Eu tenho notado que as coisas
estão um pouco mudadas.
As crianças estão muito mais
espertas hoje do que na minha infância, tanto que as vezes chegam até a
discutir com a gente sobre coisas que eu nunca imaginava que elas poderiam
saber.
Outro dia uma menininha de cinco
anos estava falando sobre como o desenho dela estava chato em relação a novela
da mãe, porque o desenho repetia muito, e a novela não. Na novela era um
capítulo novo por dia e nunca repetia nada.
Véio! Eu assisti Chaves 365
vezes por ano, durante 10 anos e nunca reparei que era repetido!
Quando que eu com cinco anos,
saberia argumentar, demonstrando minha opinião sobre qualquer coisa. Eu era um
bobalhão.
Um filho de um amigo meu estava
com uma chuteira no pé, e dizia que era a marca do Neymar, e que o pai dele
queria lhe dar uma outra, mas ele não quis, porque calçando a do Neymar, ele
poderia mostrar para os amigos na escola e zoar com eles, porque esse modelo
novo só ele tinha!
Gente! Eu não me lembro de ter
feito planos para tirar sarro de amigos... A gente zoava e pronto.
Espontaneamente e sem maldade. Tirávamos sarro a todo momento, por todos os
motivos possíveis. Mas ostentação não! A gente respeitava os amigos que não
tinham condição de ter um tênis bom, uma calça legal ou se vinha para a escola
a pé ou de carro. Bom, pelo menos eu e meus amigos éramos assim.
As crianças de hoje mexem em
computador, em televisão, atendem telefone, fazem pesquisa na internet,
conversam entrando no assunto dos adultos, e parecem não ter limite.
A filha de um amigo, quando
tinha seis anos e estava na escolinha, (que hoje não se chama mais parquinho e
nem prézinho), já fazia pesquisa na internet. Quando ela tinha dez, já usava
batom, bota de couro da Angélica, luzes no cabelo, olhos delineados com lápis,
e falava em namorar, meninos mais velhos!
Menininhos que jogam futebol,
falam em ir para a Europa. Falam em Barcelona, Real Madri, Chelsea. Crianças
que tem mais dinheiro, fazem judô, jiu-jitso, caratê, natação, balé, tem aulas
táticas de futebol, estudam música, inglês, francês, chinês, piano, teatro e
por aí vai.
Ainda bem, que em várias
cidades, muitas dessas coisas que falei acima, são oferecidas gratuitamente
para a população, como é o caso do projeto Guri. Mas a gente sabe que não é a
mesma coisa, apesar de ser uma boa oportunidade.
Mas, por outro lado, os jovens
pais e jovens mães, que eram essas crianças chatas, adultinhas, se tornaram um
adulto crianção, parece até que eles foram exigidos demais e que não tiveram
infância, por isso, agora eles querem ser crianças.
Pais que viram a noite brincando
no Playstation, brincando de ser pai, brincando de ser marido, mulheres
brincando de ser esposa.
Homens e mulheres que acham que
trair seu cônjuge e beber até cair é uma brincadeira muito legal.
Famílias sem regras, onde os
filhos comandam porque são adultos em miniatura. Pais e mães que não sabem mais
o que é a hierarquia da família, e por isso deixam seus filhos tomarem as
rédeas da casa.
Outro dia um programa estava
entrevistando um jovem empresário, que estava de terno e gravata do Mickey.
Esse empresário é o que eu chamo de crianção!
Os crianções estão por aí,
brincando no trânsito, tirando rachas e arrumando encrenca se alguém encostar
no brinquedinho deles.
Os crianções brincam de votar
sem nunca ter lido um jornal, afinal ler sobre política é um brinquedo muito
chato! Melhor assistir o BBB.
Eu tenho uma teoria: Criança
adultinha sem infância, vira um adulto crianção, que quer viver a infância
depois de velho.
Tive a ideia de escrever esse
texto no supermercado. Eu estava com meu carrinho de compras na fila do caixa e
na minha frente um casal recém-casado estava fazendo a sua primeira compra.
No carrinho deles tinha
danoninho, bolacha recheada, chocolate, tody, suco, refrigerante, bolacha
recheada, tody, salgadinho, suco, refrigerante, refrigerante, danoninho,
danonão, bala, balinha, chocolate, refrigerante, danoninho, bolacha recheada,
paçoquinha, chiclete, bolacha sem recheio, tody, chocolate, refrigerante,
salgadinho e danoninho.
De repente a mãe de um deles
chegou ao mercado e olhou o carrinho que estava lotado dessas coisas, e falou
fazendo cara feia:
- Uai gente, essa é a primeira
compra de vocês! Onde está o arroz, o feijão, óleo, verduras, frutas, carne?
Eles se entreolharam
envergonhados e saíram da fila, voltando a fazer mais compras.
Eu fiquei imaginando se eles
realmente se tocaram que agora teriam que comprar coisas de adulto, ou se foram
buscar miojo e pipoca de microondas, porque eu me lembro bem, e não tinha isso
no carrinho deles.