história?

Estou contando essa história, porque há mais de 20 anos eu vou à uma igreja evangélica, e outro dia o pastor perguntou aos irmãos, como foi a conversão de cada um deles.

Quando chegou a minha vez, eu contei uma cena que eles não gostaram muito, mas é a primeira cena de que me lembro, que eu entendi o que, ou quem é Jesus.

O padre irlandês, na primeira aula do catecismo depois que a Soninha e o padre Matheus sumiram, começou a aula dando a notícia sobre eles e ligando isso à nossa vida e ao cristianismo:

— Vacêis sobem que a padre Matheus e o Soninho resoulveram si casar. Juntaram como vocêis dizem acá em Brasil, os panélos, e foram morarem juntas! Mas... — ele deu uma parada e apontou pra gente com cara de acusador e continuou teatralmente. — O que vaia acountecir com a padre e o Soninho? Eles vai pra inferna? — outra pausa antes da conclusão. — Eu achar que non, porque a padre e o Soninho já entregar o alma a Crista! O que eles fizer foi largar o igreja, e não largar o Crista! Eles continuam sendo cristianas! E agoro vanm procurarem otro igreja para congregarem, ou nom, e nom tem nada errada. É simples! Eles continuam sendo salvas, mas agoro vam fourmarem um familio!

Cara! Essa fala caiu como uma bomba na minha cabeça! Eu que achava que entendia o que era Cristo, o que era Jesus e o que era igreja, na verdade não entendia nada!

Esse, pra mim, foi o dia em que eu me converti...

Hoje eu tenho uma vida longa dentro de igrejas evangélicas e até em religiões alternativas e algumas até misteriosas... Outro dia eu conto para vocês. Mas foi esse dia que marcou a fé que até hoje me norteia. E mesmo que alguns irmãos evangélicos sejam contra o que vale é dentro de mim, e esse padre, que falava mal o português e que gostava de uma gelada, pois para ele era tradição e não pecado, foi a pessoa que me mostrou: Quiém é a verdadero Crista!

 



12 comentários:

  1. Histórias e estórias de vida e aprendizados nela... Bem humorada crônica com os sotaques, deu pra imaginar o padre irlandês.... abraços, chica

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    1. Oi Chica! Que bom que apareceu.
      É minha amiga! Tem estórias que marcam a gente, né?

      Um abração!

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  2. Que crônica André, uau, você é mesmo um excelente contador de histórias.
    Casos como o do padre Matheus e da Soninha são até comuns na Igreja. Mas causam tanto rebuliço com as carolas de lá, aquelas que sempre estão na primeira fila de todas as missas da paróquia e fazem cara de santas, quando na verdade possuem a língua ferina.
    Mas o que ficou evidenciado, foi a sabedoria do padre irlandês, que em poucas palavras, passou o ensinamento de Jesus de forma brilhante. Eles já eram de Cristo, mas tiveram que se ausentar justamente porque iriam ser "crucificados" pela paróquia. São verdades da vida! Jesus deixou tantos ensinamentos e parábolas...Mas parece que até hoje, as pessoas não souberem compreender o que verdadeiramente ele apresentu para todos nós: somente amar as pessoas, tão somente e deixar todas as demais futilidades de lado por nada acrescentar ao amor.
    Obrigada por mais essa amigo!!
    Maravilhosa semana!!!

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    1. Oi Adriana!
      Fiz um comentarião lá na sua postagem hoje! Linda postagem por sinal.
      Então... É facil entender o que é ser cristão, mas as pessoas complicam.

      Um abração!!!

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  3. História boa essa!
    Padres que se apaixonam é um tema que gerou boas literaturas, como o "Crime do Padre Amaro".
    O padre irlandês mandou bem em sua interpretação. Tem também uma coisa na igreja católica que uma vez padre, sempre padre, ainda que o padre abandone o sacerdócio católico...tipo uma maldição...rs
    Faz tempo que não vou , mas já fui "rato de igreja" e fiz muita coisa relacionada a fé evangélica durante uns 20 anos.

    Em nomi di padri, filhu e espíritu santuuuuuuuu...amém!

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    1. A gente que gosta de escrever crônicas e mini-contos sempre tem uma estória pra contar.
      Kkkkkkkkkkkkkkkkkk.

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  4. Gostei da história, sou católica não praticante, acho bom isso, porque nunca julgo comportamentos religiosos!
    Faz tanto tempo que não vou em igrejas, sem ter de ficar me preocupando com o que religiosos falam ou seguem em suas crenças, viver é um dom maravilhoso, sentir a Vida é muito bom, aqui li e achei bom saber como entendes a vida e a sua religião!
    Abraços apertados amigo Andre!

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    1. Olá Ivone!
      Que bom que veio aqui me visiitar!
      E que bom que gostou da história.

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  5. Boa tarde Eduardo
    Um texto muito interessante , casos iguais ou parecidos acontecem desde sempre.
    Sou católica, mas nao quero dizer que entenda tudo o que leio e oiço, respeito todos, qualquer que seja a sua crença e a sua fé.
    Bom domingo com saúde.
    :)

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    1. Olá amiga Piedade!
      É... são causos que a gente guarda nas lembranças nné?
      Obrigado pela visita!

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  6. Boa tarde de paz, Eduardo!
    Chegamos a mesma conclusão que você: de nada entendemos por causa de tantas barbaridades que temos visto que não há religião que dê jeito...
    Creio que tudo que aprendemos merece reciclagem e a fé é um dom, ainda bem.
    Tenha dias abençoados!
    Abraços fraternos

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  7. Olá Rosélia! Obrigado por me visitar.

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